Bloomberg Línea — Não é novidade que a disparada do preço do cacau se tornou um teste de eficiência para as maiores fabricantes de chocolate do mundo (e também para o bolso dos consumidores).
Para a americana Mars Wrigley, dona das marcas M&M’s, Snickers, Twix e Skittles, a resposta para contornar essa alta nos preços passa pelo Brasil.
Com 70% da matéria-prima utilizada no país sendo de origem nacional, a companhia tem reforçado investimentos em pesquisa e genética para fortalecer a produção local e garantir o fornecimento da commodity.
A dependência do mercado interno no insumo fundamental deve crescer nos próximos anos, disse em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea a General Manager da Mars no Brasil, Adriana Hartmann.
Segundo a executiva, o Brasil está entre os dez maiores mercados globais da Mars e há espaço para crescer ainda mais a partir de tendências como o chamado snackification (ou refeições em formato de lanches rápidos).
Hartmann chegou à empresa em abril de 2023 e lidera a divisão de chocolates, balas e snacks no país.
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“O Brasil é uma célula de crescimento rápido. Dobramos o tamanho do negócio nos últimos quatro anos e a intenção é seguir nesse ritmo”, disse a executiva.
Além de chocolates, a Mars também tem marcas de ração animal, como a Royal Canin e a Pedigree, adquiridas em 2002 e 1935, respectivamente.
Em 2024, a empresa anunciou a aquisição da Kellanova, dona das marcas Pringles e Pop‑Tarts, por US$ 36 bilhões. No Brasil, a Kellanova (anteriormente Kellogg Company) detém marcas de cereais como Sucrilhos e a Corn Flakes. A transação ainda depende da aprovação regulatória na União Europeia.
Para Hartmann, o modelo de capital fechado da Mars tem sido crucial para atravessar períodos de maior volatilidade e manter a consistência da operação.
Segundo a executiva, a estratégia pensada e executada para o país é feita de forma a ser ancorada’ em princípios da empresa, que envolvem qualidade, responsabilidade, mutualidade, eficiência e liberdade.
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“Em empresas de capital aberto, e eu já trabalhei em várias delas, às vezes são tomadas decisões muito direcionadas ao P&L [demonstração de resultados]. Na Mars, a decisão é de longo prazo.”
Confira a seguir a primeira parte da entrevista de Adriana Hartmann, General Manager da Mars no Brasil, editada para fins de clareza:
Qual a relevância do mercado brasileiro para a Mars?
O Brasil é um dos top 10 mercados da Mars no mundo. O nosso papel é crescer em vezes, não em percentuais. Dobramos o tamanho do negócio nos últimos quatro anos e a intenção é seguir nesse ritmo.
O Brasil tem mercado consumidor para isso, mas sempre do jeito Mars: com consistência, parceria com clientes e cuidado com o consumidor. E aqui está o brilho de ser uma empresa privada: é menos sobre ciclos de curto prazo e mais sobre construir para gerações. Fazer com fundamento e base sólida.
Há um plano de expansão para a capacidade produtiva no país?
Sim. Hoje produzimos no país todas as marcas que vendemos aqui, com exceção de Skittles, que importamos da Europa. As fábricas têm capacidade para crescer.
A Mars investe muito nas nossas instalações para preparar os mercados para expansão. Fizemos um investimento grande [de R$ 500 milhões] em 2019 na fábrica da Snickers [em Guararema, SP] e seguimos investindo continuamente. As linhas são modulares e já nascem prontas para expansão.
A produção brasileira atende apenas o mercado interno?
Não. Atendemos também a Ásia e alguns países da América Latina. Também já atendemos o Oriente Médio. A Mars tem uma lógica de ‘local para o local’, mas sempre avaliando qual fábrica pode atender determinados formatos e produtos. Hoje, por exemplo, o Snickers produzido aqui abastece alguns mercados asiáticos.
Como a Mars enfrentou a alta histórica dos preços do cacau?
A posição de preço atual ainda é o dobro ou o triplo do histórico. Foi um pico da commodity o que vivemos.
E aqui o fato de sermos uma empresa privada ajudou muito. Navegamos com tranquilidade. Claro que o efeito é para todos: o impacto no custo do principal ingrediente é brutal.
Não dá para recuperar rentabilidade rapidamente, mas também não tomamos decisões erradas. O mercado repassou parte do aumento ao consumidor, mas há um custo enorme ainda na cadeia. A expectativa é que o preço volte, talvez não aos patamares anteriores, mas a um ponto mais saudável para todos os elos.
Qual o volume de produção da Mars no país que depende do cacau brasileiro?
Mais de 70% do nosso volume hoje é de cacau do Brasil. Mantemos uma parte importada por estratégia de diversificação de fontes, mas o país tem tudo para chegar perto de 100% em breve. Vejo com muito otimismo o papel do Brasil em construir o futuro sustentável da cadeia. O agro brasileiro é referência mundial, e esse conhecimento pode ser aplicado também no cacau.
O que impulsiona o crescimento das marcas no Brasil?
Os formatos de barra, especialmente Snickers, são os que mais crescem. Existe uma tendência global de snackification, com refeições menores e o consumo ‘on the go’ [para viagem]. Snickers se conecta exatamente com isso.
Os principais formatos no Brasil ainda são tablets e caixas de bombom, mas atuamos em segmentos mais progressistas. A velocidade de crescimento da penetração é impressionante: hoje, 30% dos lares brasileiros já consomem Snickers.
M&M’s tem uma jornada de conexão com a Geração Z, com foco em experiência e coolness. Twix é uma marca muito querida, mas ainda pequena, com potencial enorme.
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