Bloomberg Línea — O anúncio do presidente dos EUA, Donald Trump, de que vai impor uma tarifa de 50% sobre as importações de produtos brasileiros pode aumentar a volatilidade dos preços internacionais do café e levar a um cenário de baixa para os preços globais.
As tarifas de 50% sobre o Brasil, o maior produtor de café do mundo, podem afetar e encarecer o consumo nos Estados Unidos, considerado um grande mercado global, justamente quando os preços da commodity começam a se corrigir.
As tarifas impostas por Trump ao Brasil “necessariamente levariam a uma queda no consumo de café” nos EUA, disse o presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Márcio Ferreira, à Bloomberg Línea.
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“Para cada dólar importado, US$ 43 são gerados na economia americana quando se trata de café. O café emprega mais de 2 milhões de pessoas e representa 1,2% do PIB na economia dos EUA. Para o Brasil, o café representa 0,89% do PIB brasileiro“, disse o dirigente.
Ferreira lembrou que, no caso do Brasil, a balança comercial favorece os EUA, ao contrário de outros parceiros comerciais atingidos por tarifas mais altas.
Por esse motivo, ele considera que a imposição de uma tarifa de 50% não faz sentido se o principal argumento for corrigir o déficit comercial.
O Brasil consolidou sua liderança como fornecedor de café para os Estados Unidos em 2024, quando o país norte-americano importou 8,1 milhões de sacas de café do país, um aumento de 34% em relação às 6,1 milhões em 2023, de acordo com dados do Cecafé.
Esse volume representou 16,1% de todas as exportações brasileiras de café no ano passado.
Os dados completos do primeiro semestre serão publicados nesta terça (15).
Nos primeiros cinco meses de 2025, os Estados Unidos importaram 2,9 milhões de sacas de café brasileiro, o equivalente a 17,1% do total das exportações do Brasil nesse período, ou seja, ligeiramente acima do fechado em 2024.
“O café desempenha um papel muito importante na economia dos EUA. E aqui eu acho que temos que sentar, conversar, entender, ouvir, refletir e depois reconsiderar e tomar uma decisão diferente da que estamos vendo agora na mídia”, disse o presidente do Cecafé.
Compensação na Ásia
Para Márcio Ferreira, se o consumo cair nos Estados Unidos, é provável que seja compensado pela dinâmica de outros países, especialmente na Ásia.
Ao mesmo tempo, a menor demanda dos EUA tenderia a pressionar os preços para baixo, uma vez que criaria um cenário de oferta e demanda mais favorável para os consumidores em todo o mundo, disse ele.
“Tarifas tão altas podem fazer com que o mercado caia ainda mais. Na última vez em que foi anunciada uma tarifa de 10%, o mercado caiu mais do que isso. Se uma tarifa de 50% do maior consumidor de café do mundo se concretizar, o mercado refletirá isso com uma queda acentuada", disse Ferreira.
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Em condições climáticas normais, ele explicou que o preço do café arábica na ICE em Nova York se estabilizaria entre 220 e 250 centavos de dólar por libra-peso, um valor que, de qualquer forma, seria 45% mais alto do que a média dos últimos 10 a 12 anos, que foi de 160 centavos de dólar por libra-peso.
No relatório mais recente do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), tanto a projeção de produção quanto do consumo mundiais de café para o ano cafeeiro de 2024/2025 foram revisados para baixo.

“Embora o consumo global continue a superar a produção, a redução dessa diferença trouxe mais calma ao mercado, o que contribuiu para a recente queda nos preços”, disse Laura Clavijo, diretora de Pesquisa Econômica, Setorial e de Mercado da instituição financeira Bancolombia, à Bloomberg Línea.
O preço do café negociado em bolsa caiu de níveis próximos a US$ 4 a libra em março para menos de US$ 3 até o momento em julho.
Com esse retorno a níveis de preços mais estáveis, os prêmios de originação estão começando a se ajustar. No caso da Colômbia, o prêmio caiu 12% em relação a 2024, embora uma leve tendência de alta tenha sido observada nas últimas semanas, de acordo com Clavijo.
Expectativa de safra melhor no Brasil
Em meio às expectativas climáticas, a produtividade superou as previsões iniciais e a safra total no Brasil deve ficar em torno de 65 milhões de sacas na safra atual (25/26), de acordo com as previsões de mercado citadas pelo presidente do Cecafé.
A safra anterior (24/25) também permaneceu nessa faixa, mas com valores mais altos de arábica em comparação com a safra atual.
Se não houver acidentes climáticos, a safra 26/27 poderá estabelecer novos recordes de produção.
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“Lembremos que a safra recorde foi em 2020, antes da geada, com cerca de 70 milhões de sacas”, disse ele.
O boom de preços observado em 2021-2023 se deveu a eventos climáticos severos (como a geada de 2021 no Brasil e as secas no Vietnã e na Indonésia) mas também à ação antecipada de fundos nas bolsas de commodities.
Atualmente, a indústria mundial tem estoques elevados, comprados a preços muito altos.
Isso gera cautela para novas compras, com a expectativa de uma nova queda nos preços, especialmente se não houver eventos climáticos extremos.
Mesmo assim, o consumo global permaneceu estável, com forte crescimento na Ásia, especialmente na China, onde o café ganha terreno entre os jovens consumidores.
Oportunidades para outros produtores
Oran van Dort, analista de commodities do Rabobank, disse à Bloomberg Línea que “uma tarifa de 50% sobre preços já altos seria muito cara para os participantes da cadeia de suprimentos”.
O analista indicou que a tarifa brasileira “alteraria significativamente os padrões de importação de café dos EUA, deslocando a demanda para outras origens, como Colômbia, Vietnã, América Central e Indonésia“.
Entretanto ele advertiu que “esses países também enfrentam suas próprias estruturas tarifárias, o que complica o quadro”.
Um aumento repentino na demanda por essas origens poderia elevar seus preços, desde que suas tarifas sejam menores que as do Brasil e que a medida dos EUA seja implementada conforme planejado.
Mas aproveitar o espaço deixado pelo mercado dos EUA também será um desafio para a Colômbia, o terceiro maior produtor do mundo, que enfrenta seus próprios desafios devido à estação chuvosa.
De acordo com a Federação Nacional dos Cafeicultores da Colômbia, a produção nacional de café em junho foi de 909.000 sacas, uma queda de 22% em relação ao mesmo mês do ano anterior, com dois meses consecutivos de queda.
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O analista do Bancolombia disse que, embora se possa esperar que o fechamento de 2025 supere o volume do ano anterior, o resultado será impulsionado principalmente pelos níveis de produção nos primeiros meses do ano no país.
De acordo com Clavijo, “o verdadeiro desafio será manter essa tendência em 2026, especialmente se as condições climáticas adversas persistirem”.
“Embora o índice oceânico do El Niño indique que estamos em uma fase de neutralidade climática, várias regiões produtoras da Colômbia enfrentaram fortes chuvas nos últimos meses. Essas condições afetaram tanto o desenvolvimento da safra, atrasando a colheita, quanto a infraestrutura rodoviária, dificultando o acesso às áreas de cultivo de café“, explicou.
Café mais caro nos EUA
Uma eventual tarifa de 50% sobre o café brasileiro afetaria principalmente os mercados de destino, e não o próprio Brasil, de acordo com Tomás Araujo, analista da StoneX.
“Isso resultará em custos mais altos de matéria-prima para os torrefadores dos EUA, que terão de repassá-los aos consumidores no produto final“, explicou.
Embora não preveja um impacto direto e imediato sobre os preços internacionais do café, ele advertiu que os efeitos de longo prazo podem incluir uma menor demanda por café arábica brasileiro e, consequentemente, preços mais baixos, embora as margens de exportação não devam sofrer alterações significativas.
Questionado sobre se uma tarifa dessa magnitude poderia alterar os fluxos de comércio global, Araujo disse que, “se essas tarifas forem mantidas, haverá uma mudança nos fluxos de comércio, resultando no aumento da demanda por substitutos, que podem incluir produtos da Colômbia, Peru, Vietnã, Indonésia e América Central“.
Entretanto ele observou que o Brasil é uma origem “grande demais” para que os Estados Unidos possam substituí-lo a curto ou médio prazo, de modo que não há uma alternativa real imediata para substituir seu café.
Com relação à possibilidade de o Brasil redirecionar sua produção para outros destinos, o analista da Stonex considerou que esse seria o cenário mais provável, especialmente para a Europa.
Naquela região, " a demanda de importação é mais estável e os importadores têm a opção de certificar e entregar o café contra o contrato futuro de Arábica da ICE“, explicou.
Van Dort concordou que “a oferta global de café continua restrita, de modo que o Brasil provavelmente redirecionará suas exportações para outros mercados onde ainda há demanda”.
Essa mudança reformularia os fluxos comerciais globais, e o café verde não brasileiro atualmente importado pelos EUA poderia ser substituído por grãos brasileiros em outros destinos.
No entanto ele enfatizou a incerteza política e comercial da medida de Trump. “Ninguém sabe se é uma postura política, uma estratégia de negociação ou algo mais concreto”, concluiu.