Bloomberg — Uma sensação de déjà vu atingiu o Brasil na semana passada, depois que o anúncio de medidas destinadas a equilibrar o orçamento desencadeou uma disparada do dólar.
Pela segunda vez em seis meses, um plano elaborado para amenizar as preocupações dos investidores com a política fiscal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva gerou questionamentos sobre o compromisso com a austeridade. Desta vez, também alimentou rumores de que seu governo poderia estar flertando com controle de capital para sustentar a cotação do real.
A reação do mercado veio assim que o governo detalhou planos para aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre uma série de transações. O real, que havia se fortalecido com a expectativa de um contingenciamento orçamentário, reverteu sua cotação e fechou o dia com uma desvalorização de mais de 1%.
Temendo perdas adicionais, na sexta-feira (23) o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, alterou o decreto do IOF e descartou sua medida mais polêmica: um imposto de 3,5% sobre investimentos offshore de fundos brasileiros.
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Haddad negou qualquer intenção de adotar controles de capital e agiu rapidamente para revogar o imposto antes que ele entrasse em vigor. Mas a confusão expôs a crescente desconexão entre os investidores e o governo Lula — e, mais especificamente, um ministro da Fazenda que sempre foi elogiado por impor pelo menos um pouco de disciplina fiscal.
“O episódio é um alerta importante sobre como medidas mal calibradas podem gerar efeitos macro, micro e reputacionais relevantes”, disse Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research.
O Ministério da Fazenda justificou a decisão de aumentar o IOF sobre diversas outras transações financeiras, como operações de crédito e compras de moeda estrangeira em espécie, afirmando que a medida visava principalmente corrigir distorções no mercado.
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No entanto, a arrecadação adicional gerada pelo aumento do IOF — R$ 18 bilhões somente neste ano — também é crucial para que Haddad cumpra suas metas fiscais.
O impacto negativo no mercado ofuscou a notícia de que o governo havia decidido congelar R$ 31 bilhões do orçamento deste ano, mais do que o esperado pelos analistas. A equipe econômica já havia discutido o aumento do imposto em ocasiões anteriores, mas a ideia nunca foi adiante, segundo pessoas com conhecimento do assunto.
Uma das vozes contrárias foi o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo — ex-secretário-executivo de Haddad — que disse em um evento na sexta-feira que “nunca simpatizou muito com a ideia”.
Desta vez, Haddad optou por levar o plano adiante sem envolver o Banco Central. A decisão, disse Haddad em entrevista ao jornal O Globo, foi tomada por Lula com membros relevantes de sua equipe.
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Desconexão do mercado
A posição de Lula sobre disciplina fiscal se torna cada vez mais clara, à medida que ele resiste em adotar medidas estruturais de cortes de gastos. Esses problemas estão basicamente relacionados à grande parcela dos gastos obrigatórios que aumenta a cada ano, juntamente com o salário mínimo, ambos superando o crescimento da receita e não deixando dinheiro para investimentos.
Os investidores, no entanto, consideram Haddad um garantidor dos esforços para fortalecer as contas públicas do Brasil — um ministro que tem a atenção de Lula e um olhar atento sobre a economia e os mercados financeiros.
Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro da Fazenda, de 62 anos, rejeitou a ideia de que a incapacidade de antecipar a reação dos investidores ao IOF tenha minado sua credibilidade. Ele argumentou o oposto, afirmando que os investidores reconhecerão sua capacidade de ouvir críticas e mudar de ideia quando necessário.
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Haddad reclama que seus esforços para equilibrar o orçamento têm sido prejudicados por despesas de cerca de R$ 800 bilhões em incentivos fiscais concedidos a empresas. A equipe econômica vem tentando, sem sucesso, remover esses incentivos devido ao forte lobby corporativo no Congresso.
Mas os desafios de Haddad só se intensificarão nos próximos meses, já que a pressão por gastos sociais aumenta antes das eleições presidenciais do próximo ano.
Líderes da indústria, do agronegócio e do setor bancário já pressionam os parlamentares para rejeitar o aumento do IOF no Congresso. E nesta semana, Haddad terá que encontrar R$ 2 bilhões em receita adicional ou ampliar o contingenciamento orçamentário para compensar as mudanças que teve que fazer no plano de aumentar o IOF.
“A questão em 2025 e na corrida eleitoral de 2026 será quantas vezes o governo Lula conseguirá testar a paciência do mercado com políticas populistas que visam ajudá-lo a solidificar sua base”, disse Thierry Wizman, diretor de moedas globais e estrategista de taxas de juros da Macquarie Futures. “Os riscos, é claro, só aumentam à medida que nos aproximamos da eleição.”
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