A América Latina deve investir em resiliência se não quiser perder os ganhos recentes em desenvolvimento humano, de acordo com um relatório para a região lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) nesta terça-feira (16), no Equador.
Segundo o levantamento, a resiliência será um passo necessário para que a América Latina supere a tendência global de incerteza, associada à volatilidade econômica, às tensões geopolíticas e aos avanços tecnológicos, sem ficar para trás ou perder competitividade.
“Investir em resiliência não é um luxo, nem um complemento, mas uma necessidade urgente para proteger os ganhos obtidos e abrir oportunidades futuras”, disse Inka Mattila, Representante Residente do PNUD no Equador, durante o lançamento do relatório.
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O PNUD documenta que o índice de desenvolvimento humano (IDH) diminuiu na última década. Ele reduziu para 0,7% de maneira constante de 1990 a 2015, mas caiu para 0,3% no período de cinco anos antes da pandemia e 0,2% desde então. Daí a preocupação.
A região também está “sob pressão” de três dinâmicas específicas, que a economista-chefe do PNUD para a América Latina e o Caribe, Almudena Fernández, dividiu nos seguintes aspectos:
1. Adoção lenta e pouco inclusiva da IA
Embora a adoção da inteligência artificial (IA) tenha o potencial de ajudar os problemas estruturais da região, como a baixa produtividade e o crescimento econômico, a forma como ela tem sido implementada pode exacerbar os padrões de desigualdade existentes.
O potencial da IA pode ser significativo, mas, diante da estrutura produtiva da América Latina e do Caribe, marcada por um setor informal muito grande e por empresas de pequeno porte, a região não tem conseguido aproveitá-lo”, disse Fernández.
“Isso é preocupante porque não apenas uma oportunidade está sendo desperdiçada, mas também porque podemos perder competitividade para regiões que estão adotando essas tecnologias de forma mais rápida e inclusiva.
2. Polarização e fragmentação
O relatório do PNUD mostra que a América Latina é “uma região polarizada como nenhuma outra”, com um índice de 3,3 de um total de 4, acima média mundial de 2,8, o que pode colocar em risco a governança dos líderes de cada país.
“Os cidadãos das Américas e do Caribe têm cada vez menos confiança em suas instituições”, disse ela.
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“Essa fragmentação tem implicações para o desenvolvimento: ela não apenas impede a governança eficaz por não conseguir que as sociedades cheguem a um acordo, mas também abre espaço para a expansão do crime organizado e o aumento dos fluxos migratórios.
3. A mudança climática acelerada não dá trégua
Segundo o relatório, o número de eventos climáticos na América Latina e no Caribe dobrou em número, intensidade e perdas.
“Em 2024, a temperatura média da superfície nas Américas foi 2,3°C mais alta do que o valor médio para o período de 1951-1980″
PNU
As mudanças climáticas também tem afetado a economia. A queda na produtividade relacionada às altas temperaturas na América Latina e no Caribe causou perdas de renda de US$ 1,78 bilhão em 2022.
A resiliência no centro das políticas públicas
Com base na premissa de que, para a América Latina e o Caribe, não basta progredir no desenvolvimento humano, mas sim proteger as melhorias alcançadas, o PNUD argumenta que a resiliência deve ser um princípio fundamental dos instrumentos de política pública, das instituições que regulam as políticas públicas e da infraestrutura na região.
1. Foco em novos instrumentos de proteção social
Sistemas de proteção universal
O PNUD postula que a América Latina deve avançar em direção a sistemas de proteção social ou instrumentos resilientes que não apenas incorporem os mais pobres para ajudá-los a sair da pobreza, mas também incluam aqueles que são vulneráveis a cair na pobreza, o que implicaria uma reforma dos esquemas de saúde e pensão.
“Mesmo com o progresso significativo que muitos países da região fizeram na expansão de seus sistemas de proteção social, uma grande proporção de trabalhadores informais permanece sem cobertura, especialmente aqueles que não são classificados como pobres”, observa o relatório.
Acumulação de ativos
Gioconda Herrera, diretora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) explica que também é necessário passar de uma “política de combate à pobreza baseada em transferências” para uma “política de gestão de riscos e ativos” na região.
“Não podemos pedir uma gestão da incerteza baseada apenas em transferências de dinheiro, mas no acesso das mulheres, por exemplo, a ativos concretos: terra e moradia”, disse Herrera.
“Estudos demonstraram que, sem ativos sólidos, as pessoas têm menos condições de lidar com a incerteza.
Entre os ativos a serem fortalecidos, de acordo com o PNUD, estão os seguintes:
- Capital humano (educação, habilidades, estado de saúde): aumenta a produtividade e o potencial de renda.
- Capital financeiro (poupança, crédito, seguro): fornece amortecedores essenciais contra crises.
- Capital físico (terra, moradia, ferramentas): fornece meios de subsistência e criação de riqueza.
- Capital social (redes familiares e comunitárias, apoio social): funciona como uma rede de segurança informal.
2. Facilitar a presença das instituições em territórios esquecidos
Segundo o PNUD, para aproveitar seu potencial e ser resiliente em territórios historicamente negligenciados, as instituições locais precisam de financiamento previsível, capacidade técnica e autoridade para tomar decisões.
“As estruturas nacionais devem possibilitar - e não substituir - a ação local, por meio de funções claramente definidas e mecanismos de coordenação vertical.
PNUD
Um sinal da falta de uso e articulação entre as instituições é sua ausência em territórios onde, entre outros, ainda existem lacunas em termos de acesso a serviços públicos.
Nesse contexto, o Ministro da Inclusão Econômica e Social do Equador, Harold Burbano, que também participou do lançamento do relatório, afirma: “A resiliência de que fala o PNUD depende de uma estratégia de interoperabilidade entre todas as instituições do Estado”.
3. Preparação para as mudanças climáticas
O PNUD ressalta que a adaptação à mudança climática exige uma “infraestrutura resiliente” para evitar perdas e danos diante do aumento dos eventos climáticos, e pede aos tomadores de decisão que “planejem adequadamente” esses projetos.
“Na América Latina e no Caribe, estima-se que 90% dos projetos de infraestrutura - por exemplo, estradas, edifícios, pontes e portos - não foram projetados para resistir aos riscos climáticos, o que os torna altamente vulneráveis a eventos climáticos extremos”, diz o relatório.
Mas também convida os governos a usar tecnologias digitais, como imagens de satélite e sensores inteligentes, para monitorar o meio ambiente em tempo real e prever desastres com rapidez e precisão.