Bloomberg — O Brasil passou meses sem ser notado enquanto Donald Trump alterava o comércio global. Agora que está sob os holofotes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode se beneficiar da atenção.
Horas depois que o presidente dos EUA ameaçou atingir o Brasil com tarifas de 50%, o Lula anunciou que, em vez de correr para apaziguar Trump, seu governo retaliaria com medidas próprias.
É uma decisão que coloca o Brasil em um caminho de escalada com seu segundo parceiro comercial, em um momento em que Lula já está enfrentando uma economia em desaceleração, uma perspectiva fiscal frágil, uma aprovação fraca dos eleitores em um ano eleitoral - e a perspectiva de outra venda de moeda, depois que o real afundou acentuadamente com as notícias de quarta-feira (9).
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O real caiu mais 0,8% em relação ao dólar quando os mercados abriram na quinta-feira (10), antes de passar para ganhos em meio à intensa volatilidade.
Ao contrário dos outros alvos das cartas tarifárias de Trump, Lula pode não ter muita escolha a não ser resistir.
Com Trump citando uma “caça às bruxas” contra seu aliado Jair Bolsonaro e criticando as medidas tomadas contra as empresas de mídia social dos EUA, Lula tem pouca esperança de evitar os impostos, disseram várias pessoas próximas a ele. Isso porque essas são questões legais e, portanto, demandas que ele simplesmente não tem poder para atender.
“O desafio é que a justificativa é política, com base no julgamento do ex-presidente Bolsonaro e nas mídias sociais”, disse Christopher Garman, diretor administrativo da consultoria de risco político Eurasia. “Essas são questões inegociáveis.”
Isso se soma à inimizade que se acendeu repentinamente entre os dois, tornando menos provável uma queda de braço. Ainda mais no momento em que Lula se prepara para concorrer a um quarto mandato em 2026.
O governo já decidiu criar uma força-tarefa para analisar a possibilidade de tarifas recíprocas, de acordo com quatro pessoas com conhecimento da situação ouvidas pela Bloomberg News, que pediram anonimato para discutir assuntos internos.
Ameaças “irresponsáveis
O presidente brasileiro estava recebendo o bloco Brics de líderes de mercados emergentes no Rio de Janeiro no último fim de semana quando Trump apareceu para ameaçar os membros com tarifas adicionais por causa de “políticas antiamericanas”. O grupo havia divulgado uma declaração criticando as taxas que distorcem o comércio e os ataques aéreos ao Irã, ambos ataques claros a Trump, mesmo que não mencionassem o nome dele ou dos EUA.
Lula respondeu na segunda-feira, chamando as ameaças de “irresponsáveis”. Trump também saiu em defesa de Bolsonaro, que está sendo julgado sob a acusação de ter tentado um golpe de Estado após sua derrota nas eleições de 2022. Lula respondeu que Trump não deveria se meter nos assuntos internos do Brasil.
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O presidente dos Estados Unidos já havia se inclinado contra os Brics antes, de modo que a posição de Lula como chefe da presidência rotativa do bloco o colocou em primeiro lugar na fila após as declarações críticas e os apelos para reduzir a dependência do comércio internacional em relação ao dólar.
Mas o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, também criticou as ameaças tarifárias de Trump, e Trump manteve a mesma taxa de 30% sobre o país que havia proposto inicialmente em abril. O Brasil, que deveria enfrentar a cobrança mínima de 10% sob o anúncio das chamadas tarifas recíprocas, agora enfrenta um aumento de 50% - apesar de ter um déficit no comércio de mercadorias com os EUA.
Isso coloca o ônus sobre as reclamações políticas de Trump, e não sobre quaisquer questões comerciais, como a causa principal.
Há muito tempo, os aliados de Trump têm se enfurecido com o Supremo Tribunal Federal do Brasil, tanto no caso contra Bolsonaro quanto em seus esforços para reprimir as chamadas notícias falsas, acusando-o de ser uma ameaça à liberdade de expressão. Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, passou meses nos EUA fazendo lobby para que o governo tomasse providências.
A carta de Trump fazia uma ligação direta com o caso, dizendo que as novas taxas eram “devidas em parte aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos”. O julgamento de Bolsonaro, que deve começar no final deste ano, “não deveria estar ocorrendo”, disse ele.
O caso é independente do governo de Lula, o que deixa o presidente sem nenhum poder para moldar os procedimentos da Suprema Corte. Em vez disso, as afirmações de Trump pareciam feitas sob medida para empurrar Lula para uma postura de combate - e o líder brasileiro rapidamente deixou claro que era isso que ele planejava fazer.
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Após o anúncio, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil convocou o encarregado de negócios dos EUA pela segunda vez em horas - e usou a reunião para devolver a carta de Trump, chamando-a de ofensiva, de acordo com um funcionário com conhecimento da situação.
Lula começou a avaliar se chamaria de volta o embaixador do Brasil em Washington, de acordo com outros dois. E em uma reunião ministerial de emergência, ele decidiu que argumentaria que o Brasil é apenas a mais recente vítima dos esforços de Trump para infringir a soberania de outras nações - nada diferente, disseram as autoridades, do que o Canadá, o Panamá ou os EUA renomearem unilateralmente o Golfo do México e buscarem o controle da Groenlândia da Dinamarca.
Lula, cuja carreira como político começou no movimento trabalhista durante os dias da ditadura militar do Brasil, também viu uma oportunidade de usar a luta em seu benefício político.
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Como sua aprovação tem ficado abaixo de 50% por meses, o presidente agora pode argumentar que Trump está tentando interferir nos assuntos políticos do país, descarrilar sua economia e transformar o Brasil em um quintal dos EUA, disseram as autoridades.
Seus aliados atacaram imediatamente. “Lula quer taxar os super-ricos”, dizia um meme compartilhado por importantes legisladores de esquerda, referindo-se à luta contínua do presidente com o Congresso. “Bolsonaro quer taxar o Brasil”.
A Globo informou na quinta-feira que Lula está pensando em falar à nação pela televisão para discutir a ação dos EUA. Em uma transmissão online na quinta-feira, o ministro da Fazenda Fernando Haddad chamou as tarifas de insustentáveis, economicamente infundadas e politicamente motivadas, dizendo que eram um “ato de agressão” em nome de Bolsonaro. Ele disse que não achava que as tarifas contra o Brasil seriam duradouras.
A direita ainda está descobrindo como reagir a Trump. Eduardo Bolsonaro elogiou a ameaça tarifária, mas a bancada do agronegócio, forte apoiadora de Bolsonaro, defendeu “cautela, diplomacia afiada e presença ativa na mesa de negociações”.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um potencial candidato presidencial de direita, criticou Lula e evitou comentar a medida de Trump. Bolsonaro limitou-se a citar um provérbio bíblico: “Quando os justos têm autoridade, o povo se alegra; mas quando os ímpios governam, o povo geme.”
Riscos inerentes
Há riscos na estratégia de Lula. A promessa de retaliar - de acordo com uma lei sobre reciprocidade econômica promulgada imediatamente após o anúncio de Trump das chamadas tarifas recíprocas - poderia desencadear uma luta crescente semelhante à travada entre os EUA e a China. Nesse caso, as tarifas foram aumentadas constantemente antes que ambos os lados negociassem uma redução.
A tarifa de 50% pode afetar em 1% a economia brasileira, de acordo com projeções da Bloomberg Economics. E, embora a capacidade do Brasil de desviar algumas exportações para outros mercados - inclusive Pequim - possa diminuir a dor, um enfraquecimento ainda maior do real poderia exacerbar a luta do banco central para manter a inflação sob controle, um problema que pesou muito na popularidade de Lula este ano.
Isso incentiva a buscar negociações. O vice-presidente Geraldo Alckmin disse, antes do anúncio, que o Brasil pretendia continuar fazendo isso. Mas o governo de Lula não fez muito progresso em seus esforços para evitar as tarifas de aço de Trump, e pode ser ainda mais difícil agradá-lo em relação às taxas mais amplas.
No entanto, ao ter um déficit estreito com os EUA, o Brasil tem exatamente o tipo de relação comercial que Trump exige regularmente. Como Lula está percebendo agora, essa pode não ser mais a questão. E há outros pontos de discórdia se aproximando, com o Brasil devendo sediar a cúpula climática da ONU no final deste ano, depois que Trump retirou novamente os EUA do acordo de Paris.
“Respeite o Brasil”, defende o governo em uma campanha rápida de relações públicas lançada da noite para o dia de quinta-feira. O presidente “afirma a soberania nacional” e o Brasil não receberá lições de ninguém, diz o texto.
--Com a ajuda de Josh Wingrove e Josué Leonel.
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