Inadimplência no agro força ‘acerto de contas’ no Banco do Brasil

Exposição elevada ao setor torna o BB mais sensível a choques regulatórios e perdas financeiras e levou a queda de R$ 4 bilhões em valor de mercado após mudança nas regras do BC

Tarciana Medeiros
Por Giovanna Belotti Azevedo - Martha Beck - Rachel Gamarski
27 de Maio, 2025 | 09:19 AM

Bloomberg — O domínio do Banco do Brasil em empréstimos para o agronegócio sempre foi visto como uma fortaleza. O banco responde por metade do financiamento que flui para o setor — uma vantagem competitiva em um país que, em linhas gerais, alimenta o mundo.

Mas as taxas de juros, que atingiram o patamar mais alto em quase duas décadas, e os sucessivos reveses nas colheitas deixaram os produtores rurais em uma situação difícil.

PUBLICIDADE

Eles entraram com pedidos de recuperação judicial no ritmo mais rápido já registrado em 2024, um sinal de crise que repercutiu em todo o setor e ainda não mostra sinais de reversão.

Para piorar a situação, uma nova regra do Banco Central agora obriga os bancos a provisionar as perdas esperadas e a parar de contabilizar os juros sobre empréstimos em atraso.

Leia mais: BB não vai desacelerar o crédito mesmo após ‘surpresa negativa’, diz CEO

PUBLICIDADE

O Banco do Brasil (BBAS3) historicamente era mais conservador do que seus pares, provisionando mais do que o necessário — mas isso mudou recentemente, à medida que buscava melhorar os lucros, de acordo com uma pessoa com conhecimento do assunto que falou com a Bloomberg News.

Quando a regra entrou em vigor em janeiro, atingiu duramente a carteira de empréstimos do banco para o agronegócio, de cerca de R$ 400 bilhões.

Um relatório da instituição mostrou que a inadimplência acima de 90 dias para empréstimos do agronegócio mais que dobrou, chegando a 3% — um número que o banco havia projetado para o ano inteiro, não para o primeiro trimestre.

PUBLICIDADE

O banco colocou em revisão seu guidance (projeção) sobre algumas das principais métricas, alegando que precisa de mais tempo para avaliar o cenário.

Leia também: Kepler Weber fecha maior contrato em 5 anos para planta de etanol de trigo no RS

Felipe Prince, vice-presidente de Riscos e Controles Internos do Banco do Brasil, disse em entrevista à Bloomberg News que o banco fez provisões “significativas”, mas a inadimplência ficou bem acima do esperado.

PUBLICIDADE

A reação do mercado foi brusca.

O maior banco estatal da América Latina perdeu cerca de US$ 4 bilhões em valor de mercado em 16 de maio, após divulgar os resultados do primeiro trimestre.

Banco do Brasil

A queda praticamente apagou o avanço que o Banco do Brasil tinha registrado neste ano, em meio a uma ampla recuperação das ações brasileiras.

As ações do banco agora sobem apenas 2% este ano, bem abaixo do Ibovespa; os pares Bradesco, Itaú e Santander subiram pelo menos 25% no período.

Os resultados do primeiro trimestre foram “piores do que o esperado, e acreditamos que a teleconferência de resultados não abordou todas as preocupações levantadas por investidores e analistas”, escreveu Eduardo Rosman, analista do BTG Pactual, em nota a clientes. Ele rebaixou a recomendação para a ação para neutra.

“O fato é que a deterioração foi pior do que o próprio BB havia indicado anteriormente e ainda não parece ter atingido o pico”, acrescentou.

Leia também: Gripe aviária desafia o agro brasileiro e coloca em risco mercado de US$ 4 bilhões

Pressão sobre a CEO

O resultado ruim é um problema para a CEO Tarciana Medeiros. Primeira mulher a liderar a instituição bicentenária, ela ocupa uma cadeira que tem sido tradicionalmente um reduto de partidos políticos, que nomeiam aliados de confiança para cargos importantes.

Medeiros sempre enfrentou críticas dentro do banco por priorizar políticas que não necessariamente estão ligadas à principal atividade, como a área de diversidade, disseram as pessoas, que pediram para não serem identificadas ao discutir assuntos particulares.

E os resultados ruins do primeiro trimestre afetaram sua imagem bem como a do banco, acrescentaram.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Medeiros discutiram os resultados do banco, disseram as pessoas. Ele foi informado de que os recursos do Plano Safra e da colheita melhorarão as perspectivas para o segundo semestre.

Lula não tem intenção de substituir a CEO, acrescentaram as pessoas, mas ela precisará reverter a situação o mais rápido possível — especialmente em um momento em que o governo enfrenta baixos índices de aprovação e resultados econômicos mistos.

Leia também: Com safra recorde, BB espera queda da inadimplência do agro, diz CEO

Em uma resposta por escrito à Bloomberg News, o BB afirmou: “A instituição reforça o seu comprometimento com as projeções financeiras divulgadas ao mercado, buscando fortalecer um quadro que reflita toda a pluralidade do nosso país como forma de ampliar o nosso olhar para identificar e construir soluções mais completas e oportunidades negociais. Ratificamos nossa crença de que diversidade e geração de valor não são excludentes. Pelo contrário, a diversidade é diferencial competitivo e alavanca de resultados”.

Novas regras

O BB financia cerca de 50% do setor do agronegócio, segundo o banco, segmento que representa cerca de 23% da economia. O agronegócio representa cerca de um terço de sua carteira de crédito total — significativamente maior do que a de seus concorrentes —, o que o torna mais exposto a novas regras contábeis.

A nova regra, anunciada pela primeira vez em 2021, tem o objetivo de alinhar os bancos do país aos padrões internacionais.

A norma impede os bancos de contabilizar juros sobre empréstimos a menos que sejam efetivamente pagos. Concorrentes como o Itaú, alguns dos quais já utilizavam a nova metodologia, tiveram impacto mínimo quando a regra entrou em vigor. Para o BB, isso resultou em uma redução de R$ 1 bilhão na receita.

Agora, os bancos também são obrigados a provisionar para perdas esperadas, que geralmente eram contabilizadas somente após um evento real de não pagamento.

Estresse financeiro

A qualidade dos ativos no portfólio do agronegócio — em que o BB é muito maior do que seus pares — continuou a se deteriorar ao longo do primeiro trimestre.

O segmento do agronegócio é muito peculiar, com muitos empréstimos reestruturados, períodos de carência e empréstimos com o chamado pagamento em bullet (pagamento único no vencimento).

Em teleconferência com analistas, Medeiros disse que o banco abriu conversas com o regulador para um “tratamento diferente” para a carteira agrícola, que tem “questões específicas”.

Esse, acrescentou, é um dos motivos pelos quais o guidance do banco está sob revisão, afirmando que “tudo depende de um possível ajuste”.

Procurado, o Banco Central não quis comentar.

O impacto das novas regras é muito particular ao mix de crédito de cada banco, e a grande exposição do Banco do Brasil ao setor o amplificou, de acordo com Raphael Nascimento, analista da Fitch Ratings.

“Há uma questão contábil, mas prejuízo é prejuízo”, disse Nascimento. “O agro está no seu pior momento dos últimos anos, e tem um nível de incerteza para os próximos trimestres.”

O Brasil produz cerca de quatro quintos das exportações mundiais de suco de laranja, metade das exportações de açúcar, mais de um terço das exportações de café e está entre os cinco maiores fornecedores globais de soja e milho usados ​​para alimentar galinhas poedeiras e outros animais.

Mas os produtores têm enfrentado dificuldades após anos de expansão impulsionada por dívidas, seguidos por uma queda nas principais safras e pelo aumento nas taxas de juros. Muitos assumiram altos níveis de dívida com taxas pós-fixadas para financiar investimentos em terras, máquinas e tecnologia.

O governo conta com uma super safra para trazer algum alívio. Mas isso por si só não será suficiente para cobrir as dívidas dos agricultores, considerando o alto endividamento durante os anos de expansão, especialmente diante das altas taxas de juros e da queda dos preços das commodities, disse Eduardo Nishio, analista da Genial Investimentos.

Práticas jurídicas que incentivam produtores a pedir recuperação judicial também se tornaram um problema, acrescentou Nishio. O segundo trimestre do BB deve ser tão ruim, ou pior, que o primeiro, disse ele.

A inadimplência acima de 90 dias para empréstimos do agronegócio na carteira do BB subiu para 3,04% no primeiro trimestre, ante 2,45% no trimestre anterior e 1,19% no ano anterior. O BB espera uma queda na inadimplência até o final do ano, disse Prince.

Os produtores precisam estar em dia com seus contratos de dívida para receber recursos do Plano Safra, do governo federal, que será anunciado em junho. Isso pode ajudar, disse Prince, embora tenha alertado que o grande número de pedidos de falência no setor pode impactar o processo.

“Vamos trabalhar bastante contra a inadimplência, mas vamos carregá-la até o final do ano”, disse ele.

Veja mais em bloomberg.com