Operação policial mais letal da história do Brasil contra o crime deixa 119 mortos

Imagens da ação coordenada pelo governo estadual no Rio de Janeiro ganharam o mundo e voltaram as atenções do país para o flagelo das quadrilhas de traficantes de drogas e para as táticas pesadas usadas por autoridades para combatê-las

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Bloomberg — O Brasil esteve com as atenções voltadas nesta quarta-feira (29) para uma operação policial classificada como a mais letal da história no Rio de Janeiro e que voltou o foco do país para o flagelo das quadrilhas de traficantes de drogas e para as táticas pesadas usadas por autoridades para combatê-las.

Pelo menos 119 pessoas foram mortas durante uma série de incursões na terça-feira (28), que se transformaram em tiroteios durante todo o dia entre a polícia e membros de grupos do crime organizado, disseram autoridades do estado do Rio na quarta-feira. Foi também a operação policial mais mortal de um único dia na história do Brasil.

As cenas das incursões sangrentas, que, segundo as autoridades, tinham como alvo o notório Comando Vermelho em favelas da zona norte da cidade, repercutiram na maior nação da América Latina e em diferentes partes do mundo, atraindo a condenação das Nações Unidas e críticas do governo federal.

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Na quarta-feira, as famílias se reuniram em hospitais e em praças públicas para identificar os corpos dos mortos, estendidos em cobertores por moradores dos bairros populares onde houve tiroteios poucas horas antes.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava “chocado” com a violência e com o número de mortos, que incluía quatro policiais.

“A operação foi extremamente sangrenta, extremamente violenta”, disse Lewandowski a jornalistas em Brasília, acrescentando que o governo federal não havia sido informado dos planos com antecedência.

“A força física, por si só, não é suficiente. O enfrentamento deve ser feito com inteligência, planejamento e coordenação entre as diversas forças.”

Embora operações policiais violentas sejam comuns no Rio, a escala das incursões ressaltou os desafios de segurança mais persistentes do Brasil.

Mesmo após recentes quedas, as taxas de homicídio continuam entre as mais altas da região.

Quadrilhas do crime organizado, como o Comando Vermelho, controlam grandes extensões de território tanto nas cidades quanto na floresta amazônica e estão se expandindo do comércio de drogas para setores econômicos formais.

A polícia brasileira também é infamemente violenta.

As forças do estado do Rio mataram mais de 700 pessoas no ano passado, de acordo com a Human Rights Watch. Embora esse número tenha diminuído nos últimos anos, ainda representa cerca de duas mortes por dia.

O governador conservador do estado, Claudio Castro, descreveu a operação, a maior da história do Rio, como o início de uma “guerra” nesta quarta-feira.

Ainda não está claro por que as forças estaduais - com cerca de 2.500 policiais apoiados por 32 veículos blindados - lançaram a operação sem apoio federal.

As forças de segurança efetuaram mais de 100 prisões e apreenderam 91 fuzis, disse o secretário da Polícia Civil do Rio a jornalistas na quarta-feira.

Castro disse que o governo federal não havia respondido aos pedidos de ajuda, uma alegação que Lewandowski rejeitou. O governo nunca recebeu tal pedido, disse o ministro em uma declaração oficial na noite de terça-feira.

Lula realizou uma reunião de emergência do gabinete na quarta-feira para delinear a resposta do governo após retornar ao Brasil de uma viagem oficial ao Sudeste Asiático.

Durante essa viagem oficial, ele provocou controvérsia ao dizer que traficantes de drogas são vítimas dos usuários, mas depois recuou nos comentários e condenou o crime organizado.

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Autoridades federais de alto escalão, incluindo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e Gleisi Hoffmann, ministra de Relações Institucionais e principal interlocutora de Lula no Congresso, pediram aos legisladores que aprovassem uma proposta de emenda constitucional para reforçar a cooperação entre as autoridades estaduais e federais na luta contra o crime organizado.

Apesar de suas críticas, Lewandowski disse que viajaria ao Rio para se encontrar com Castro e outras autoridades para discutir como o governo federal pode ajudar em seus esforços para combater o crime organizado.

Castro, um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, há muito tempo favorece a adoção de táticas de segurança de linha dura como uma abordagem para grupos criminosos organizados no Rio.

Ele supervisionou as duas operações policiais mais mortais da história da cidade: a desta semana e outra em 2021 que resultou em pelo menos 28 mortes.

O governador descreveu o foco da operação como “narcoterrorismo” e, na quarta-feira, disse que as “únicas vítimas” nas incursões “eram policiais”.

As autoridades do Rio caracterizaram os presos ou mortos como supostos traficantes de drogas, embora não tenham fornecido provas.

Aproximadamente um em cada cinco brasileiros relatou que gangues ou milícias - grupos de vigilantes compostos por membros atuais e ex-membros de órgãos policiais - estiveram presentes em seus bairros, de acordo com uma pesquisa de outubro do Datafolha.

Quase 60% dos brasileiros classificaram a criminalidade e o tráfico de drogas entre suas principais preocupações em outubro, de acordo com a LatAm Pulse, uma pesquisa realizada pela AtlasIntel para a Bloomberg News.

Mas a operação desta semana foi “parte de uma série de erros” em uma abordagem agressiva que alimentou o avanço do crime organizado em vez de combatê-lo, disse Pablo Nunes, diretor do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, um think tank com sede no Rio de Janeiro.

As autoridades do Rio, no entanto, discordaram.

A operação ocorreu “exatamente como queríamos”, disse Felipe Curi, secretário da Polícia Civil do Rio, na quarta-feira.

-- Com a colaboração de Augusta Saraiva e Carolina Pulice.

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