Bloomberg Opinion — “O futebol une o mundo”, segundo o lema da Fifa. A entidade que rege o esporte mundialmente tem feito algum progresso para alcançar esse objetivo com uma política de ingressos para a Copa do Mundo que provocou uma cacofonia quase universal de indignação.
Os torcedores podem ter razão em ver uma “traição monumental” nos preços para o torneio de 2026, que em alguns casos são 10 vezes maiores do que o prometido. Mas eles não deveriam se surpreender. A jornada do futebol de patrimônio cultural comum a fonte de renda comercial está em andamento há décadas — e quem esperava que a entidade sediada em Zurique, responsável pela custódia do esporte, moderasse essa mudança não estava prestando atenção.
Na terça-feira (16), a Fifa (Fédération Internationale de Football Association), respondeu à reação negativa dizendo que disponibilizaria ingressos de US$ 60 para todos os jogos do evento do ano que vem, que será coorganizado por Estados Unidos, México e Canadá.
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É uma concessão simbólica. O lote de ingressos mais baratos representará um décimo da cota distribuída às federações individuais, que recebem 8% dos ingressos para cada partida que suas seleções disputam. Portanto, esses ingressos mais baratos representarão menos de 2% do total.
No entanto, eles serão bem-vindos pelos poucos membros leais da federação que terão a sorte de assistir à sua equipe sem precisar hipotecar a casa ou vender os filhos. Quanto ao resto, é uma história diferente.
O ingresso mais barato para um dos jogos da Inglaterra na fase de grupos custa US$ 202 — quase 10 vezes o preço base de US$ 21 indicado no documento de licitação publicado em 2018. Quer assistir à final de 19 de julho no MetLife Stadium, em Nova Jersey? O ingresso oficial mais caro custará US$ 8.680, ou mais de cinco vezes o valor equivalente dos ingressos da Copa do Catar em 2022.
Para os torcedores estrangeiros, acrescente o custo dos voos para a América do Norte e entre as cidades-sede, e esta será uma viagem que seu saldo bancário vai lembrar por muito tempo.
Os cortes de preços da Fifa são um reconhecimento de que ela avaliou mal a força da reação dos torcedores e representam uma tentativa de reparar os danos à imagem pública. Mas sua política de ingressos foi um erro de cálculo comercial? Claramente não.
A resposta óbvia a um produto superfaturado é uma greve dos compradores — e os fóruns de discussão no Reino Unido estão cheios de comentários de torcedores irritados pedindo um boicote à Copa do Mundo.
Isso não vai acontecer. A Fifa recebeu 20 milhões de pedidos de ingressos até agora e está apenas na segunda de três fases de vendas. A capacidade total para os 104 jogos em 16 cidades é de cerca de 7 milhões de assentos — sem subtrair os reservados para autoridades, patrocinadores corporativos e pacotes de hospitalidade. Este torneio já está com uma procura muito superior à oferta.
Sempre foi assim. Os EUA são o mercado esportivo mais lucrativo e comercialmente desenvolvido. A venda de ingressos é considerada uma fonte de receita e não carrega o peso das obrigações de equidade social que existe nas nações tradicionais do futebol da Europa e da América do Sul.
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Além disso, a Fifa está em uma missão de crescimento. A organização impôs uma Copa do Mundo de Clubes amplamente expandida e sediada nos EUA em um calendário esportivo já saturado neste verão, atraindo críticas por colocar os interesses comerciais à frente do bem-estar dos jogadores.
Ainda assim, o evento, vencido pelo Chelsea, da Inglaterra, ajudou a reforçar a projeção da Fifa de US$ 13 bilhões em receita para os quatro anos até 2026 — um salto de mais de 70% em relação ao período anterior.
Por que uma organização sem fins lucrativos precisa ter como meta um crescimento tão vertiginoso é uma boa pergunta. Mas há muitos outros enigmas sobre a Fifa, como: por que ela ainda é administrada como uma república das bananas mais de uma década após uma limpeza de corrupção impulsionada pelos EUA? Por que o presidente Gianni Infantino tem uma relação tão estranhamente próxima com o presidente Donald Trump?
Infantino concedeu o prêmio inaugural da paz da Fifa a Trump este mês — um prêmio para o qual nenhum critério de indicação, seleção ou avaliação foi publicado. Grupos de direitos humanos buscaram esses detalhes em vão.
Em uma entrevista concedida em novembro no America Business Forum, em Miami, Infantino disse sobre Trump: “Todos nós devemos apoiar o que ele está fazendo, porque acho que ele está indo muito bem”, violando as regras da Fifa sobre neutralidade política.
A Fifa enche suas publicações com homenagens à inclusão, mas suas políticas de ingressos falam mais alto do que esse discurso corporativo de LinkedIn.
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As associações europeias e sul-americanas estão mais conscientes das raízes da classe trabalhadora no futebol e seriam mais propensas a definir uma política de ingressos que preservasse o acesso dos torcedores de baixa renda. Mas elas carecem de influência.
A Fifa opera com base no princípio de uma associação, um voto — portanto, Curaçao, com uma população de 155 mil habitantes, tem o mesmo número de votos que a Alemanha, com 84 milhões de habitantes e 6,6 milhões de jogadores de futebol registrados (em todos os níveis).
Controlar a Fifa é uma questão de construir apoio entre as nações menores, que são mais dependentes de suas distribuições do que os grandes países com ligas profissionais ricas em receitas.
Há pessoas mais do que suficientes capazes e dispostas a pagar os preços que a Fifa estabeleceu para a Copa do Mundo de 2026. Mais uma vez, nenhuma surpresa: a Copa do Mundo de 1994, realizada nos Estados Unidos, estabeleceu recordes de público que ainda não foram quebrados — e o esporte é muito mais popular lá agora, dado o crescimento da Major League Soccer (MLS). Há todos os motivos para esperar que 2026 seja um sucesso semelhante.
No entanto, pode ser uma experiência mais insípida. O que se perde quando se exclui os torcedores de base é a paixão e a lealdade tribal que, para muitas pessoas, tornam o futebol tão atraente de assistir.
As despesas não são a única razão pela qual os torcedores estrangeiros podem querer ficar longe — há também o clima e um aumento geral da hostilidade do governo dos EUA em relação aos estrangeiros. Se tudo isso o incomoda, faça o que este colunista planeja fazer: fique em casa e assista pela TV.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Matthew Brooker é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios e infraestrutura. Foi editor da Bloomberg News e do South China Morning Post.
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