Bloomberg Línea — As tarifas de 50% anunciadas por Donald Trump para produtos brasileiros, se colocadas em prática a partir de agosto, vão causar impacto mais relevante sobre setores cujas exportações têm os Estados Unidos como um dos principais mercados.
De forma agregada, a economia brasileira está entre as mais fechadas do mundo, ou seja, tem limitada exposição ao comércio exterior - e isso inclui os EUA, destino do equivalente a cerca de 12% do total das exportações do Brasil em 2024 e que responde por cerca de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) do país.
Além disso, o Brasil tem uma pauta de exportações diversificada tanto do ponto de vista de produtos como de mercados, o que ameniza o impacto das tarifas.
Leia mais: Nova tarifa de Trump ao Brasil pode tirar até 0,4 ponto do PIB, diz Goldman Sachs
Mas essa análise preliminar se aplica de modo geral; no recorte específico, a situação muda, segundo ressaltaram analistas que se dedicaram à questão.
“Segmentos altamente dependentes do mercado norte-americano poderão sofrer efeitos significativos”, apontaram em relatório em abril os analistas Iana Ferrão e Pedro Oliveira, do time de research do BTG Pactual, à luz do anúncio inicial das chamadas tarifas recíprocas de Trump.
Segundo os analistas da área de pesquisas do banco de investimento, “produtos como semimanufaturados de ferro e aço (que destinam 72,5% de suas exportações aos EUA), aeronaves (63,2%), materiais de construção (57,5%), etanol (48,5%), madeira e derivados (43,3%) e petróleo e derivados (27,9%) estão entre os mais vulneráveis à aplicação de tarifas”.
No caso de aeronaves, a empresa em questão é a Embraer (EMBR3), que tem em companhias aéreas americanas algumas de suas principais clientes.
Segundo o Banco Central, que preparou um relatório sobre as relações comerciais do Brasil também no contexto das tarifas de Trump - mas antes das taxas de 50% anunciadas ontem -, perto de 40% das exportações aos EUA estão concentradas em cinco categorias de produtos: petróleo, semiacabados de ferro e aço, ferro gusa, café e aeronaves.
Leia mais: Embraer acerta pedido de US$ 3,6 bilhões com a SkyWest para 60 aeronaves
Entre as principais exportações em valores aproximados em 2024 estiveram: petróleo bruto (US$ 6 bilhões), semifaturados de aço e ferro fundidos (US$ 4,9 bilhões) e aeronaves (US$ 2,7 bilhões), além de produtos do agro como café (US$ 1,9 bilhão), celulose (US$ 1,5 bilhão) e carne bovina in natura (US$ 900 milhões).
Os dados acima são do governo brasileiro e foram citados em relatório da consultoria de análise política da Arko Advice, enviado a clientes.
No primeiro semestre de 2025, a concentração das cinco categorias mais exportadas teve ligeira queda para o equivalente a 37% do total que vai para os EUA.
Na resposta inicial do governo brasileiro à carta de Donald Trump com as tarifas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apontou dados da balança comercial entre os dois países para ressaltar que, na história recente, o país tem sistematicamente déficits com os Estados Unidos, que somaram US$ 410 bilhões em 15 anos.
Esse é o resultado prático das relações de economias de tamanho muito desiguais: o PIB americano em 2024 ficou em US$ 29,2 trilhões, ou mais de 13 vezes o PIB brasileiro, de aproximados US$ 2,18 trilhões.
Mas, do ponto de vista de tarifas médias, o Brasil de fato cobra alíquotas mais altas do que os EUA, sem contar barreiras não tarifárias, como sanitárias.
“A tarifa média ponderada pelo volume de importações do Brasil é cerca de 5,8%, contra cerca de 1,3% dos EUA”, escreveram os analistas do BTG.
Por outro lado, segundo eles, “o protecionismo brasileiro decorre sobretudo do uso de barreiras não tarifárias, mais do que das tarifas”.
Leia mais: Tarifa de Trump é demonstração de força para punir o Brasil por Brics, diz professor
Segundo cálculos da equipe de pesquisas do Goldman Sachs, a medida do governo Trump, se de fato for colocada em prática, pode levar a um aumento de 35,5 pontos percentuais na tarifa de importação efetiva cobrada de produtos brasileiros.
A cifra leva em conta as tarifas já anunciadas e a imposição de novas tarifas setoriais, que o banco espera que entrem em vigor, como a tarifa de 50% sobre cobre e de 25% sobre produtos farmacêuticos, semicondutores, minerais críticos e produtos de madeira, previstas para o terceiro trimestre de 2025.
Trata-se do maior aumento de tarifas entre as grandes economias da América Latina afetadas pelas medidas de Trump.
Considerando tarifas já em vigor e anunciadas, o banco estima que o Chile deve ter um aumento de 26,3 pontos percentuais, seguido do Peru (14,4 p.p.), da Argentina (10,8 p.p.), do México (9,7 p.p.), da Colômbia (6,7 p.p.) e do Equador (5,7 p.p.).
Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, ressaltou no relatório que as exportações do Brasil para os Estados Unidos sujeitas às tarifas equivalem a US$ 42,7 bilhões, o que representa cerca de 2% do PIB brasileiro e 12,6% do total das vendas ao exterior.
Os analistas do BTG apontaram na ocasião de seu relatório há três meses que eventuais tarifas mais altas impostas sobre o Brasil - o que não se concretizou à época, pois acabaram ficando em 10% - teriam impacto limitado diante do perfil da pauta de exportações do país.
O Brasil tem um índice de BNT (coverage ratio) de 86,4%, acima dos EUA (77%) e da média internacional (72%).
“A diversificação da pauta de exportação do Brasil limita o impacto geral sobre a balança comercial caso as tarifas sejam impostas apenas em determinados setores”, escreveram os analistas do BTG Pactual.
-- Com colaboração de Filipe Serrano.
Leia também
Congresso quer nova lei de reciprocidade para país poder retaliar tarifas de Trump
Por que Brasil e Argentina precisam abandonar a rivalidade e fortalecer os laços