Startup quer popularizar a previdência no Brasil. E isso inclui a jornada no WhatsApp

A Stay atraiu a Zurich como parceira e fundos como a Maya Capital e a Better Tomorrow Ventures como investidores. O plano em ação: ampliar o acesso à previdência privada empresarial com jornadas digitais, conta o co-fundador e CEO Tsai Chi-Yu

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Bloomberg Línea — “Crescemos ouvindo que não deveríamos nunca entrar em carro de estranhos.”

Assim, com a remissão a uma máxima de pais para filhos pequenos, o empreededor Tsai Chi-Yu, co-fundador e CEO da Stay, startup que busca facilitar o acesso do brasileiro à previdência privada, compara o desafio que se impõe no país para quem pensa em poupar para o futuro por meio de tais produtos.

No caso do “carro de estranho”, a recomendação deixou de ser um dogma com o advento da Uber, da 99 - ele trabalhou em ambas - e de outras empresas que operam plataformas de transporte urbano ou rodoviário ao longo da última década.

Mas, ao se tratar do ato de poupar para o futuro, o desafio da mudança de hábitos financeiro não só se faz ainda muito presente como arraigado, de difícil mudança.

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Com a dimensão desse desafio em mente, e após se dedicar a estudar o mercado, o CEO da Stay passou a desenhar um modelo de negócios com uma jornada capaz de maximizar o acesso de brasileiros a produtos de previdência.

“O nosso maior desafio hoje é a questão cultural: como fazer o brasileiro poupar em vez de gastar no jogo do tigrinho, na bet ou no futebol”, disse o CEO da Stay em entrevista à Bloomberg Línea. Isso inclui fazer uso de conceitos da economia comportamental para vencer a inércia de quem gasta tudo o que recebe.

Há outros pontos relevantes.

Um passo fundamental, segundo contou, é oferecer uma jornada digital, disponível atualmente por meio de poucos comandos pelo WhatsApp, para realizar operações mais simples relacionadas à previdência, como consultar o saldo ou aumentar o valor mensal das contribuições para o plano. Dados mostram taxas mais altas de conversão por meio da plataforma de mensagens, versus canais tradicionais.

Essa experiência representa um fator relevante em particular para novas gerações: pessoas na faixa entre 18 e 35 anos responderam por mais da metade (52%) das contratações de produtos de previdência privada por canais digitais em 2024, segundo dados do setor.

É uma experiência que contrasta com o que se convencionou na indústria de previdência oferecida por empresas aos funcionários, afirmou.

“Na previdência corporativa, se alguém quer saber o saldo, em vez de conseguir consultar em poucos segundos com o aplicativo, precisa ligar para uma central e pode ficar ‘quarenta minutos’ esperando. Se quer transferir a conta de um banco para outro, talvez tenha que redigir uma carta de próprio punho.”

Foi diante também do diagnóstico do desafio da mudança de hábitos que se deu a escolha do modelo de previdência corporativa, dado o alcance potencial muito mais abrangente e também o bolso mais fundo de empresas.

“É muito mais fácil convencer o dono de empresa ou o executivo a pagar previdência privada para o seu funcionário”, disse o empreendedor.

Para tanto, a Stay acertou uma parceria com a Zurich, uma das maiores seguradoras do mundo e presente no Brasil com uma operação relevante - e que fica com a custódia dos ativos.

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A startup, que contou com investimento da Maya Capital e da Better Tomorrow Ventures para levantar R$ 15 milhões em rodada Seed em outubro passado, cresceu 11 vezes o número de clientes em 2024 e espera uma expansão de 15 vezes neste ano, disse Tsay. Os números absolutos não são divulgados.

Antes da Stay, Tsay trabalhou no mercado financeiro, como trader de derivativos em um banco de Wall Street - no Morgan Stanley -, morou no exterior, ajudou a construir as operações da Uber e, depois, da 99 no Brasil, até que decidiu empreender.

O mercado endereçável da Stay é equivalente a 90% do mercado total, segundo Tsay, que explica que a startup só não opera com empresas nas duas pontas: as maiores do país, que já são em geral atendidas por bancos; e PMEs (pequenas e médias), que não fazem sentido por ora do ponto de vista de estratégia.

Neste ano, a Stay tem avançado geograficamente para todas as regiões do Brasil, indo além dos mercados de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, em que sua presença é mais relevante já desde o ano passado.

Outro ponto que ele destacou na proposta de valor da Stay é a seleção de produtos de previdência do mercado que fazem sentido para os objetivos da empresa atendida, o que destoa da prática ainda comum em bancos de oferecer só ativos que existem na prateleira - em geral, diante de custos elevados.

“Se uma empresa pede um produto voltado para a base, para ajudar as pessoas a guardar um pouco de dinheiro, nós conseguimos customizar; o mesmo vale se o objetivo for retenção de altos executivos ou sócios. Tudo é customizável”, disse Tsay em referência à forma como o acesso aos produtos é desenhado.

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Isso só se tornou possível depois de mais de um ano de desenvolvimento de tecnologia (backend), que permite a customização em tempo real de milhares de alternativas nos produtos de previdência, explicou.

Nesse ponto, há uma questão fundamental que também difere a Stay dos grandes bancos: a ausência do conflito de interesse, dado que a startup não tem interesse específico em vender seus próprios produtos - todos são de terceiros.

No fim do dia, no entanto, os diferentes ativos apontam para a mesma direção, segundo ressaltou o CEO da Stay.

“Nosso objetivo é permitir que todos os brasileiros tenham uma alternativa que vai além da Previdência Social, que é a única com a qual a maioria pode contar para guardar dinheiro”, disse o empreendedor.

Ao mesmo tempo, ele disse que é impraticável esperar que toda a população tenha acesso e condições de poupar por meio de uma previdência privada, sem contar o que ele apontou no início sobre “a cultura quase inexistente de poupar”.

Hoje menos de 10% dos brasileiros contam com recursos em previdência privada - perto de 8% na verdade. E, desse universo, 3% têm previdência corporativa. É uma participação muito limitada que contrasta com a realidade de países como os Estados Unidos, em que essa modalidade atinge estimados 80% da população.

No ano passado, a captação em planos de previdência privada aberta foi de R$ 196,1 bilhões, segundo dados da Fenaprevi, o que representou aumento de 15,3% versus o volume de 2023 - o que sinaliza um interesse crescente.

Segundo ele, a baixa penetração no Brasil acontece em razão de custos elevados, o que faz com que apenas gigantes empresariais como Petrobras e Vale tenham condições de arcar com o pagamento de planos para milhares de funcionários.

Ainda assim, o percentual de funcionários que de fato aderem é considerado baixo, diante do que o empreendedor classifica de experiência ruim do trabalhador que decide poupar dinheiro para a previdência - o que remete ao cuidado com a jornada digital.

“Não deveria ser assim, ainda mais em um país como o Brasil”, disse ele, citando desafios de sustentabilidade do sistema no país e apontando como desejável o grau de penetração de economias como Estados Unidos e Reino Unido.

Segundo sua avaliação, somente quando ficar muito mais evidente que a Previdência Social não terá recursos para pagar todos os beneficiários no futuro é que “vai cair a ficha” entre brasileiros da necessidade de poupança por conta própria.

Até lá, ele disse esperar que a Stay possa causar um impacto para reduzir esse contingente de brasileiros com condições financeiras de poupar para o futuro mas que não o fazem pelas questões acima citadas.

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