Bloomberg — Em uma manhã quente de junho no Rio de Janeiro, a fila de admiradores ansiosos crescia em torno de um pavilhão da Bienal do Livro como um fio de alta tensão.
Era apenas uma feira de livros, mas tente dizer isso a esses fãs de Raphael Montes. Eles estavam na fila há horas na esperança de conseguir um vislumbre, um autógrafo, talvez até mesmo uma selfie com o jovem romancista que tem mantido o Brasil acordado à noite com seus contos deliciosamente assustadores de suspense, sangue e relações familiares.
Com um sorriso permanente, óculos redondos e barba preta, Montes é um improvável enviado do medo.
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Seu estilo tagarela e coloquial de contar histórias deve pouco aos ícones das letras latino-americanas, como Gabriel García Márquez, Roberto Bolaño e Machado de Assis, o que não o incomoda. Ele é um escritor de pulp sem remorso, sem a pompa da erudição ou pretensões artísticas que não sejam fazer os leitores estremecerem, se contorcerem - e virarem a página.
Em pouco mais de uma década, o romancista carioca de 35 anos conseguiu alavancar o sucesso na mídia impressa para o tipo de status de celebridade alimentado pelo Instagram e pelo TikTok, normalmente reservado às divas da música pop ou aos deuses do futebol brasileiro.
Montes conquistou um público cult, principalmente entre a geração Z, que não gosta de livros, e vendeu um milhão de cópias de seus oito títulos.
Para ouvir os entusiastas, Montes tornou os livros legais em uma época em que os brasileiros estão lendo menos e entendendo pouco do que leem.
Uma pesquisa recente com 5.158 pessoas realizada pelo Instituto Pró-Livro, que acompanha a cultura do livro no Brasil, constatou que a leitura atingiu o nível mais baixo em 10 anos em 2024: 53% dos brasileiros com 5 anos ou mais disseram que não pegaram um livro nos três meses anteriores à pesquisa, em comparação com 44% em 2015; dois terços dos alunos do ensino fundamental e 61% dos alunos do ensino médio disseram que não leem nada.
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Mais preocupante ainda é o fato de que uma pesquisa recente sobre alfabetização relata que 29% das pessoas com idade entre 15 e 64 anos não têm uma boa compreensão do que leem.
“As pessoas acreditam que a ficção é uma perda de tempo, que não têm nada a aprender com ela”, disse Sergio Mota, um estudioso de cinema e literatura da Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), que luta para despertar o interesse dos alunos por autores brasileiros contemporâneos. Mas não quando se trata de Montes.
“Ele vira a lógica de cabeça para baixo, por meio de sua tremenda capacidade de empatia com os leitores, que se veem projetados em seus personagens e seus fantasmas. Todos querem ler Raphael”.
Montes foi o autor de destaque da Bienal do Livro de junho no Rio, tendo os cinco títulos mais vendidos da Companhia das Letras, uma das editoras mais prestigiadas do Brasil.
Seu best-seller Dias Perfeitos de 2014 encontrou compradores em 20 países. Cinco de seus contos foram adaptados para as telas, incluindo o lançamento da HBO Max em 2025, sobre o lado mortal da indústria de cirurgia plástica.
Em junho, ele também assinou um contrato de dois livros com a editora nova-iorquina Celadon Books, onde o vice-presidente e diretor editorial Ryan Doherty foi convencido a comprar o best-seller brasileiro Jantar Secreto depois de ler uma amostra de 34 páginas na tradução.
“Geralmente não compro ficção por proposta. Mas tive uma reunião com o Rapha pelo Zoom e fiquei impressionado com a maneira como o cérebro dele funciona”, disse Doherty.
“Também adoro histórias em que os personagens pelos quais você torce se colocam em situações em que não têm escolha.”
Parte do apelo de Montes é sua capacidade de captar o timbre da época e falar com um público cujas paixões são tão ferozes quanto inconstantes.
E, embora suas histórias quase sempre se passem no Rio de Janeiro e arredores - geralmente com foco em alguns bairros -, suas reflexões sobre a angústia e as obsessões do público da cidade natal não seriam deslocadas da juventude urbana desnorteada de qualquer lugar.
Inteligente e levemente sarcástico, ele tem uma queda por jovens infelizes de vinte e poucos anos e pessoas comuns que se tornam desonestas.
Nada o encanta mais do que fazer com que o elegante burguês de classe média alta se transforme em uma aldeia Potemkin.
Seu último romance Uma família feliz (Companhia das Letras, 2024), que agora está sendo transmitido como um longa-metragem na plataforma brasileira Globoplay, é centrado em um condomínio fechado de luxo, onde todos se metem na vida dos outros e a inveja é o intoxicante preferido.
É o cenário perfeito para a cultura tóxica do cancelamento e a sanha que coloca vizinho contra vizinho e transforma a felicidade doméstica em horror.
O filme Dias Perfeitos é uma fantasia de perseguição machista que se torna homicida em uma viagem de carro do inferno.
O livro Jantar Secreto de Montes, que será lançado em inglês pela Celadon Books em agosto de 2026, gira em torno de jantares clandestinos a preço fixo em que a carne humana é o prato principal. E esse é apenas o menu de degustação de Montes.
Todos os seus romances e roteiros são “darkfics” que apresentam psicopatas maltrapilhos, vigaristas, nerds danificados, aristocratas e fracassados que vão do tédio ao colapso.
As tramas parecem misturas de histórias de Stephen King e Patricia Highsmith, com um toque de Jeffrey Dahmer. Seus vilões são, em sua maioria, odiosos, mas sempre relacionáveis.
Em geral, os malfeitores recebem seu castigo, mas sem que a justiça seja feita, muito menos o remorso.
Cada história é um mergulho nas profundezas da alma, onde ninguém é inocente e seu amigo de infância acaba se tornando o monstro que você nunca conheceu. Os atos de violência são ricamente representados, até mesmo de forma erótica.
Thales Guaracy, o primeiro editor de Montes, disse que o autor novato, que tinha 19 anos quando seu primeiro livro foi publicado, havia captado o zeitgeist de seu grupo - uma tribo inquieta, mas em grande parte indiferente às convoluções das mudanças climáticas (nada de Greta Thunberg em Copacabana) ou às revoltas políticas que levaram jovens descontentes às ruas em todo o mundo.
“De certa forma, ele entra na cabeça dos jovens, esses garotos de Copacabana, com poucas perspectivas, que não pensam em consequências ou restrições morais. Há uma espécie de psicopatia geracional que perpassa as histórias de Raphael, temas sombrios que ele trata de forma quase irreverente.”
Quando perguntado sobre sua predileção por monstros, Montes filosofa.
“Eu realmente não acredito em heróis - alguém que quer apenas o melhor para os outros. Não acho que eles existam”, ele me disse em seu apartamento no 10º andar, que tem uma vista espetacular das ondas quebrando na praia de Ipanema. “Mas também não acredito no mal com M maiúsculo”.
Descalço, de bermuda e camiseta cor de baunilha, com um único brinco de um cachorrinho inflável cor-de-rosa, Montes esperou um pouco para produzir efeito.
“É mais como se eu fosse atraído por pessoas moralmente ambíguas”, disse ele.
“Elas acordam e querem coisas. E, dependendo de seus próprios limites éticos, elas podem simplesmente ferrar você para conseguir o que querem.”
É esse atropelamento quase casual das linhas vermelhas éticas que perpassa a ficção de Montes que parece atingir o nervo de seus leitores.
Basta perguntar a Manuela Melo, 21 anos, estudante de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“Eu sou o tipo de pessoa que precisa saber o que é preto e o que é branco, e qual é a minha posição. E o Raphael sempre cria essa sensação de dúvida”, disse a fervorosa aficionada por Montes.
“Você se apaixona por personagens que na verdade não são tão boas pessoas, essas pessoas que fazem a coisa errada. E você pensa: ‘Puxa, não faça isso, estou do seu lado! Eu não queria estar, mas entrei na sua história”.
Quando leio seus livros, vejo as dualidades. E gosto muito das armadilhas narrativas e das falsas voltas que ele cria ao longo do caminho."
O último projeto de Montes - uma minissérie adaptada de Dias Perfeitos - foi lançado com muito alarde no Globoplay em agosto.
Pode não ser um filme fácil de assistir, mas com os filmes de terror dominando as bilheterias mundiais, isso é apenas parte do roteiro.
Melhor ainda para o arauto da desgraça do Brasil, que tem uma cripta cheia de histórias sórdidas para garimpar e filas de jovens curiosos para provocar.
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