Fiagros buscam recuperação após onda de inadimplência e crise da Agrogalaxy

Quebra da safra e redução dos preços de commodities trouxeram perdas para o setor; fundos de investimento ligados ao agronegócio agora tentam se recuperar de olho no aumento da produção e das exportações

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Bloomberg — Um produto de investimento arriscado que permite a pessoas físicas participarem do investimento do agronegócio brasileiro voltou aos holofotes após um ano marcado por perdas expressivas, falências e calotes.

Conhecidos como Fiagros, fundos de investimento de capital fechado com foco principalmente em investidores pessoa física atraíram uma onda de interesse do varejo desde o lançamento em 2021, crescendo até somar R$ 44,7 bilhões em ativos que financiaram desde gigantes do setor, como JBS e BRF, até pequenos produtores rurais.

Para os investidores, a atratividade dos Fiagros está no pagamento mensal de dividendos — isentos de Imposto de Renda para pessoas físicas em determinadas condições — e no potencial de valorização das cotas.

Já para o agronegócio, responsável por cerca de um quarto do PIB brasileiro, os Fiagros abrem novas fontes de financiamento. Mas o produto também envolve riscos relevantes, como oscilações nos preços das commodities, safras ruins e condições climáticas adversas.

Esses riscos se materializaram no ano passado, quando a variação nos preços das commodities, aliada à alta da Selic, desencadeou uma onda de inadimplência entre produtores e também à recuperação judicial da Agrogalaxy.

O ambiente de crédito mais restrito, impulsionado pela alta da taxa básica de juros, agravou ainda mais a falta de liquidez no mercado. Paralelamente, uma investigação federal sobre a venda de créditos de carbono abalou a confiança dos investidores.

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Na primeira metade deste ano, com a expectativa de uma safra recorde impulsionando a recuperação do setor agrícola, muitos Fiagros têm registrado retornos de dois dígitos, superando os principais índices de referência do mercado local, como o CDI e mesmo o Ibovespa.

Defensores do produto afirmam que os Fiagros podem se beneficiar, junto ao agronegócio brasileiro, do aumento das importações chinesas em meio às tensões comerciais com os Estados Unidos.

Ainda assim, a retomada é frágil: algumas cotas seguem sendo negociadas a menos da metade do valor original, refletindo a cautela persistente dos investidores. E mais de um terço dos Fiagros listados em bolsa relatam pelo menos um ativo em situação de atraso em seus portfólios, segundo dados compilados pela Bloomberg.

“Houve uma crise de liquidez, com quebra de safra e queda de preço”, segundo Tadeu Barreto, gestor de crédito estruturado da Itaú Asset.

“O setor de Fiagros está melhor, mas não é imune”, afirma José Carlos Vaz, professor e ex-secretário executivo do Ministério da Agricultura. “Estamos lidando com um mercado ainda em fase de formação e desenvolvimento.”

Guilherme Grahl, gestor de portfólio da Valora, afirma que as duas últimas safras foram fracas, mas o pior já pode ter ficado para trás.

Apesar de os indicadores financeiros ainda estarem debilitados, o cenário aponta para uma retomada. Segundo ele, “o humor mudou”. Os produtores estão mais confiantes, os distribuidores apresentaram resultado melhor, e esse desempenho deve começar a aparecer nos balanços nos próximos seis meses.

A produção de grãos se recuperou rapidamente das perdas causadas pela seca no ano passado e os agricultores já colhem uma safra recorde de soja. Além disso, a guerra comercial trouxe benefícios para segmentos estratégicos do agronegócio brasileiro.

As exportações de carne bovina para a China, por exemplo, cresceram 33% em maio na comparação com o mesmo mês do ano anterior, enquanto a soja brasileira tem ocupado cada vez mais o espaço do produto americano, impactado por tarifas mais altas — segundo carta do BB Fundo de Investimento de Crédito Fiagro Imobiliário, do Banco do Brasil.

Diante das tensões geopolíticas globais, a China segue diversificando suas cadeias de suprimento, e o Brasil desponta como parceiro estratégico, afirma Grahl. “As engrenagens estão rodando.”

Produtores de soja e milho devem continuar expandindo a área plantada, o que pode abrir novas oportunidades para os Fiagros. Só em 2025, mais de dez novos fundos foram lançados, e os Fiagros negociados na B3 mantêm, em conjunto, uma base de aproximadamente 550.000 investidores pessoa física.

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Investidores estrangeiros, institucionais e financeiros também passaram a atuar com mais força no setor, respondendo atualmente por 35% do volume negociado — um salto em relação aos menos de 20% registrados há um ano.

Atraídos pelos descontos expressivos, esses investidores, com maior apetite por risco e maior capacidade financeira, trouxeram liquidez ao mercado e ajudaram a reduzir os deságios nas cotas, num momento em que o investidor pessoa física se retraiu e buscava saída desses papéis.

Assessores de investimentos independentes e gestores de patrimônio também continuam ativos, segundo Marcio Takaya, sócio da Sparta.

Para os defensores dos Fiagros, há espaço para que esses fundos ganhem relevância no financiamento do agronegócio, já que atualmente representam cerca de 10% do crédito originado no mercado de capitais.

O Plano Safra — programa do governo federal que define o montante total de crédito para o setor, incluindo linhas subsidiadas — sempre fica aquém das necessidades totais de financiamento do agronegócio, segundo Octaciano Neto, veterano do setor e fundador da consultoria Zera.

Nesse contexto, entram Fiagros como o Kawá, dedicado ao financiamento de 1.200 pequenos produtores de cacau nos estados da Bahia e do Pará, no norte do Brasil.

O fundo de R$ 30 milhões, lançado neste ano, foi estruturado com princípios ESG em seu núcleo, segundo Victoria de Sá, sócia-fundadora da Vert Securitizadora, responsável pela administração do fundo. “O Fiagro é um dos veículos mais promissores para o financiamento sustentável no setor do agronegócio”, afirmou.

Apesar da melhora nas perspectivas, as lembranças de 2024 ainda estão muito presentes na mente dos investidores — e as preocupações persistem.

A recuperação judicial da Agrogalaxy (AGXY3), em setembro, provocou uma onda de vendas e efeitos colaterais até mesmo em fundos sem exposição direta à empresa, em meio a uma série de falências entre produtores rurais.

No ano passado, o Brasil registrou 1.272 pedidos de recuperação judicial por parte de produtores rurais e empresas do setor. Embora esses números continuem em alta, Marcelo Pimenta, diretor de agronegócio da Serasa, destaca que os casos representam apenas uma pequena fração das 1,4 milhão de operações de crédito registradas no mesmo período.

Cerca de 80% das empresas que concluíram seus processos de recuperação judicial no primeiro trimestre de 2025 voltaram à ativa — uma taxa que reforça a ferramenta como um instrumento legítimo para superar crises, afirma Rodrigo Gallegos, sócio da RGF e especialista em reestruturação.

Para José Carlos Vaz, os Fiagros oferecem oportunidades de ganho, mas o mercado ainda precisa amadurecer. Em sua visão, o setor deve alcançar maior escala e atrair mais capital internacional.

Convencer o investidor pessoa física a participar também segue sendo um desafio já que o brasileiro, segundo ele, é conservador e pouco acostumado a assumir risco de crédito. Ainda assim, o retorno pode compensar.

“O melhor risco privado que tem no Brasil é o agronegócio, mas está sujeito a climas e pragas”, afirma Vaz. “Quem aguentar o tempo e esperar as renegociações, receberá” o retorno.

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