Bloomberg — O compromisso de investir R$ 200 bilhões assumido pelo TikTok, da chinesa ByteDance, para ajudar a construir um enorme complexo de data centers no Brasil consolida a posição do país como o principal destino da região para investimentos ligados à inteligência artificial.
A ByteDance, com sede na China, anunciou nesta quarta-feira (3) a intenção de levar adiante o projeto do Pecém, no estado do Ceará. O Brasil é visto como o país mais bem posicionado da América do Sul para aproveitar o boom global de data centers que sustentam a IA, por causa de sua ampla oferta de energia renovável e uma rede elétrica nacional interligada. Pecém também fica próximo a um grande polo de cabos submarinos de telecomunicações que conectam o continente à Europa e à África.
O investimento da ByteDance, disparado o maior desse tipo já anunciado no Brasil, representa uma vitória para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem promovido o país como destino para investimentos em IA.
O projeto também se soma a uma série de investimentos crescentes de empresas chinesas em tecnologia e energia renovável no Brasil.
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Essas parcerias antecedem a reeleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mas ganharam força à medida que Brasil e China se distanciam das prioridades de comércio e energia do governo americano.
Trump havia imposto tarifas elevadas ao Brasil e criticado publicamente seus líderes. Ele recuou recentemente e tem trabalhado com Lula para reconstruir a relação bilateral.
A China, por sua vez, está atrás dos Estados Unidos na corrida por tecnologias de inteligência artificial de ponta, além de estar impedida de investir em determinados setores dentro do mercado americano.
O Brasil também abriga a maior capacidade de geração elétrica financiada por empresas chinesas até 2022, segundo o Global Development Policy Center, da Universidade de Boston.
“Durante o governo Trump, os Estados Unidos tentaram sistematicamente limitar e desmontar o peso econômico e a influência da China na América Latina”, afirmou Andrei Roman, CEO da AtlasIntel.
“O investimento no Pecém mostra que a China está disposta e tem capacidade para reagir, enquanto o Brasil recebe seus investimentos de bom grado.”
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A empresa chinesa terá como parceiras a desenvolvedora de data centers Omnia e a Casa dos Ventos, uma das principais fornecedoras de energia renovável do país.
O complexo planejado no Pecém é “um local extremamente estratégico”, disse Rodrigo Abreu, CEO da Omnia, em entrevista. “Ele fica relativamente perto, ao mesmo tempo, da Europa, África, América do Norte e do restante da América Latina.”
O Pecém superou concorrentes na Índia, Noruega e Malásia para receber o investimento da ByteDance, afirmou Fábio Feijó, chefe da ZPE Ceará, a zona de processamento de exportação que integra o complexo do Pecém.
“Data centers não são o objetivo final — eles funcionam como isca para atrair indústrias de alta tecnologia e operações de Big Tech”, afirmou Feijó, descrevendo a visão como um “Ceará Valley”.
O TikTok também tem reforçado sua presença no Brasil em meio às dificuldades para apresentar um plano capaz de evitar que o serviço seja bloqueado nos Estados Unidos.
O governo chinês prometeu, há um mês, trabalhar com Washington para resolver o futuro da operação americana do TikTok, mas não apoiou diretamente um acordo defendido por Trump para transformar o aplicativo em uma nova empresa controlada majoritariamente por investidores americanos.
Com base numa lei de segurança dos Estados Unidos sancionada no ano passado pelo então presidente Joe Biden, a ByteDance — sediada em Pequim — foi obrigada a vender o TikTok nos Estados Unidos ou enfrentar um banimento no país. O prazo inicial era janeiro de 2025, mas Trump já o prorrogou várias vezes na tentativa de chegar a um acordo.
O Pecém integra as ambições mais amplas de Lula para IA. Quase metade dos data centers planejados ou já em operação na América do Sul está no Brasil, segundo o site Data Center Map, que monitora o setor.
Lula também assinou uma medida provisória para conceder incentivos a empresas que pretendem construir data centers no país, incluindo autorização para importar certos equipamentos sem impostos.
“O objetivo é usar os data centers para estruturar novas cadeias produtivas”, afirmou Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial do Brasil, em entrevista. “Data centers, por si só, não geram empregos.”
Ainda assim, há muita expectativa e especulação em torno das perspectivas do Brasil. Apenas um terço dos data centers anunciados no país deve realmente sair do papel, porque alguns não têm conexão com o sistema elétrico e outros ficam longe demais de São Paulo, centro financeiro e de negócios do país, segundo a Aurora Energy Research.
O boom de data centers também envolve riscos. O Brasil precisa expandir linhas de transmissão e instalar baterias de escala industrial para estabilizar o fornecimento de energia renovável — que oscila conforme o clima —, caso contrário pode passar de um cenário de sobra de energia para um de déficit, à medida que data centers e veículos elétricos elevam o consumo, afirmou Ty Eldridge, CEO da Brasol, empresa de energia renovável sediada em São Paulo.
“A energia vai ficar mais cara e mais escassa”, disse ele. “Os desafios são enormes, mesmo com o apoio do governo.”
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