Bloomberg — Na Via Appia, uma delicatessen escondida em um bairro arborizado no leste de Caracas, os clientes abastados carregavam, em uma manhã recente, perus, tortas de noz-pecã e purê de batata-doce.
Não importa que o Dia de Ação de Graças nem seja feriado na Venezuela ou, aliás, que apenas algumas noites antes, o presidente Nicolás Maduro houvesse recorrido às ondas do rádio para implorar a seus compatriotas que “dessem suas vidas”, se necessário, para repelir uma invasão dos Estados Unidos.
Esse tipo de incitação anti-imperialista é recebido, em sua maioria, com olhares de tédio no país.
Para muitos venezuelanos, é apenas bravata.
O mesmo acontece com toda a retórica belicista do presidente americano Donald Trump.
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É verdade que o presidente dos EUA ameaçou a Venezuela com uma armada do mais potente arsenal já produzido e a posicionou no sul do Caribe, mas houve tantas idas e vindas nos últimos três meses que sua mais recente tentativa de derrubar o regime só merece uma atenção limitada.
Após enfrentarem uma depressão econômica, hiperinflação, colapso populacional, apagões e sanções dos EUA, os venezuelanos não estão nada impressionados com os navios de guerra ancorados na costa.
Assim, todas as manhãs, os passageiros saem dos ônibus e vão aos prédios de escritórios, e depois lotam bares como os recém-inaugurados Sala de Despecho ou o Malquerido, onde amantes desiludidos recebem coquetéis e microfones abertos para cantar.
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A época natalina já está a todo vapor em Caracas. Os eventos de iluminação das árvores já estão marcados no calendário e as crianças fazem fila nos shoppings para tirar fotos com o Papai Noel.
Isso não significa que as pessoas e as empresas não estejam tomando nenhuma precaução.
Na terceira semana de novembro, as universidades realizavam formaturas e crianças faziam provas finais antes das férias, mas pelo menos duas escolas particulares em Caracas informaram aos pais que elaboravam planos de contingência para os alunos em caso de emergência.
Em uma grande empresa de bens de consumo, gestores pediram aos funcionários que suspendessem as viagens a trabalho pelas próximas semanas.
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Dados internos de vendas mostram que as famílias têm priorizado itens básicos, embora o aumento nas compras de bebidas alcoólicas sugira algum acúmulo de estoques.
Uma onda de ruído eletromagnético que tomou conta da Venezuela em meio ao aumento da presença militar dos EUA está afetando os sinais de GPS no país e complicando as operações de alguns aplicativos de transporte e entrega de comida.
Mesmo assim, um funcionário de uma dessas startups afirma que a gerência não emitiu nenhum alerta sobre possíveis interrupções no trabalho.
O pessoal diplomático também continua trabalhando em consulados e embaixadas, sem nenhuma orientação de saída até o momento.
Há um entusiasmo tímido em certos círculos de Caracas de que isso possa finalmente marcar o fim de um regime que transformou o país em um pária. Mas este sentimento é muito mais forte entre os 8 milhões de expatriados espalhados pelo mundo do que dentro da própria Venezuela.
Enquanto isso, a vida segue para os caraquenhos, que começaram a formar filas do lado de fora das lojas de eletrodomésticos Daka na quinta-feira, em antecipação das promoções da Black Friday.
Ao anoitecer, a maioria desses compradores saiu com itens como aspiradores de pó e fones de ouvido debaixo dos braços, prova de que, mesmo com dois presidentes trocando ameaças, os venezuelanos ainda se preparam para o Natal, não para o combate.
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