Para indústria do café, tarifas entram em vigor, mas negociação deve reduzir impacto

Presidente do Conselho do Cecafé, Márcio Ferreira, diz à Bloomberg Línea que vê pouco espaço de manobra no curto prazo, mas aposta em negociação para alíquotas menores e em redirecionar a oferta caso a tarifa americana se prolongue

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Bloomberg Línea — O setor cafeeiro brasileiro adota um tom de cautela com a proximidade do prazo para o início das tarifas de 50% previstas pelos Estados Unidos sobre os produtos do país, nesta sexta-feira (1 de agosto).

Entre os principais agentes do mercado, em apuração da Bloomberg Línea, a avaliação é que, diante dos impactos negativos para ambas as pontas da cadeia, há espaço para negociação e até redirecionamento de parte da oferta, caso o conflito comercial se prolongue.

Eles vislumbram um cenário em que ocorram negociações com autoridades americanas para reduzir as tarifas nas próximas semanas.

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“Nós não temos dúvida de que, no curto prazo, o governo americano vai sentar para negociar com o Brasil. Mas, até lá, precisamos ter calma. Os nossos clientes falam que, mesmo se as tarifas persistirem, eles jamais poderão abrir mão do Brasil”, afirma Márcio Ferreira, presidente do Conselho do Cecafé e diretor superintendente do grupo Tristão, um dos maiores exportadores de café solúvel e verde do país, à Bloomberg Línea.

Segundo Ferreira, o impacto das tarifas é “ruim para os dois lados”, mas a dinâmica de mercado, com preços negociados na ICE (Intercontinental Exchange) em Nova York, tende a se ajustar com as mudanças.

Nos bastidores, o setor acredita que a tarifa começará em 50%, mas poderá ser reduzida para algo entre 20% e 25% após as primeiras semanas, seguindo o padrão observado em outros países, como a taxa de 20% sobre o Vietnã.

“O café brasileiro representa até 40% das importações americanas [da commodity]. É uma equação perversa para eles também”, disse.

Segundo o executivo, o Brasil não é visto como prioridade pelos EUA, já que o país “tem um saldo negativo na balança comercial com os Estados Unidos. Portanto, para os americanos, o Brasil não é prioridade nesse sentido, já que não gera prejuízo no trade balance”.

A articulação entre Cecafé, National Coffee Association (NCA) e importadores americanos está em andamento e mostra que, na prática, “não se vê os Estados Unidos com uma ruptura de compra de café brasileiro”, disse.

“Do nosso lado, a perspectiva segue sendo a tarifa de 50% até o momento. Tínhamos alguma expectativa de que o café, por não ser produzido nos EUA, pudesse ter um tratamento diferenciado, seja isento ou com tarifa menor”, disse.

O contrato futuro do arábica para setembro fechou na segunda-feira (28) a US$ 300,90 por libra, com alta de 1,13% em relação à sessão anterior em Nova York. Em relação ao mesmo período do ano passado, os preços subiram cerca de 30%.

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Segundo relatório da consultoria Barchart, a alta nos preços do arábica reflete as preocupações com o clima adverso no Brasil e a possibilidade das tarifas americanas. As chuvas de granizo em Minas Gerais levantaram temores de perdas na produção, enquanto as tensões comerciais aumentam a incerteza.

Difícil substituição nos EUA

Outro fator que traz certo alívio aos exportadores é o fato de o café brasileiro ser amplamente utilizado na composição de blends nos Estados Unidos - misturas de variedades de torra adotadas por grandes redes como a Starbucks.

Segundo o presidente do Cecafé, alterar essas formulações não é uma tarefa simples e rápida.

“As maiores torrefadoras americanas nos dizem que não dá para substituir o café do Brasil de uma hora para outra. Leva até três anos para reformular um produto”, afirmou Ferreira.

Entre julho de 2024 e junho de 2025, o Brasil exportou 44,25 milhões de sacas de café, segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). Desse total, cerca de 7,468 milhões de sacas, equivalente a 16,4%, foram para os EUA.

Plano B

Caso os volumes exportados aos EUA diminuam, o setor avalia a possibilidade de redirecionar parte da oferta para outros destinos, inclusive países produtores.

“Todos os países produtores importam café do Brasil. Se Colômbia e Vietnã aumentarem as exportações para os EUA, vão precisar importar mais do Brasil para suprir a demanda interna ou para reexportação”, explicou Ferreira.

A crescente demanda na Ásia também está no radar dos exportadores.

“Estive recentemente na China, onde 30.000 pessoas passam a tomar café por dia. A Lucky Coffee, segunda maior rede de cafeterias do mundo, tem lojas temáticas com foco no Brasil”, disse o executivo.

Segundo o executivo, a produção mundial de café nos últimos anos tem estado muito ajustada ao consumo global.

“Se eventualmente os EUA, ou alguns poucos compradores, passarem a priorizar outras origens por causa de tarifas mais baixas, é natural que isso abra espaço para o Brasil em outros mercados, já que a oferta global está bastante equilibrada com a demanda”, disse.

Apesar da preocupação com o custo adicional da tarifa, Ferreira disse que os preços internos permanecem atrativos: cerca de R$ 1.800 para a saca de arábica e de R$ 1.000 para a de conilon.

“É um preço extremamente lucrativo. Quem vende café não pode esperar sempre picos decorrentes de eventos climáticos extremos”, afirmou.

Para as próximas semanas, o setor trabalha com três certezas: a tarifa entrará em vigor no dia 1º de agosto, a negociação entre os governos deve ocorrer em seguida, e as mudanças nos fluxos globais podem abrir espaço para o Brasil em outros mercados.

“O jogo será de paciência. A tarifa é um fato, mas a estrutura do mercado e a interdependência entre exportadores e consumidores exigem pragmatismo. Nisso, o Brasil tem vantagem competitiva e diplomática para buscar uma solução mais justa.”

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