Bloomberg — Quando uma bola de fogo vinda do espaço colidiu com as planícies rochosas do sudeste do Marrocos em setembro, Mohamed Benitjit recarregou seu celular e arrumou uma bolsa com um pequeno ímã e algumas roupas, pronto para sair em busca de fragmentos do meteorito.
“Eu só preciso saber onde ele caiu”, disse o comerciante de 52 anos na vila de Enzala, situada ao pé das montanhas do Atlas. “Informação é tudo no nosso comércio. Não é fácil conseguir, já que quem encontra algo prefere guardar para si.”
Assim como muitos outros moradores locais, Benitjit busca lucrar com o status do Marrocos como um próspero centro de caça aos meteoritos.
O Marrocos registrou mais quedas de meteoritos do que qualquer outro lugar nos últimos 20 anos, e cerca de metade de todas as publicações científicas envolvendo meteoritos se baseia em descobertas feitas no país, de acordo com Hasnaa Chennaoui Aoudjehane, professora de meteorítica e ciência planetária da Universidade Hassan II, em Casablanca.
Como o mercado global de meteoritos é fragmentado e não regulamentado, as vendas são difíceis de rastrear, mas os preços podem variar de centenas de dólares por pedaços negociados em sites como o eBay a milhões por fragmentos maiores, vendidos por casas de leilão como a Sotheby’s e a Christie’s.
O país norte-africano, com uma população de cerca de 38 milhões de pessoas, facilitou a exportação de meteoritos como parte de seus esforços para impulsionar o turismo e criar novas fontes de renda em regiões remotas — onde atividades tradicionais de pastoreio estão sendo prejudicadas pelas mudanças climáticas.
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O que antes era “um hobby e uma parte importante do patrimônio local” para milhares de pessoas tornou-se “uma atividade extrativa por si só”, disse Samira Mizbar, uma economista social independente especializada em políticas de desenvolvimento.
Meteoritos costumam se fragmentar ao atravessar a atmosfera terrestre e também podem se despedaçar no impacto. Apesar de milhares caírem todos os anos, apenas uma fração mínima é encontrada, já que a maioria cai em oceanos ou áreas isoladas.
A avaliação de um meteorito depende de diversos fatores, como a origem no sistema solar e o tempo desde a queda, já que uma exposição prolongada aos elementos da Terra pode causar contaminação ou danos.
A maioria das descobertas no Marrocos envolve meteoritos que caíram há anos, ou até séculos.
Eles vêm de asteroides, da Lua ou até de Marte, e contêm metais como cobalto, ferro e níquel — o que os torna magnéticos. Incluem também os chamados condritos carbonáceos — ricos em água, enxofre e compostos orgânicos baseados em carbono —, além de novos tipos que “expandiram nosso conhecimento sobre os materiais no cinturão de asteroides”, disse Guy Consolmagno, astrônomo e físico americano, que lidera o Observatório do Vaticano, bem como a Sociedade Meteórica.
O clima desértico do Marrocos ajuda a proteger os fragmentos, enquanto sua paisagem os torna relativamente fáceis de encontrar.
Há décadas, essas abrangentes regiões áridas são um ponto central para uma rede pequena e secreta de caçadores de meteoritos experientes, com a primeira descoberta registrada datando de 1932, segundo Chennaoui.
As atividades se intensificaram em 2011, depois que várias pessoas avistaram uma bola de fogo caindo no vale do Oued Drâa. Em semanas, nômades recuperaram fragmentos que foram vendidos a comerciantes.
O Museu de História Natural de Londres adquiriu uma peça de 1,1 quilo por 330 mil euros, com a ajuda de um doador anônimo, segundo seu Relatório Anual de 2011-12. O próprio museu de Chennaoui, a Fundação Attarik, detém um fragmento de 7 gramas avaliado em US$ 7 mil.
Os preços elevados dos chamados fragmentos marcianos de Tissint refletiram sua raridade e origem — Marte —, confirmados, em parte, pela crosta de fusão e pelas veias de vidro de impacto.
Menos de 0,3% dos fragmentos em coleções foram ejetados da superfície do planeta vermelho, e poucos foram recuperados de meteoritos vistos efetivamente caindo.
Em 2020, o Marrocos iniciou o que Chennaoui chama de “corrida do ouro”.
Foi quando o governo passou a permitir que caçadores de meteoritos licenciados exportassem ou vendessem até 90% de suas descobertas, dependendo do peso, após registrar a descoberta na Diretoria de Geologia, que mantém o restante para fins científicos.
As licenças são gratuitas, mas só podem ser obtidas por residentes, independentemente de sua nacionalidade. Alguns caçadores licenciados organizam expedições turísticas.
Legislação flexível
Mesmo assim, o Marrocos agora possui, de longe, as leis menos restritivas entre os países ricos em meteoritos para o comércio e exportação de pedras espaciais. Próxima dali, a Mauritânia não tem legislação específica. Argélia, Líbia, Egito e Tunísia proíbem exportações.
O Níger, que também não possui leis específicas, abriu uma investigação formal depois que um fragmento — anunciado como o maior pedaço de Marte na Terra — foi vendido a um comprador anônimo por US$ 5,3 milhões, incluindo taxas e impostos, em um leilão na Sotheby’s em Nova York, em julho. As autoridades questionaram a exportação e a compararam ao tráfico ilícito.
A Diretoria de Geologia do Marrocos — vinculada ao ministério da transição energética e desenvolvimento sustentável — não respondeu às perguntas da reportagem, inclusive sobre quantas pessoas se registraram para obter licenças ou quantos fragmentos foram catalogados. Entretanto, esses números não ofereceriam um quadro completo.
“Os circuitos legais ou oficiais capturam apenas uma pequena parcela do comércio”, segundo Chennaoui.
A legislação é fruto de esforços de cientistas e defensores do patrimônio que, desde os anos 1990, vinham expressando preocupação com as enormes quantidades de meteoritos que deixavam o país sem qualquer documentação. No geral, ela equilibra bem os interesses dos envolvidos, afirmou Chennaoui.
Ela acrescentou que espera que o governo adote em breve um sistema de certificação, algo que reduziria a atividade clandestina ao “maximizar os lucros.”
O valor dos meteoritos aumentou dramaticamente nas últimas décadas, de acordo com Philipp Heck, diretor sênior do Field Museum, de Chicago. Apenas um grama de um meteorito lunar pode ser vendido por mais de US$ 100, enquanto a mesma quantidade de um fragmento marciano pode ultrapassar US$ 1 mil.
No Marrocos, compradores incluem centenas de lojas de fósseis e meteoritos, bem como colecionadores e filantropos — como Faouzi Chaabi, dono da Ynna Holding, um dos maiores conglomerados familiares do país, que declarou ser apaixonado por proteger o patrimônio natural marroquino.
“Até algumas décadas atrás, cargueiros repletos de meteoritos e fósseis saíam do Marrocos para a América do Norte e a Espanha sem nenhum controle ou regulamentação”, comentou Chaabi. “Isso me incomodava.”
O evento da bola de fogo em setembro desencadeou uma busca massiva liderada por caçadores experientes com dispositivos GPS e ímãs potentes.
Cerca de 100 pessoas, algumas em veículos 4x4, foram vistas vasculhando o deserto em um raio de 50 km do monte Jbel Ayachi, segundo Rachid Adnane, que preside o conselho eleito em Midelt e fez parte de um grupo de legisladores que impulsionou a nova lei.
“Essa é uma atividade excepcional”, disse Adnane. “Está atraindo turistas e moeda estrangeira, todo mundo está ganhando.”
Também estão à procura moradores locais, incluindo pastores, comerciantes e intermediários.
A população das regiões sudeste do Marrocos é, em geral, pobre, e isso os motiva economicamente a buscar fragmentos e garantir um fornecimento constante, de acordo com Said Jagouj, de 70 anos, que comanda uma loja de meteoritos e fósseis na cidade vizinha de Midelt.
“Somos bastante carentes”, disse ele. “Sem contar o cultivo de maçãs e os meteoritos, não há muito o que fazer.”
Lendas urbanas são frequentes nas regiões de Midelt, Erfoud e Errachidia, sobre caçadores de meteoritos que ficaram ricos e construíram seus próprios hotéis ou investiram no cultivo de tâmaras. Mas Benitjit ainda não fez fortuna. Em seus 15 anos no comércio, sua descoberta mais valiosa foi em 2018, e lhe rendeu cerca de 1.500 dirhams (US$ 162).
De pé, ao lado de uma pequena mesa coberta com bijuterias e fragmentos de meteoritos, na entrada de um mercado semanal em Enzala, Benitjit contou que ainda não sabe onde procurar a bola de fogo que caiu na Terra em setembro, mas espera obter uma dica de pastores com quem tem contato.
“Isso é lindo”, disse, tirando de sua pochete uma rocha de 250 gramas cuidadosamente embrulhada, que ele estima valer US$ 1.200. “Veio da Lua.”
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