Exportadores de frutas do Vale do São Francisco temem ‘colapso’ com tarifa dos EUA

Produtores de frutas ouvidos pela Bloomberg Línea relatam um cenário ‘catastrófico’ diante da possível tarifa dos EUA; o Vale do São Francisco é o principal polo frutícola do país

Preparo mangas da Agrodan
14 de Julho, 2025 | 01:43 PM

Bloomberg Línea — “A fruta vai virar lama”, disse o empresário Silvio Medeiros, da fazenda Agrobras, sobre o potencial reflexo da imposição das tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros no mercado dos Estados Unidos, sobretudo na fruticultura.

O alerta de Medeiros ecoa entre outros produtores do Vale do São Francisco, principal polo frutícola do país.

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Por lá, a chegada das tarifas é vista como uma potencial “catástrofe”, capaz de provocar um colapso econômico no setor, diante da alta dependência da região que produz frutas em relação ao mercado americano.

Leia também: Agro sob risco: tarifa de 50% dos EUA ameaça exportações e eleva custos no Brasil

Medeiros produz uva e manga com foco para a exportação - cerca de 80% com destino para os EUA.

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“Isso é um bloqueio de mercado. Não tem como exportar com essa taxação”, disse Medeiros à Bloomberg Línea.

Os exportadores de frutas da região, assim como entidades de café, suco de laranja e carne bovina, pedem uma resposta diplomática urgente do governo brasileiro para tentar evitar os danos.

Em nota, a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) classificou as tarifas como “um golpe duro” e alertou que a medida impactará diretamente cerca de 200 mil empregos diretos na fruticultura nordestina.

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“A fruticultura brasileira quer continuar exportando seus produtos para os EUA e, certamente, os importadores americanos desejam contar com nossas frutas para complementar o abastecimento do varejo, em um modelo de negócio ganha-ganha”, disse a Abrafrutas, em nota.

Ao lado do suco de laranja, as exportações de manga e de uva também serão duramente afetadas pelas sobretaxas.

Essa preocupação está relacionada, ainda, à importância do comércio de frutas entre Brasil e Estados Unidos, que movimentou US$ 148 milhões em 2024.

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Só as exportações de manga somaram 258,3 mil toneladas, das quais 36,8 mil toneladas foram destinadas aos Estados Unidos em 2024, segundo a Abrafrutas.

No auge da safra

A produção de manga no Vale São Francisco é focada no segundo semestre, que marca o auge das exportações para os EUA e para a Europa, em que chega inverno e a produção local é escassa.

O período vai de encontro justamente com o início da vigência das tarifas de Trump contra o Brasil.

Produção de manga da Agrodan

O Vale do São Francisco envia de 700 a 800 contêineres de manga e uva por semana nessa época do ano, divididos meio a meio entre Europa e Estados Unidos, segundo os exportadores consultados pela Bloomberg Línea.

“O navio que sai agora no sábado já não chega a tempo de escapar das tarifas. O impacto é imediato”, afirmou Medeiros.

Para Paulo Dantas, diretor-presidente da Agrodan, uma das maiores produtoras e exportadoras de manga do país, mesmo quem exporta predominantemente para a Europa sofrerá com a mudança do mercado. Na Agrodan, a maior parte da produção é destinada a esse continente.

“Se os EUA fecharem [o mercado], todo o volume será redirecionado para o mercado interno e para a Europa. Nenhum desses mercados tem capacidade de absorver isso. Vai ser uma quebradeira geral.”

Sem rota alternativa

A logística também é um entrave para os fruticultores.

Isso porque as frutas são altamente perecíveis, e o prazo máximo entre o embarque e a chegada ao destino é de cerca de 15 dias.

“Nós só conseguimos alcançar Europa e EUA com fruta fresca. Ásia não dá por causa do tempo. E o mercado interno não tem tamanho para absorver esse volume nem capacidade de pagar o preço justo”, disse Medeiros.

Há ainda o temor de que contratos firmados anteriormente não sejam cumpridos, o que pode agravar a situação financeira das empresas que tomaram adiantamento de câmbio com base nessas exportações.

“Como vamos liquidar os contratos se não conseguimos exportar?”, questiona Medeiros.

Pressão por ação diplomática

Os exportadores pedem uma resposta imediata e diplomática do Itamaraty e do Palácio do Planalto para tentar uma exceção tarifária para o Vale do São Francisco, que, segundo eles, terá um impacto regional desproporcional.

Para Dantas, o tom combativo adotado pelo governo brasileiro não tem ajudado no andamento das negociações.

“Numa briga com uma potência, quem perde é o lado mais fraco. O Brasil não pode comprar essa briga. Precisa de acordo, não de confronto.”

Outros produtos na mira

Além do polo frutícola, exportadores de carne bovina, suco de laranja, etanol, açúcar e produtos florestais também estão preocupados com a imposição de tarifas de 50% a partir de agosto.

“Tarifar o café é um jogo de perde-perde. É uma commodity que os EUA não produzem, e o Brasil é responsável por cerca de um terço das importações norte-americanas. Substituir esse volume no curto prazo é quase impossível”, afirmou Robson Gonçalves, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), em entrevista à Bloomberg Línea na semana passada.

Para Guilherme Morya, analista de café do Rabobank, países como Colômbia, Honduras, Etiópia e Vietnã podem ganhar espaço nas exportações para os EUA, especialmente em um cenário de estoques globais apertados.

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Naiara Albuquerque

Formada em jornalismo pela Fáculdade Cásper Líbero, tem mestrado em Ciências da Comunicação pela Unisinos, e acumula passagens por veículos como Valor Econômico, Capricho, Nexo Jornal e Exame. Na Bloomberg Línea Brasil, é editora-assistente especializada na cobertura de agronegócios.