Após ‘alerta’ político de Trump, Lula se reúne com líderes de esquerda em Santiago

Cúpula de líderes de esquerda no Chile, que reúne também o anfitrião Gabriel Boric e o colombiano Gustavo Petro, entre outros, corre o risco de provocar uma reação ainda mais dura da Casa Branca

Gabriel Boric, do Chile, e Lula
Por Antonia Mufarech - Matthew Malinowski
21 de Julho, 2025 | 03:03 PM

Bloomberg — Logo após Donald Trump ameaçar impor tarifas de 50% ao Brasil, uma cúpula de líderes de esquerda corre o risco de provocar uma reação ainda mais dura da Casa Branca.

O presidente chileno Gabriel Boric recebeu nesta segunda-feira (21) o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o colombiano Gustavo Petro, o espanhol Pedro Sánchez e o uruguaio Yamandú Orsi para a conferência de um dia em Santiago.

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Os objetivos do encontro — promover o multilateralismo e combater a desinformação — podem irritar Trump, que já havia sugerido tarifas contra os países do Brics quando eles criticaram suas medidas protecionistas em uma reunião anterior neste mês. Depois, ele direcionou sua fúria especificamente ao Brasil, país anfitrião daquele encontro.

Esta cúpula agora coloca na mira líderes como Boric, que até agora conseguiu escapar das ameaças de Trump, além de outros como Petro, que está enfrentando uma deterioração nas relações com os Estados Unidos.

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Em 16 de julho, Trump disse que enviará cartas a mais de 150 países notificando sobre tarifas, no mais recente sinal de sua estratégia de usar o comércio como arma.

Enquanto muitas nações se esforçam para trabalhar juntas e amenizar os efeitos do protecionismo, Trump demonstra que não hesitará em atacar seus críticos.

O que dizem os analistas da Bloomberg Economics:

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“Tivemos um precedente muito recente que pode se repetir. Estamos vendo objetivos que se chocam com Trump e também líderes progressistas se unindo, potencialmente com uma declaração que ele pode interpretar como crítica a si mesmo e suas políticas.”

Jimena Zúñiga, analista de geoeconomia da América Latina

O encontro de segunda-feira reflete uma cooperação crescente em outras regiões do mundo, como a União Europeia, que se prepara para intensificar o engajamento com países como o Canadá, que foram atingidos pelas tarifas e ultimatos de Trump.

Boric abriu a cúpula com um apelo para defender a verdade e a ciência contra a desinformação e o uso indevido da tecnologia. Ele também alertou sobre as ameaças representadas pelo extremismo político, discurso de ódio, concentração de poder e corrupção.

O encontro no Chile marca o primeiro encontro formal e presencial do grupo após uma conferência online em fevereiro deste ano. As propostas do grupo serão apresentadas e desenvolvidas ainda mais em sua próxima reunião, às margens da Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro.

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“Estes são países que não estão dispostos a simplesmente se curvar e fazer concessões a Washington, dada a abordagem muito coercitiva e punitiva que Washington está adotando”, disse Kenneth Roberts, professor de governo da Universidade Cornell especializado em política latino-americana.

Grande aposta

Neste contexto, a cúpula representa uma aposta arriscada para Boric como anfitrião, considerando que seu governo está enfraquecido e conta com os Estados Unidos como seu maior parceiro comercial depois da China.

“Existem cenários nos quais os Estados Unidos poderiam tomar medidas econômicas, pelo menos no curto prazo, que seriam prejudiciais ao Chile”, disse Roberts.

Lula presidiu a conferência dos Brics em julho no Rio de Janeiro, que divulgou uma declaração criticando o protecionismo comercial e os ataques aéreos ao Irã — ambos claramente direcionados a Trump, mesmo sem mencioná-lo ou aos Estados Unidos explicitamente.

Dias depois, o presidente americano ameaçou tarifas agressivas contra produtos da maior economia da América Latina, citando amplamente razões políticas.

O evento de segunda-feira em Santiago acabará sendo bem diferente da reunião mais ampla dos Brics, que incluiu China, Irã e Arábia Saudita e abordou questões sensíveis como a desdolarização, disse Brian Winter, vice-presidente executivo da Americas Society e Council of the Americas. Como resultado, as chances de uma resposta de Trump são menores, segundo ele.

O evento também oferece à equipe de Boric uma oportunidade de aprender com as experiências recentes de Lula.

“Suspeito que o Ministério das Relações Exteriores chileno, que é o governo anfitrião, será cauteloso e tentará garantir que quaisquer declarações coletivas feitas estejam livres de linguagem inflamatória”, disse Winter.

Não há margem para erro. No Brasil, pesquisas mostram mais eleitores se unindo em torno de Lula enquanto ele enfrenta a coerção de Trump.

Em contraste, as altas taxas de desaprovação de Boric e Petro significam que há pouco que possam fazer para reverter o sentimento público, disse Zúñiga, da Bloomberg Economics.

O governo de Boric, que está em fim de mandato, já está em alerta enquanto aguarda detalhes sobre o plano de Trump de impor uma tarifa de 50% sobre o cobre. O metal é o principal produto de exportação do Chile.

Qualquer reação hostil de Trump pode “provocar algumas críticas porque alguns chilenos podem dizer: ‘ei, Boric, isso acabou de acontecer com o Brasil, você deveria ter sido mais cuidadoso’”, disse Zúñiga.

-- Com a colaboração de Carolina Gonzalez.

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