Famílias bilionárias investem mais no setor de defesa com risco geopolítico em alta

Setor de defesa se tornou um dos grandes negócios do ano e tem atraído mais capital de family offices globais com a intensificação de conflitos militares e a erosão da ordem mundial liderada pelos EUA

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Bloomberg — A família Michels passou mais de seis décadas construindo gasodutos, aeroportos e barreiras costeiras por meio da empresa de engenharia que leva seu nome, sediada em Wisconsin.

Mais recentemente, o braço de investimentos privados dos bilionários donos da Michels Corp. ampliou o foco no setor de defesa, inspirado tanto pelo serviço militar do patriarca do grupo, já falecido, quanto pelo aumento expressivo da demanda.

O family office fez diversos investimentos de milhões de dólares nos últimos anos na indústria, aportando recursos em fundos temáticos e apoiando startups que desenvolvem produtos como caças autônomos e tecnologias anti-drone.

Isso colocou o grupo na linha de frente de uma tendência crescente entre famílias ricas de investir em defesa — um setor que muitas vezes era evitado por elas em períodos menos belicosos.

“Somos um family office disposto a mudar de rota e olhar para qualquer tipo de mercado final se houver retorno”, disse Tony Tagliapietra, diretor de investimentos do family office, cuja primeira aposta direta em tecnologias de defesa foi, em 2021, na Shield AI.

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Com conflitos militares se intensificando em várias frentes e com a erosão da ordem mundial tradicional liderada pelos Estados Unidos, o setor de defesa se tornou um dos grandes negócios do ano.

O índice S&P 500 Aerospace & Defense, que inclui empresas do segmento listadas na bolsa americana, subiu 34% no ano, enquanto o índice equivalente europeu disparou 75%.

No segundo trimestre de 2025, mais de US$ 19 bilhões em venture capital foram destinados a startups ligadas à defesa, segundo dados da Pitchbook — um salto de 200% em relação ao ano anterior.

Family offices têm sido uma fonte essencial desse capital, já que costumam ter liberdade de ação maior, tolerância ao risco e, com frequência, um viés nacionalista.

Pelo menos um quinto dos 500 indivíduos mais ricos do mundo hoje têm um family office, encarregado de preservar fortunas que somam mais de US$ 4 trilhões, segundo o Bloomberg Billionaires Index.

Entre eles está Peter Thiel, cujo family office adquiriu uma participação na startup alemã de drones de defesa Stark neste ano, em uma rodada liderada pela gigante do Vale do Silício Sequoia Capital.

“Os primeiros da minha lista são os family offices”, disse Ian Winer, fundador da gestora de investimentos em tecnologia de defesa Center15 Capital. “Eles estão cada vez mais sofisticados.”

Sinal de alerta

Outros membros da elite global que ampliaram suas apostas em defesa neste ano incluem a família bilionária por trás da Porsche e da Volkswagen, que reverteu a postura de financiar apenas produtos civis e criou uma plataforma para investir em startups de defesa.

A Flat Capital AB, empresa de investimentos do cofundador da Klarna Group, Sebastian Siemiatkowski, também expandiu sua estratégia para o setor. Um veículo de investimento do cofundador do Spotify, Daniel Ek, financiou a Helsing, fabricante alemã de tecnologia militar baseada em IA que hoje é a startup de defesa mais valiosa da Europa.

Bilionários cujas fortunas principais estão ligadas ao setor bélico também têm registrado ganhos consideráveis.

O patrimônio líquido de Michal Strnad, do Czechoslovak Group, aumentou mais de 60% no ano, chegando a US$ 15 bilhões e elevando-o às primeiras posições do ranking de riqueza da Bloomberg.

A fortuna de Christian Hadjiminas, fundador da Theon International, alcançou cerca de US$ 1,4 bilhão, à medida que as ações da fabricante de equipamentos de visão noturna sediada no Chipre subiram 120% no ano.

O setor de defesa atrai family offices por vários motivos, e o cenário macroeconômico atual é, sem dúvida, favorável. Países da Otan, especialmente na Europa, correm para ampliar seus orçamentos de defesa após a invasão da Ucrânia pela Rússia deixar claro que seria necessário gastar mais.

“É um alerta”, disse Dan Holland, diretor de operações da gestora de venture capital Shield Capital e ex-oficial da Marinha. “Há uma mudança real de mentalidade.”

Os valuations no setor europeu de defesa recuaram após atingirem, em junho, mais de 32 vezes o lucro futuro estimado, mas ainda são negociadas com prêmio em relação ao mercado mais amplo da região — o que alimenta receios de preços excessivamente elevados.

Algumas famílias são motivadas, em parte, por patriotismo e pelo desejo de promover os interesses de seus países. Mas a expansão contínua do setor — de robótica a tecnologia espacial, hipersônica e inteligência artificial — tem atraído family offices em busca de apostas arrojadas em áreas de alto risco.

Os investimentos em defesa “aparecem em 10% a 20% das conversas” com clientes, disse Ahmed Husain, chefe global de family offices na Neuberger Berman. “Cinco anos atrás, não aparecia.”

Famílias com raízes empreendedoras tendem a lidar melhor com riscos concentrados do que instituições como fundos de pensão.

Executivos próximos a family offices dizem que gerações mais jovens, em especial, têm interesse em tecnologias de ponta, impulsionadas pelo sucesso das chamadas empresas de dupla aplicação — aquelas que desenvolvem produtos com usos civis e militares — como Palantir Technologies e Anduril Industries.

A empresa de construção de energia e infraestrutura da família Michels é liderada por Patrick Michels, filho do veterano do Exército dos EUA Dale Michels, que fundou a companhia em Brownsville, Wisconsin, em 1959.

Os proprietários têm patrimônio combinado de pelo menos US$ 7 bilhões, segundo o índice da Bloomberg. Um representante da família preferiu não comentar a estimativa.

Riscos de reputação

Para algumas famílias, investir em defesa é um princípio guiado por valores, visto como parte do componente “social” na estrutura ESG — sigla para ambiental, social e governança — que enfrentou resistência mais ampla no último ano.

Para outras, o conceito de ESG exclui qualquer investimento em empresas que produzam armas ou produtos potencialmente danosos a civis. Alguns family offices — como o do magnata britânico de transporte Brian Souter, cristão e pacifista — evitam conscientemente o setor.

Aqueles que investem em defesa podem enfrentar riscos reputacionais. Alguns artistas, como a banda britânica de trip hop Massive Attack, retiraram suas músicas do Spotify depois que Ek fez seu último investimento na Helsing em junho, e alguns usuários da plataforma afirmaram que cancelaram suas assinaturas em protesto.

A avaliação da Helsing, empresa da qual Ek é presidente do conselho, multiplicou-se por 30 desde que o bilionário sueco investiu nela pela primeira vez em 2021 — evidenciando os retornos potencialmente lucrativos no setor.

Há também riscos inerentes a um mercado relativamente pequeno, como oportunidades limitadas de saída e dificuldade para encontrar bons negócios.

O resultado é um setor muitas vezes dominado por investidores ligados a ex-militares ou governos, além de grandes fabricantes tradicionais como a Lockheed Martin.

Algumas startups fundadas nos últimos anos, como a Stark — apoiada por Thiel —, enfrentaram contratempos em testes militares, levantando dúvidas sobre o nível de prontidão das empresas de defesa apoiadas por venture capital.

A firma de investimentos da família Michels busca reduzir esses riscos evitando rodadas Seed e priorizando empresas que já geram caixa em suas apostas em defesa. Os aportes nesse tipo de empresa ainda representam uma fatia pequena do portfólio total, mas isso provavelmente vai mudar.

“Vemos essa participação aumentando ou diminuindo? Eu diria que aumentando”, afirmou Rob Haugen, managing director de investimentos de capital privado da família. “Especialmente se tivermos uma saída realmente boa.”

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