Bloomberg Línea — No auge da pandemia de covid, em maio de 2020, uma iniciativa para a criação de um fundo emergencial passou a levar dezenas de milhões de reais em recursos de doações para empréstimos com juros subsidiados a micro e pequenos empreendedores afetados pelas medidas de contenção da doença.
A iniciativa deu tão certo do ponto de vista do apoio que originou o Estímulo 2020, uma associação sem fins lucrativos com um fundo de impacto que, ao longo dos últimos cinco anos, ganhou corpo e atuação para além da pandemia.
O fundo já impactou cerca de 160 mil pessoas por meio de apoio a mais de 5.000 empreendedores em geral sem acesso ao mercado de crédito tradicional, com foco em mulheres, Amazônia e regiões vulneráveis, incluindo pequenos negócios afetados pelas enchentes históricas no Rio Grande do Sul há um ano.
O Estímulo foi idealizado por Eduardo Mufarej, um dos investidores mais influentes e atuantes do país no tema de impacto social e ambiental, e tem 50 cofundadores, como Abilio Diniz, Eugenio Mattar, Ticiana Rolin, Ana Fontes, empresas e famílias de alguns dos maiores investidores do país.
Em cinco anos, o fundo já emprestou cerca de R$ 335 milhões para micro e pequenos empreendedores, dos quais cerca de 90% para regiões de baixa renda (classes C, D e E), de acordo com um relatório de transparência recém-divulgado.
E agora mira um retorno para o país e a sociedade de forma ainda mais abrangente.
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O Estímulo atua com a modalidade conhecida como blended finance, que concilia recursos de doadores com investimento de impacto que gera retorno.
Os recursos são estruturados em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), em que os doadores entram com as cotas subordinadas (de maior risco), enquanto as cotas sêniores ficam com investidores de impacto, ou seja, que buscam gerar um benefício social e ambiental com o capital alocado e recebem retorno.
A gestão do FIDC é feita pela Galapagos Capital, envolvida praticamente desde o início com a iniciativa.
No fim do ano passado, o Estímulo se tornou estudo de caso - business case - da Harvard Business School, uma das escolas de negócios mais prestigiosas do mundo, por causa justamente de sua atuação destacada e inovadora com a modalidade de blended finance, com apresentação para os alunos in loco.
O próximo objetivo é o lançamento do Fundo Amazônia, que pretende gerar impacto sobre a população de comunidades na floresta com oportunidades de trabalho e de geração de renda, a fim de evitar que atividades como desmatamento e garimpo ilegal se tornem as alternativas que sobram para subsistência.
“Gerar oportunidades para a população vulnerável na região é uma forma eficaz de reduzir a pressão sobre a floresta”, disse Vinicius Poit, diretor-executivo (CEO) do Estímulo, em entrevista à Bloomberg Línea.
Segundo ele, que lidera o Estímulo desde 2023, ao lado de Lucas Conrado (Relações Institucionais) e Mariane Salvador (Novos Negócios), a atuação na Amazônia se dá com base na chamada Teoria da Mudança, que avalia como gerar impacto mensurável em regiões vulneráveis a partir de objetivos e intervenções planejadas.
Segundo Poit, o plano é que o fundo já esteja não só captado como com ações de impacto executadas em novembro, quando Belém abrigará a COP30, com autoridades de países e empresas e investidores internacionais.
“Já temos muitos empreendedores da região impactados por meio do nosso Fundo Brasil e a ideia é que esse número seja ampliado com o Fundo Amazônia”, disse. Cerca de 13% dos empreendedores do primeiro fundo são da região.
A COP30, portanto, servirá como vitrine global para a tese consolidada de impacto no Brasil, para a tese de clima, “que ganha track record”, e para a de Amazônia. “São temas para os quais as pessoas olham de fora com bolso para investir.”
“Somos um fundo de impacto e, por natureza, somos e sempre seremos um fundo emergencial para o pequeno empreendedor”, completou.
Em paralelo, o Estímulo tem avançado para fortalecer a sua governança.
Formalizou um conselho de administração, presidido por Mufarej, e também um conselho fiscal.
O fundo contou com a assessoria do escritório PLKC Advogados, por meio da sócia Priscila Pasqualin, para estruturar a governança.
A tese de impacto, por sua vez, conta com metodologia do Insper Metricis, com base na citada Teoria da Mudança, da economista Lígia Vasconcellos, especialista em avaliação de impacto social.
“Ser uma ONG não é pouca coisa. E com o tempo buscamos fortalecer a governança, a profissionalização e a sustentabilidade financeira. Hoje estamos entre as ONGs mais eficientes do Brasil”, disse o executivo.
Segundo ele, cada real doado já foi emprestado cinco vezes como crédito facilitado para os citados mais de 5.000 pequenos empreendedores.
“Cada parcela paga volta para o fundo e é novamente disponibilizada. É muito produtivo. Isso é filantropia sustentável. É investimento de impacto real e mensurável”, afirmou.
No fundo dedicado aos efeitos da pandemia, a ampla maioria dos empreendedores auxiliados pagaram de volta os empréstimos sem garantia - a taxa de inadimplência foi de 3%, abaixo da média de mercado -, o que permitiu que o capital pudesse ser “reciclado” e deu força para a decisão de continuidade.
Aumento da exposição
A profissionalização da estrutura do Estímulo tem o objetivo de levar à perenidade do fundo, para que ele continue a cumprir com o seu papel a despeito de mudanças eventuais na sua liderança e no corpo executivo.
Faz parte desse plano aumentar o conhecimento da sociedade e, em particular, de potenciais investidores e doadores, sobre a atuação do fundo e dos próprios conceitos de investimento de impacto e de blended finance.
“O Estímulo tem ficado mais conhecido e se tornado uma referência na área, e isso ajuda na captação, mas, por outro, ainda há muito trabalho a ser feito de explicar o que é investimento de impacto e levar a informação.”
Segundo Poit, tornar-se uma referência em investimento de impacto com blended finance no Brasil é de fato um dos objetivos. “Faz parte da nossa missão ‘furar a bolha’, porque não é um assunto trivial”, disse Poit.
“Contamos com a ajuda de family offices e de bancos que trabalham conosco a falar sobre o tema e explicar como funciona”, disse o executivo.
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O trabalho de ampliar o awareness do investimento de impacto acaba sendo realizado em conjunto para beneficiar todo o ecossistema, segundo ele.
Isso inclui parcerias com iniciativas como o Pacto Contra a Fome e a Somos Um e contribuições de lideranças de empresas financeiras como BTG Pactual e Wright Capital, além de escritórios como Mattos Filho e Pinheiro Neto, entre tantos outros que se envolvem de maneira ativa com a causa no país.
Também se tornou recorrente a participação de tais iniciativas em eventos, com esclarecimentos de pontos em comum - como explicar o que é investimento de impacto, como é mensurado etc. -, e do que é particular a cada um, com seu próprio modelo, de modo a conciliar retorno financeiro com retorno social.
“Vamos compartilhando as iniciativas e ‘empurrando’ a pauta juntos.”
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