Bloomberg — O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estuda adotar uma abordagem de confronto em relação à América Latina que sinaliza uma disposição de usar a força militar contra os cartéis de drogas.
Seria uma abordagem em contraste à preferência do governo de Joe Biden - e de outros presidentes americanos - em oferecer incentivos para persuadir os países a se alinharem com os interesses dos Estados Unidos.
O New York Times noticiou nesta sexta-feira (8) que o presidente ordenou que o Departamento de Defesa preparasse opções para tomar medidas militares contra os cartéis de drogas latino-americanos.
Um acordo entre os EUA e o México para expandir a cooperação em segurança, que deverá ser assinado nas próximas semanas, facilitará o monitoramento conjunto de organizações criminosas pelas forças de segurança e a coordenação na fronteira.
Mas o acordo pendente não fornecerá bases legais para uma ação militar direta dos EUA em território mexicano, segundo as autoridades.
Qualquer intervenção desse tipo correria o risco de inflamar os sentimentos antiamericanos, já atiçados pela onda de tarifas do governo Trump.
“Isso poderia colocar em questão o acordo de segurança que foi elaborado, que se baseia em uma grande dose de confiança”, disse Victoria Dittmar, pesquisadora da Insight Crime, especializada no México.
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Questionado sobre a possibilidade de usar força militar na sexta-feira (8) na Casa Branca, Trump disse que teria “mais a dizer sobre isso em breve”.
“A América Latina tem muitos cartéis. Eles têm muitas drogas fluindo. Portanto, você sabe, nós queremos proteger nosso país”, disse Trump.
Um porta-voz do Pentágono não quis comentar.
Presença mais agressiva
Os planos para lidar com os cartéis se baseiam na presença já mais agressiva do governo Trump em uma região que está profundamente integrada à economia dos EUA, desde os gasodutos transfronteiriços até a logística marítima.
O secretário de Estado americano, Marco Rubio, visitou a América Central em sua primeira viagem ao exterior, pressionando por concessões sobre o uso militar do Canal do Panamá pelos EUA.
O governo se envolveu em uma guerra de palavras com o presidente de esquerda da Colômbia, Gustavo Petro, e pode estar se preparando para retirar a certificação dos esforços do país contra as drogas.
As autoridades também intensificaram as alegações contra o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, como um barão das drogas, dobrando a recompensa por informações que levem à sua prisão para US$ 50 milhões nesta semana.
O endurecimento da política dos EUA em relação à América Latina foi recebido com respostas variadas na região, desde braços abertos até uma oposição estridente.
No Equador, o governo pró-EUA prepara um referendo que permitiria o estabelecimento de instalações militares estrangeiras em território nacional, uma medida vista como a abertura de um caminho para que os EUA reativem o uso de uma base no país devastado pela violência.
‘Sem invasão’
No México, a presidente Claudia Sheinbaum respondeu de forma desafiadora a qualquer sugestão de que os soldados americanos assumiriam um papel de combate em seu país.
Qualquer acordo com o governo Trump deve respeitar a soberania da nação, reiterou ela na sexta-feira em sua entrevista coletiva de imprensa diária.
“Os Estados Unidos não virão ao México com os militares”, disse ela na sexta. “Nós cooperamos, colaboramos, mas não haverá invasão. Isso está fora de questão, absolutamente fora de questão. O que foi declarado em todas as ligações é que isso não é permitido nem faz parte de nenhum acordo, muito menos.”
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O acordo de segurança em andamento se baseia na ideia de que os EUA não intervirão no México, disse Dittmar, da Insight Crime.
“Se isso fosse quebrado, de fato quebraria a relação de confiança e exigiria uma reformulação das estratégias de segurança conjuntas”, disse ela.
Reação adversa mais ampla
A abordagem do governo Trump corre o risco de provocar uma reação mais ampla em uma região ainda marcada por décadas de intervenção da era da Guerra Fria, da Guatemala ao Chile.
“Isso fortalecerá regimes autocráticos como os da Venezuela ou da Nicarágua e o sentimento antiamericano no México, na Guatemala e até mesmo na Colômbia”, disse Jorge Restrepo, professor de economia que dirige o Cerac, uma instituição de pesquisa sediada em Bogotá que monitora o conflito civil do país.
“Apenas o anúncio terá o efeito não intencional de fortalecer os governos que não estão cooperando tanto quanto poderiam com os Estados Unidos”, disse Restrepo.
Os interesses dos EUA na região podem se tornar alvos fáceis para as organizações criminosas, disse James Bosworth, fundador da empresa de risco político Hxagon, em uma entrevista por telefone à Bloomberg News.
Os cartéis têm a capacidade de levar a luta para o território dos EUA de uma forma que a Al-Qaeda “só poderia sonhar”, de acordo com Bosworth.
Embora Venezuela, Colômbia e Honduras sejam alvos em potencial, o México é o país mais vulnerável, especialmente porque as autoridades de Trump estão muito mais preocupadas com o fentanil do que com a cocaína, disse Bosworth.
Trump fez uma promessa de combater o tráfico de fentanil, originário da China e responsável por dezenas de milhares de mortes nos EUA, um ponto-chave de sua campanha para 2024.
Narrativa do cerco
Apesar da retórica mais intensa de Washington, a Venezuela pode estar protegida da intervenção devido aos interesses petrolíferos dos EUA e à preocupação de interromper um fluxo constante de migração reversa, disse Geoff Ramsey, que acompanha a Venezuela no Atlantic Council.
“Esse é um caso em que Trump tenta projetar força, mas, em última análise, entende que qualquer tipo de ação militar na Venezuela seria totalmente contrária aos interesses dos EUA”, disse Ramsey.
“Infelizmente, Maduro sabe que isso é um blefe. Mas a oposição não sabe. E acho que isso vai alimentar muitos devaneios contraproducentes da oposição. E meu medo é que isso só os levará ao caminho do pensamento mágico.”
A postura dos EUA também corre o risco de entrar na narrativa de cerco da Venezuela. As forças armadas do país prometeram na sexta-feira “confrontar, combater e neutralizar qualquer ação que ameace a estabilidade e a paz de nossos cidadãos, bem como a salvaguarda de nosso território nacional”.
E, na televisão estatal, o ministro da Defesa, Vladimir Padrino Lopez, reiterou a negação de que a Venezuela abrigue grupos do crime organizado.
“Não há gangues criminosas operando aqui, elas tomaram a história do Tren de Aragua, foram completamente desmanteladas, não existem nem existem cartéis ou chefes”, disse Padrino.
Ramsey disse que uma ação militar dos EUA na Venezuela “arriscaria desestabilizar o país inteiro e, potencialmente, a própria região”.
-- Com a colaboração de Scott Squires.
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