Por que o Brasil pode ser a nova fronteira do conhaque, segundo este produtor francês

Bebida de luxo está pressionada em meio à guerra comercial, e casas de produção artesanal como a Delamain veem o país como alternativa aos maiores mercados globais, disse o diretor Charles Bertrant à Bloomberg Línea

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Bloomberg Línea — A guerra comercial entre Estados Unidos e China tem colocado em evidência uma bebida icônica da França que costuma ficar restrita aos ambientes de luxo do mundo. O conhaque está no centro de disputas sobre tarifas e tem sido usado para pressionar as negociações comerciais internacionais.

Nesse contexto, a francesa Delamain, uma das mais antigas maisons de cognac do mundo, tenta aproveitar o momento de atenção ao mercado brasileiro de bebidas de alta gama para expandir sua presença no país, disse o diretor Charles Bertrant em entrevista à Bloomberg Línea.

Bertrant vê o Brasil como alternativa para compensar os efeitos das tensões comerciais entre Estados Unidos e China.

“A situação no Brasil é complexa, mas o mercado tem vocação para crescer. E isso é importante para maisons como a Delamain”, disse.

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A aproximação com o consumidor brasileiro tem sido feita em parceria com a importadora Mistral, que já distribui os produtos da casa há anos. A novidade é o lançamento de uma nova linha no país, ainda em volumes pequenos, mas considerada estratégica.

“Estamos relançando a marca no Brasil com uma nova gama que reflete nosso savoir-faire. Por enquanto falamos apenas de algumas centenas de garrafas, mas é um começo importante”, explicou.

O diretor reconhece as dificuldades do mercado brasileiro, marcado por alta carga tributária e entraves administrativos, mas acredita que há espaço para conhaque francês no país. “O Brasil tem complexidades em termos de impostos e administração, mas sentimos que há potencial de crescimento”, disse.

Fundada em 1759 e conhecida por sua produção artesanal em volumes reduzidos e foco em alta qualidade, a Delamain esteve representada no Encontro Mistral, evento da importadora realizado em São Paulo e no Rio de Janeiro em agosto. Lá, Bertrant apresentou os planos para fortalecer a marca em um mercado novo, mas promissor.

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Produção artesanal e desafios

O executivo chegou ao Brasil em um cenário global desafiador para o setor. O consumo de destilados enfrenta retração em vários países, ao mesmo tempo em que disputas comerciais entre França, Estados Unidos e China adicionam novas barreiras.

Além disso, o mercado da bebida é muito concentrado mesmo na França. Segundo Bertrant, quatro grandes grupos dominam 90% do mercado de conhaque: Hennessy (do grupo LVMH), Rémy Martin (da Rémy Cointreau), Martell (da Pernod Ricard) e Courvoisier (da Campari).

Eles são os mais atingidos por tarifas e quedas de demanda. A Delamain, com produção anual em torno de 100.000 garrafas, fica relativamente menos exposta.

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“Quatro marcas que pertencem a quatro grupos diferentes detêm 90% do negócio. Então tudo o que acontece nos Estados Unidos e na China afeta, antes de tudo, essas grandes casas”, disse.

“Para maisons menores como a Delamain, sofremos com a queda do consumo e com as políticas externas, mas conseguimos encontrar novos canais de negócio que nos deixam menos expostos.”

O contraste com os líderes de mercado é evidente. O volume produzido pela Delamain é reduzido em relação às grandes casas, mas isso se tornou um elemento central da identidade da maison, que aposta em qualidade, tradição e exclusividade.

“Fazemos cerca de 100.000 garrafas por ano, o que uma grande maison produz em um único dia. Somos como uma boutique”, afirmou Bertrant.

A exclusividade é evidente nas etiquetas de preços das bebidas da marca que chegam ao Brasil. O conhaque Delamain de menor preço na Mistral atualmente custa R$ 2.181, mas há versões com preços mais elevados, que chegam a R$ 5.683 por uma garrafa de 700 mililitros.

A marca entende que boa parte do trabalho no Brasil não é só lidar com entraves e altos preços, mas está na educação dos consumidores.

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O conhaque, embora reconhecido pelo nome, ainda é pouco consumido localmente, e muitos consumidores o confundem com vinho ou têm pouca familiaridade com o destilado. A comparação com o uísque aparece como recurso didático para aproximar o público.

“A maior parte do nosso trabalho é educação. Muitos conhecem o nome cognac, mas nunca provaram. Então precisamos explicar, aproximar e mostrar que há semelhanças com o uísque, que já é familiar para eles”, afirmou o executivo.

Essa estratégia dialoga com tendências globais de consumo. Se o volume total de bebidas alcoólicas está em queda, cresce a demanda por qualidade e diferenciação, defendeu o francês.

“As pessoas bebem menos, mas bebem melhor. Há uma real vontade de consumir qualidade, e a Delamain está bem posicionada porque só fazemos conhaques de altíssima qualidade”, disse.

A Delamain enxerga oportunidade em atender um consumidor que exige personalização e exclusividade, seja por meio de single casks (bebidas envelhecidas em um único barril), seja pela valorização de terroirs específicos. Para Bertrant, o desafio é inovar sem perder o caráter tradicional da bebida.

“O conhaque é muito tradicional. A inovação não está em mudar a essência do produto, mas em como usamos os recursos atuais para sermos disruptivos em um mercado em mutação.”

A postura de otimismo foi defendida como essencial para enfrentar um setor pressionado. “Se não formos otimistas, não somos criativos. E se não somos criativos, não inovamos. Nosso desafio é usar os recursos atuais para sermos disruptivos em um mercado em mutação.”

A estratégia no Brasil segue a mesma lógica: volumes pequenos, relacionamento próximo com importadores e aposta em educação do consumidor. Para Bertrant, é a forma de manter viva a herança da maison em meio a um mercado global em transformação.

“Nosso trabalho é fazer o conhaque brilhar novamente, mostrar que é uma bebida com centenas de anos de história e que continua relevante. O Brasil pode ter um papel importante nesse processo”, concluiu.