Bloomberg Línea — A centenas de quilômetros das praias mais badaladas e procuradas do Nordeste, como Porto de Galinhas e Maceió, a cidade de Ilhéus, no sul da Bahia, aposta no turismo rural e de experiência, a partir da produção de cacau na região, para atrair novos turistas.
A aposta da região é transformar o cacau em vetor de desenvolvimento. A Rota do Chocolate, principal iniciativa local, oferece a possibilidade de visitas a fazendas onde o visitante acompanha o cultivo no sistema cabruca, um modelo de cultivo agroflorestal do cacau.
A depender da fazenda escolhida para a visitação, é possível observar o processo de beneficiamento e industrialização que transforma o cacau em barra de chocolate e outros produtos, como suco e mel de cacau e o nibs.
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A ideia é aproveitar uma tradição local como atrativo a turistas que visitam a região. Apesar de ser o berço da cacauicultura brasileira e já ter figurado entre os maiores exportadora da amêndoa no mundo, Ilhéus ainda tem dificuldades para se estabelecer como destino turístico consolidado, como outras cidades litorâneas do país.
O secretário municipal de turismo de Ilhéus, Maurício Tavares, estima que apenas 25% dos turistas que desembarcam no aeroporto local permanecem mais de dois dias na cidade. A maioria segue direto para destinos como Itacaré, Barra Grande ou Morro de São Paulo, nas proximidades.
“Queremos transformar a Costa do Cacau em um destino que seja competitivo em relação, por exemplo, a Maceió e Aruba”, disse Tavares.
O Rio do Engenho, por exemplo, é uma das paisagens de Ilhéus mais preservadas e cênicas da região, com ruínas coloniais e antigas estruturas de engenhos de açúcar acessíveis por barco, mas carece de infraestrutura básica, como guias locais.
Do outro lado do rio, é possível visitar o restaurante Netos de Gabriela, comandado por um dos descendentes da mulher que inspirou a personagem do romance Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado.
Ilhéus também tem apostado no passeio para ver baleias como outro atrativo para os turistas. “Tem que despertar mesmo o sentimento de pertencimento, como acontece com Itacaré, como acontece com Bonito, como acontece com Salvador. É isso que precisa ser despertado”, afirmou Freitas.
Por enquanto, a cidade aposta em eventos para atrair turistas à região, como o Chocolat Festival, que aconteceu em julho e é apoiado pelo setor privado e pelo governo estadual.
“Quando o governo do estado começa a trabalhar a produção de chocolate ali associada ao turismo, é uma diversificação da oferta turística. É uma maneira da gente ter uma movimentação, um fluxo turístico durante o ano todo”, afirmou o secretário estadual de Turismo da Bahia, Maurício Bacelar.
Desafio de infraestrutura
Apesar da intenção das autoridades e do setor privado, que tem organizado rotas e melhorado a estrutura local há mais de uma década, há desafios, como a falta de infraestrutura nos pontos turísticos.
O aeroporto da cidade, por exemplo, passou por uma reforma recentemente, mas ainda conta com apenas um terminal de embarque para os passageiros. Além disso, por causa de sua localização, entre o mar e a cidade, o aeroporto tem limitações para ser expandido.
Segundo o secretário de Turismo da Bahia, há planos para a construção de um segundo aeroporto na região, mas, por enquanto, não há previsão.
Em uma tarde de julho, quando a reportagem da Bloomberg Línea estava no local, foi possível acompanhar o fluxo de passageiros no terminal. Em toda a programação da tarde, havia apenas quatro voos previstos: três com destino a São Paulo e Viracopos e um para Belo Horizonte (MG).
Segundo o governo da Bahia, a requalificação do terminal de passageiros do aeroporto e a pavimentação da BA-001 são esforços recentes para ampliar o acesso à Costa do Cacau. Um processo que vem sendo desenhado desde 2010, conta Bacelar. “O terminal [do aeroporto] opera com capacidade ociosa”, disse.
Aloísio Freitas, que é guia turístico há 15 anos e membro do Conselho Municipal de Turismo na cidade, vê a ausência de um calendário anual de eventos e a indefinição dos horários de funcionamento aos fins de semana em pontos turísticos, como o mercado de artesanato no centro da cidade, prejudicam o desenvolvimento do turismo na região.
“Falta um calendário turístico para que a região receba turistas o ano todo. A Casa de Jorge Amado continua fechada, os restaurantes não têm cardápio em inglês ou espanhol, e falta divulgação em nível nacional”, disse Freitas.
Uma atividade transversal
Mesmo com os entraves, há convicção por parte das autoridades de que o turismo rural pode e deve ser uma ferramenta de inclusão para a região.
O secretário de Turismo de Ilhéus estima que entre 60% e 70% da produção de cacau da região seja oriunda da agricultura familiar, em áreas onde a floresta permanece em pé e a cadeia produtiva é, em boa parte, descentralizada.
“Estamos falando de valorizar o pequeno produtor, de gerar renda com base em conhecimento, não em volume”, afirmou o prefeito Valderico Luiz Dos Reis Júnior (União).
Para o secretário estadual de Turismo, Maurício Bacelar, o modelo está em construção: “O turismo é uma atividade transversal. Cabe ao Estado qualificar, capacitar, estruturar, promover; enfim, cabe ao Estado induzir. Mas quem vai vender a experiência é o setor privado.”
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