Bloomberg — A redução da produção da Volkswagen e o corte de 13.000 empregos da Robert Bosch mostram como o declínio da indústria automobilística alemã repercute na maior economia da Europa.
As montadoras e seus fornecedores lutam contra a demanda cada vez menor, os altos custos de mão de obra e energia e a intensificação da concorrência dos fabricantes chineses, que avançam rapidamente.
São companhias que investiram bilhões de euros em tecnologia de baterias e depois descobriram que a transição para veículos elétricos será mais lenta do que o esperado.
As pressões estão forçando os fabricantes a fazer cortes dolorosos. Os pares da Bosch, Continental, Schaeffler e ZF Friedrichshafen, também cortaram empregos e despesas, enquanto a VW, a Porsche e a Ford reduziram a equipe e a produção para compensar as vendas fracas e as tarifas do presidente Donald Trump, que pretendem impulsionar a fabricação nos Estados Unidos.
As tarifas recém-anunciadas por Trump sobre caminhões pesados na sexta-feira (26) derrubaram as ações da Daimler Truck e da Traton, da VW.
No geral, o setor automobilístico da Alemanha perdeu cerca de 55.000 empregos nos últimos dois anos, de acordo com o grupo comercial VDA. Dezenas de milhares de cargos adicionais devem desaparecer até 2030, em um setor que emprega mais de 700.000 pessoas.
“O anúncio de demissões significativas na Bosch ainda é apenas o início de uma grande reestruturação industrial na Alemanha”, disse Marcel Fratzscher, presidente do Instituto Alemão de Pesquisa DIW. “Veremos muito mais demissões e também falências nos próximos anos.”
Os acontecimentos lançam dúvidas sobre a promessa do chanceler Friedrich Merz de tirar a Alemanha da estagnação, liberando centenas de bilhões de euros em gastos com infraestrutura e defesa.
A economia alemã deve crescer 0,2% este ano, após dois anos de contração, mas os fabricantes ainda estão reduzindo seu quadro de funcionários e estão alertando que os altos preços da energia e a burocracia podem forçá-los a fazer investimentos futuros em outros lugares.
Os custos de mão de obra industrial da Alemanha são mais de duas vezes maiores do que os da Eslováquia e da República Tcheca, de acordo com dados do Eurostat.
A Volkswagen está reduzindo os volumes e introduzindo paralisações temporárias em duas fábricas alemãs de veículos elétricos devido à baixa demanda, informou a Bloomberg News na quinta-feira (25).
O partido de Merz recentemente ficou atrás da Alternativa para a Alemanha, de extrema direita, nas pesquisas.
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O plano da Bosch de cortar 3% de sua força de trabalho global até 2030 é indicativo de um setor em crise. As montadoras lideradas pela BYD estão conquistando o mercado de veículos elétricos na China - que, antes da pandemia, era o principal motor de crescimento e lucro para as empresas alemãs VW, BMW AG e Mercedes-Benz Group AG - e também estão fazendo incursões na Europa com carros bem equipados e acessíveis.
As exportações da Alemanha para o lucrativo mercado dos EUA estão se tornando mais caras devido às tarifas.
Pressão sobre os preços
Vários fornecedores de peças estão com a capacidade ociosa e sob pressão das montadoras para baixar os preços, mesmo com o aumento dos custos de seus próprios insumos.
Ao mesmo tempo, os concorrentes asiáticos estão ganhando participação com baterias, motores e componentes eletrônicos mais baratos, corroendo as margens dos fabricantes tradicionais.
A Volkswagen está passando por uma reestruturação maciça na Alemanha e se comprometeu a cortar 35.000 empregos no país até o final da década.
Na semana passada, a Porsche anunciou um recuo em relação aos veículos elétricos e emitiu seu quarto aviso de lucro este ano.
A fabricante do 911 e a Audi, da VW, também estão eliminando milhares de postos de trabalho à medida que lutam para vender seus veículos elétricos de luxo.
No início deste mês, a Ford disse que eliminará mais 1.000 cargos em sua fábrica de veículos elétricos em Colônia devido à baixa demanda.
A empresa norte-americana vem se retraindo constantemente na Europa, reduzindo a produção, cortando pessoal e fechando operações em um esforço para simplificar um negócio que há muito tempo está atrás de seu braço nos EUA.
Os cortes da Bosch mostram “que a mudança estrutural está agora atingindo o coração da manufatura alemã de conhecimento intensivo”, disse Monika Schnitzer, presidente do Conselho Alemão de Especialistas Econômicos.
A mudança para os veículos elétricos significa que menos trabalhadores são necessários e os formuladores de políticas precisam apoiar o retreinamento dos trabalhadores para que eles possam entrar em setores em crescimento como o de defesa, disse ela.
Merz tentou reforçar a confiança com maiores gastos em armamentos e sua iniciativa de investimento “Made for Germany” de 100 bilhões de euros - apoiada pela Bosch -, mas as esperanças de que alguns dos empregos do setor automotivo possam ser salvos por fábricas de carros e peças subutilizadas que assumem contratos de defesa até agora não se concretizaram.
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EUA e China pressionam
“Tanto os EUA quanto a China estão pressionando para expandir a fabricação nacional às custas dos concorrentes estrangeiros”, disse Sebastian Dullien, diretor científico do instituto IMK da Fundação Hans Böckler.
“O desafio para o governo alemão é evitar que as atuais perdas de valor agregado e de empregos causem cicatrizes permanentes no tecido econômico alemão.”
Na Bosch, os cortes mais profundos atingirão a base histórica da empresa na região de Stuttgart. Milhares de empregos serão eliminados em locais que produzem desde componentes para motores a diesel até pequenos acionamentos elétricos.
Fundada em 1886 como uma oficina de mecânica de precisão e engenharia elétrica, a Bosch cresceu e se tornou um dos grupos industriais mais emblemáticos da Alemanha.
Após a queda do Muro de Berlim, a empresa expandiu rapidamente sua base de fabricação no leste da Alemanha e na Europa Central e Oriental. A empresa também se expandiu para a Ásia, tornando a China um de seus maiores mercados e centros de produção.
Embora a Bosch tenha se expandido para os setores de energia, eletrodomésticos e tecnologia industrial, seu negócio automotivo continua sendo o núcleo do grupo e um termômetro para a saúde da manufatura alemã.
“A notícia de demissões na Bosch é um alerta final, uma punhalada no coração industrial da Alemanha”, disse Nicole Hoffmeister-Kraut, ministra de assuntos econômicos, trabalho e turismo do estado de Baden-Württemberg, onde Stuttgart é a capital.
Ela disse que o governo federal deveria adotar políticas mais favoráveis às empresas e pediu que a União Europeia abandonasse o prazo de 2035 para a eliminação gradual dos motores de combustão. “Já passa da meia-noite e cinco minutos para nossa indústria automobilística.”
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