De ferro e aço a aviões e etanol: os produtos mais dependentes do mercado americano

País tem exposição limitada ao mercado americano, mas algumas indústrias dependem mais das exportações aos EUA, segundo análise do time de research do BTG Pactual; cinco categorias de produtos concentram perto de 40% das vendas ao país

Porto de Long Beach na Califórnia: impacto das tarifas comerciais de Donald Trump (Foto: Eric Thayer/Bloomberg)
10 de Julho, 2025 | 09:37 AM

Bloomberg Línea — As tarifas de 50% anunciadas por Donald Trump para produtos brasileiros, se colocadas em prática a partir de agosto, vão causar impacto mais relevante sobre setores cujas exportações têm os Estados Unidos como um dos principais mercados.

De forma agregada, a economia brasileira está entre as mais fechadas do mundo, ou seja, tem limitada exposição ao comércio exterior - e isso inclui os EUA, destino do equivalente a cerca de 12% do total das exportações do Brasil em 2024 e que responde por cerca de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) do país.

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Além disso, o Brasil tem uma pauta de exportações diversificada tanto do ponto de vista de produtos como de mercados, o que ameniza o impacto das tarifas.

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Mas essa análise preliminar se aplica de modo geral; no recorte específico, a situação muda, segundo ressaltaram analistas que se dedicaram à questão.

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“Segmentos altamente dependentes do mercado norte-americano poderão sofrer efeitos significativos”, apontaram em relatório em abril os analistas Iana Ferrão e Pedro Oliveira, do time de research do BTG Pactual, à luz do anúncio inicial das chamadas tarifas recíprocas de Trump.

Segundo os analistas da área de pesquisas do banco de investimento, “produtos como semimanufaturados de ferro e aço (que destinam 72,5% de suas exportações aos EUA), aeronaves (63,2%), materiais de construção (57,5%), etanol (48,5%), madeira e derivados (43,3%) e petróleo e derivados (27,9%) estão entre os mais vulneráveis à aplicação de tarifas”.

No caso de aeronaves, a empresa em questão é a Embraer (EMBR3), que tem em companhias aéreas americanas algumas de suas principais clientes.

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Segundo o Banco Central, que preparou um relatório sobre as relações comerciais do Brasil também no contexto das tarifas de Trump - mas antes das taxas de 50% anunciadas ontem -, perto de 40% das exportações aos EUA estão concentradas em cinco categorias de produtos: petróleo, semiacabados de ferro e aço, ferro gusa, café e aeronaves.

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Entre as principais exportações em valores aproximados em 2024 estiveram: petróleo bruto (US$ 6 bilhões), semifaturados de aço e ferro fundidos (US$ 4,9 bilhões) e aeronaves (US$ 2,7 bilhões), além de produtos do agro como café (US$ 1,9 bilhão), celulose (US$ 1,5 bilhão) e carne bovina in natura (US$ 900 milhões).

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Os dados acima são do governo brasileiro e foram citados em relatório da consultoria de análise política da Arko Advice, enviado a clientes.

No primeiro semestre de 2025, a concentração das cinco categorias mais exportadas teve ligeira queda para o equivalente a 37% do total que vai para os EUA.

Na resposta inicial do governo brasileiro à carta de Donald Trump com as tarifas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apontou dados da balança comercial entre os dois países para ressaltar que, na história recente, o país tem sistematicamente déficits com os Estados Unidos, que somaram US$ 410 bilhões em 15 anos.

Esse é o resultado prático das relações de economias de tamanho muito desiguais: o PIB americano em 2024 ficou em US$ 29,2 trilhões, ou mais de 13 vezes o PIB brasileiro, de aproximados US$ 2,18 trilhões.

Mas, do ponto de vista de tarifas médias, o Brasil de fato cobra alíquotas mais altas do que os EUA, sem contar barreiras não tarifárias, como sanitárias.

“A tarifa média ponderada pelo volume de importações do Brasil é cerca de 5,8%, contra cerca de 1,3% dos EUA”, escreveram os analistas do BTG.

Por outro lado, segundo eles, “o protecionismo brasileiro decorre sobretudo do uso de barreiras não tarifárias, mais do que das tarifas”.

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Segundo cálculos da equipe de pesquisas do Goldman Sachs, a medida do governo Trump, se de fato for colocada em prática, pode levar a um aumento de 35,5 pontos percentuais na tarifa de importação efetiva cobrada de produtos brasileiros.

A cifra leva em conta as tarifas já anunciadas e a imposição de novas tarifas setoriais, que o banco espera que entrem em vigor, como a tarifa de 50% sobre cobre e de 25% sobre produtos farmacêuticos, semicondutores, minerais críticos e produtos de madeira, previstas para o terceiro trimestre de 2025.

Trata-se do maior aumento de tarifas entre as grandes economias da América Latina afetadas pelas medidas de Trump.

Considerando tarifas já em vigor e anunciadas, o banco estima que o Chile deve ter um aumento de 26,3 pontos percentuais, seguido do Peru (14,4 p.p.), da Argentina (10,8 p.p.), do México (9,7 p.p.), da Colômbia (6,7 p.p.) e do Equador (5,7 p.p.).

Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, ressaltou no relatório que as exportações do Brasil para os Estados Unidos sujeitas às tarifas equivalem a US$ 42,7 bilhões, o que representa cerca de 2% do PIB brasileiro e 12,6% do total das vendas ao exterior.

Os analistas do BTG apontaram na ocasião de seu relatório há três meses que eventuais tarifas mais altas impostas sobre o Brasil - o que não se concretizou à época, pois acabaram ficando em 10% - teriam impacto limitado diante do perfil da pauta de exportações do país.

O Brasil tem um índice de BNT (coverage ratio) de 86,4%, acima dos EUA (77%) e da média internacional (72%).

“A diversificação da pauta de exportação do Brasil limita o impacto geral sobre a balança comercial caso as tarifas sejam impostas apenas em determinados setores”, escreveram os analistas do BTG Pactual.

-- Com colaboração de Filipe Serrano.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.