Europa teme ‘cavalo de Troia’ da Rússia em plano de paz de Trump para Ucrânia

Autoridades europeias estão cada vez mais preocupadas com o fato de que um acordo de paz emergente na Ucrânia, mediado pelos EUA, com a criação de uma zona desmilitarizada no país, possa ser explorado por Vladimir Putin para um novo ataque

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Bloomberg — As autoridades europeias estão cada vez mais preocupadas com o fato de que um acordo de paz emergente na Ucrânia, mediado pelos Estados Unidos, possa ser explorado pela Rússia e abrir caminho para uma nova invasão de território na região de Donbas, no leste do país devastado pela guerra.

O receio, um dos principais pontos de atrito nas negociações recentes, é que o plano dos EUA para uma zona desmilitarizada daria ao Kremlin cobertura para enviar forças secretas para a área contestada, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto que falaram com a Bloomberg News.

O Kremlin poderia, então, usar táticas híbridas, incluindo as chamadas operações de falsa bandeira, para minar as garantias de segurança dos EUA e produzir a premissa para uma nova invasão, disseram eles.

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Quase quatro anos após o início do ataque em grande escala da Rússia sobre a Ucrânia, o controle do território está no centro das complexas negociações entre Washington, Kiev e Moscou, à medida que as autoridades se aproximam de um acordo.

Moscou exige que as forças ucranianas se retirem das regiões orientais de Donetsk e Luhansk - incluindo o território que a Rússia não controla -, enquanto Kiev se recusa a ceder terras.

Os detalhes das negociações estão em andamento.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy disse que os EUA discutiram a possibilidade de transformar a região de Donbas em uma “zona econômica livre” sob administração especial, enquanto a Rússia optou por uma “zona desmilitarizada”.

Zelenskiy lançou nesta semana a ideia de um referendo sobre possíveis resoluções territoriais para a área.

Mas a Rússia poderia tirar proveito de qualquer retirada das tropas ucranianas das áreas que Kiev controla, disseram as pessoas familiarizadas sob condição de anonimato, já que as conversações ocorrem a portas fechadas.

Cavalo de Troia russo

Isso faz com que o principal objetivo da Europa nos próximos dias e semanas seja garantir que qualquer acordo de paz não contenha um “Cavalo de Troia” russo, em alusão à estratégia que ficou célebre na mitologia grega de fingir uma rendição que embute, na verdade, um ataque mortal subsequente.

A Casa Branca não respondeu imediatamente a um pedido de comentário da Bloomberg News sobre essas preocupações.

Embora o presidente russo, Vladimir Putin, provavelmente mantenha seus objetivos maximalistas na Ucrânia, uma questão fundamental é se Moscou continuará a rejeitar qualquer acordo de paz ou se apoiará taticamente as tentativas americanas de conseguir um acordo nas próximas semanas, de acordo com as pessoas familiarizadas.

Além do potencial para explorar uma estrutura de paz com seu arsenal familiar de ataques híbridos, outro risco é a interferência de Moscou em um referendo público ou eleição que possa seguir um acordo de paz, disseram eles.

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Zelenskiy deve viajar para Berlim na segunda-feira (15) para se reunir com o chanceler alemão Friedrich Merz e outros líderes europeus, incluindo o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, para dar continuidade às conversas.

Antes da reunião, os conselheiros de segurança nacional da Ucrânia, da Europa e dos EUA devem conversar sobre os planos preliminares, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto.

Peter Ricketts, ex-conselheiro de segurança nacional britânico, disse que os europeus estavam certos em se preocupar com a proposta dos EUA de uma zona desmilitarizada.

Uma vez que a atenção americana fosse desviada para outro lugar, Putin poderia “criar incidentes como pretextos” - como proteger a população que fala russo - para mudar o quadro e o acordo, disse ele.

“Isso deixaria o restante da Ucrânia vulnerável ao próximo avanço russo”, disse Ricketts. “Portanto, esse não é apenas um ponto técnico mas uma questão fundamental - para a Ucrânia e para a segurança europeia.”

O status de uma zona desmilitarizada e quem a policiaria não está claro, segundo alguns aliados da Ucrânia.

Os negociadores americanos falaram sobre a região estar sob administração especial, mas também sugeriram que Donetsk e Luhansk, que comprometem Donbas, deveriam ser reconhecidas como russas de fato, juntamente com a Crimeia.

Duas regiões parcialmente ocupadas a oeste, Zaporizhzhia e Kherson, seriam congeladas ao longo da atual linha de contato.

O assessor do Kremlin, Yuri Ushakov, pareceu endossar a ideia de uma zona desmilitarizada, sugerindo que, em vez de as tropas russas controlarem a área, a guarda nacional ou a polícia poderia ser enviada para lá.

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Essa sugestão seria vista como impraticável pela Ucrânia e seus aliados, segundo autoridades europeias.

Por sua vez, Kiev tem rejeitado consistentemente a concessão de território - e buscou garantias de segurança rígidas que se assemelhassem ao mecanismo de defesa mútua da OTAN, conhecido como Artigo 5.

No início desta semana, ele disse que seu foco principal era descobrir o que os aliados ocidentais estavam preparados para oferecer.

“Há uma pergunta para a qual eu - e todos os ucranianos - quero obter uma resposta”, disse Zelenskiy à Bloomberg News na segunda-feira (8). “Se a Rússia iniciar novamente uma guerra, o que nossos parceiros farão?”

-- Com a colaboração de Daryna Krasnolutska e Andrea Palasciano.

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