Bloomberg — O Tesouro perderá R$ 60 bilhões por ano porque suas emissões de dívida enfrentam forte concorrência dos títulos isentos de imposto, afirmou o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em entrevista à Bloomberg News.
Segundo ele, o governo desembolsa cerca de R$ 40 bilhões adicionais em juros para atrair investidores que, de outro modo, aplicariam no regime de isenção tributária vinculado a projetos de infraestrutura.
Ceron ressaltou que o valor é uma estimativa, já que os números oficiais são difíceis de calcular. Além disso, as contas públicas sofrem outro impacto de R$ 20 bilhões anuais em perda de arrecadação com esse tipo de papel, que tem ganhado popularidade.
“Há uma correlação clara entre o aumento da emissão de debêntures de infraestrutura isentas de imposto e os custos para o Tesouro”, disse Ceron em seu gabinete, em Brasília.
Leia também: Santander vê espaço para corte mais amplo da Selic a partir de janeiro de 2026
As contas públicas do Brasil estão no centro das atenções dos investidores, enquanto o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva lança novos programas sociais antes das eleições gerais do próximo ano.
O aumento das despesas tem alimentado o ceticismo sobre a meta do governo de registrar superávit primário — que exclui os pagamentos de juros da dívida — em 2026.
Para alcançar esse objetivo, o governo busca medidas como a redução de isenções fiscais e o aumento de tributos sobre o setor financeiro.
Nesse contexto, os títulos isentos de imposto prejudicam as contas públicas e oferecem pouco benefício ao setor privado, avaliou Ceron.
Ele reconhece que as empresas podem se beneficiar no curto prazo com o incentivo, mas quando recorrem a instituições como o BNDES em busca de crédito, acabam pagando uma taxa de juros atrelada aos títulos públicos de cinco anos, que estão mais caros.
“Não é uma grande vantagem, porque elas apenas recebem a isenção, mas ainda assim pagam um valor maior na taxa de juros de longo prazo usada pelo BNDES”, disse o secretário.
Dados da Anbima, associação que representa o mercado de capitais, mostram que a Petrobras e a mineradora Vale emitiram recentemente debêntures isentas — como são conhecidos esses títulos — a um custo menor do que papéis de prazo semelhante emitidos pelo próprio governo.
As emissões de debêntures isentas saltaram para R$ 113,6 bilhões até setembro, ante R$ 41,1 bilhões em 2022, segundo a Anbima.
Os fundos de debêntures de infraestrutura, que investem nesses papéis, também cresceram no mesmo período, com os ativos sob gestão aumentando para R$ 316,8 bilhões em setembro, contra R$ 51,1 bilhões três anos antes.
A visão de Arminio Fraga
O governo já havia enviado ao Congresso um projeto de lei para acabar com a isenção desses títulos, alegando que a medida corrigiria uma distorção e ajudaria a arrecadar recursos necessários para equilibrar o orçamento.
A resistência dos parlamentares, porém, foi tão grande que a proposta sequer chegou a ser votada.
Agora, é fundamental retomar o debate, afirmou Ceron.
“Não nego que a isenção tenha um efeito na economia real, que é importante e estrutural”, disse. “Mas é preciso equilibrar isso com os aspectos negativos, para que o resultado final seja positivo.”
Ceron conta com um aliado de peso: o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga.
O economista, formado pela Universidade de Princeton, tem defendido o fim imediato das isenções fiscais sobre instrumentos financeiros emitidos pelos setores agrícola, imobiliário e de infraestrutura — como as LCAs, LCIs, CRAs e debêntures privadas.
Esses títulos, argumenta Fraga, permitem que as empresas captem recursos a custos menores que o próprio governo federal — uma distorção que, segundo ele, se transformou silenciosamente em um privilégio caro.
“Claramente, esse subsídio não faz o menor sentido”, escreveu Fraga em artigo publicado no jornal O Globo em outubro.
“Eliminá-lo reduziria o custo de captação do Tesouro e sinalizaria à sociedade que políticas de baixa qualidade como essas isenções não serão mais toleradas.”
Para Denis Ferrari, gestor de renda fixa da Kinea Investimentos, a tarefa do Tesouro realmente ficou mais difícil.
“Esses fundos de renda fixa isentos de imposto estão atraindo mais dinheiro e, consequentemente, há menos demanda para a rolagem da dívida pública”, afirmou.
Eleições
Segundo Ceron, o Tesouro conta hoje com uma reserva de liquidez suficiente para cobrir mais de nove meses de vencimentos da dívida — um nível que ele considera confortável, especialmente com a aproximação do ano eleitoral de 2026.
“Ter essa reserva já dá tranquilidade ao mercado de que não haverá problemas nem pressão para rolar um volume significativo de dívida”, disse.
Ele espera que os investidores demonstrem maior apetite por títulos prefixados no início do próximo ano, diante da expectativa de que o Banco Central começará a reduzir os juros, hoje em seu maior patamar em quase duas décadas.
Na quinta-feira, o Tesouro vendeu R$ 22,6 bilhões em leilão, emitindo 24 milhões de títulos prefixados de curto prazo e 7,5 milhões de longo prazo.
“Foi uma oferta grande”, disse Luis Felipe Vital, ex-chefe de operações da dívida pública no Tesouro e atualmente diretor de estratégia macro e dívida pública da Warren Investimentos. “Houve demanda, e o Tesouro aproveitou o momento.”
Na entrevista concedida antes do leilão, Ceron afirmou que não há sinais de fortes saídas de capital nos próximos meses, já que os juros brasileiros continuam mais altos que os de países comparáveis.
“Não vejo isso acontecendo”, disse. “Pode haver alguma saída cambial por conta de pagamentos de dividendos, mas o mercado tem capacidade de absorver.”
-- Com a colaboração de Giovanna Serafim, Augusto Decker e Raphael Almeida.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
Isenção de Imposto de Renda até R$ 5.000 passa no Congresso e vai para sanção de Lula
Falta de senso de urgência em ajuste fiscal amplia riscos, diz Solange Srour