Bloomberg Línea — O mundo vive um momento surpreendente, em que o quadro geopolítico mais problemático desde a Segunda Guerra Mundial não teve - até aqui - um impacto tão negativo como esperado e temido na economia global.
A avaliação foi apresentada por Børge Brende, presidente e CEO do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), durante um encontro com a imprensa em São Paulo nesta manhã de quarta-feira (5).
Segundo ele, o crescimento global segue resiliente apesar do ambiente de conflito comercial e de novas tarifas, que ampliam as incertezas.
“Esperávamos que o crescimento desacelerasse, e também havia incertezas relacionadas às tarifas e aos conflitos comerciais. Mas parece que muitas nações encontraram uma maneira de lidar com isso. Então há um novo capítulo que se aproxima quando olhamos para o crescimento global”, disse.
Segundo ele, a estimativa atual no WEF é a de uma expansão de 3,2% do PIB mundial neste ano, o que é visto como um resultado mediano em comparação ao crescimento tendencial de décadas anteriores, mais próximo de 4%.
“Não é espetacular em comparação ao crescimento de tendência de décadas, mas também não é tão ruim”, disse.
A diferença, na visão dele, está na composição do crescimento. O comércio de manufaturados perdeu fôlego e abriu espaço para serviços e tecnologias digitais.
No contexto de “desordem”, Brende reconheceu que o multilateralismo atravessa uma crise de legitimidade e eficácia, em que países priorizam agendas domésticas e relações bilaterais. Para ele, a fragmentação do sistema internacional obriga as instituições a trabalharem de forma mais flexível e prática.
“Vivemos em um mundo polarizado e fragmentado. Muitos países passaram a agir em função do próprio interesse”, disse. A consequência, segundo ele, é que organizações criadas no pós-guerra precisam se adaptar a um cenário em que o consenso é difícil e os temas exigem cooperação transnacional.
“Mesmo aqueles que são mais críticos à globalização entendem que há desafios, como futuras pandemias e crimes virtuais, que nenhum país pode resolver sozinho”, afirmou.
Para ele, caberia um papel mais pragmático da Organização Mundial do Comércio (OMC), uma vez que a instituição continua a balizar a maior parte do comércio global, mas precisa destravar decisões.
“Hoje ainda temos de 70% a 75% de todo o comércio global sob as regras e regulamentos da OMC. O desafio é que se trata de uma organização que trabalha com consenso. Um país pequeno pode levantar a mão no fim de uma grande conferência ministerial e dizer ‘não concordamos’ e então tudo cai”, afirmou.
A saída, segundo ele, passaria por acordos plurilaterais em serviços e outros temas, com aceitação da organização e adesão gradual de países.
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Nesse ambiente fragmentado, disse, o WEF busca preservar seu papel como espaço de convergência e diálogo, mas sem um papel fundamental - nem a pretensão - para resolver a desordem atual.
“O Fórum Econômico Mundial não é o consertador. Podemos ser facilitadores do progresso e mover o mundo adiante, mas isso depende de quem está na nossa plataforma”, disse.
Ele citou como diferencial a capacidade de reunir lideranças dos principais blocos, inclusive em momentos de polarização, e de estimular compromissos empresariais que pressionem cadeias de fornecedores.
Brende destacou que o WEF é uma fundação sem fins lucrativos e “imparcial”, voltada a criar pontes entre governos, empresas e sociedade civil.
“Nosso papel não é oferecer soluções prontas mas permitir que elas sejam construídas na nossa plataforma”, disse.
O CEO minimizou a crise recente no alto escalão do fórum com a saída e investigação sobre o fundador do WEF, Klaus Schwab. Segundo ele, não foram encontradas irregularidades, e o novo conselho, sob a liderança de Larry Fink e Andre Hoffmann, manteve o foco da organização.
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Segundo ele, o fórum mantém relevância por conseguir reunir líderes de todas as grandes economias, incluindo Estados Unidos e China, e por promover discussões que ajudam a “decifrar o mundo” e antecipar tendências em meio à desordem global.
Isso vai ficar evidente nas discussões do Fórum em Davos no começo de 2026, disse. O encontro vai ser guiado pelo “espírito de diálogo”, conceito que ele descreveu como importante no atual contexto geopolítico polarizado.
“Dez anos atrás, as pessoas diriam que promover o diálogo não era um objetivo ambicioso. Hoje, em um mundo fragmentado, simplesmente conseguir que as pessoas conversem já é uma conquista”, afirmou.
O executivo revelou que o WEF espera número recorde de participantes, com mais de mil CEOs e dezenas de chefes de Estado confirmados, e que a edição de 2026 deve continuar a atrair líderes em busca de pontos de convergência em um cenário internacional marcado por incerteza. Ele disse também esperar a presença do presidente dos EUA, Donald Trump.
Bolhas potenciais
Além das disputas internacionais, o executivo apontou ainda problemas estruturais que criam instabilidade na economia global.
Segundo ele, pelo menos três riscos que têm dominado o debate de investidores: “Temos três bolhas potenciais. Uma é a bolha cripto, a segunda é a bolha de IA, e a terceira seria a bolha da dívida”, afirmou.
A preocupação com IA relaciona o volume de investimento com a ausência de receitas equivalentes no atual estágio do ciclo. “Somente neste ano serão investidos US$ 500 bilhões em IA nos EUA. O desafio é que todos esses investimentos ainda não estão gerando receita”, disse.
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Para ele, a história mostra que “bolhas” não eliminam tecnologias. Elas reprecificam ativos e deixam vencedores mais fortes.
A adoção acelerada de IA deve reorganizar cadeias de valor e o mercado de trabalho.
Brende resgatou a experiência do chamado “Cinturão da Ferrugem” - Rust Belt - nos Estados Unidos e projetou impacto inicial sobre funções administrativas.
“No pior cenário, poderíamos ver agora um Rust Belt não no Meio-Oeste dos EUA mas nas grandes cidades com muitos back offices de trabalhadores de escritórios que podem ser substituídos com mais facilidade pela IA”, afirmou.
A trajetória de médio prazo, segundo ele, tende a reproduzir o padrão de ondas tecnológicas anteriores, com ganhos de produtividade e renda. “Historicamente, as mudanças tecnológicas levaram ao aumento de produtividade. E produtividade é o único jeito, ao longo do tempo, de aumentar prosperidade”, disse.
Economia brasileira
O CEO do WEF fez uma avaliação mais superficial da situação econômica do Brasil ao avaliar o cenário global. Ele também concentrou a visita apenas à capital paulista, apesar da proximidade da COP30 em Belém.
Brende destacou a base de recursos naturais, o potencial em transição energética e minerais críticos e a relevância do país em clima. Ao mesmo tempo, apontou desaceleração, restrição fiscal e segurança pública como pontos de atenção para atração de investimento.
“O Brasil é um país de grandes oportunidades. O crescimento não tem sido ruim, mas está desacelerando, e a situação fiscal está mais apertada do que no passado”, afirmou.
Ele projetou ainda um papel ativo do Brasil nas negociações climáticas e disse esperar avanço nas conversas entre Mercosul e União Europeia.
“Eu espero que possamos celebrar o acordo entre Mercosul e a União Europeia em Davos, se estiver pronto para ser assinado”, disse.
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