Ele ergueu um dos hedge funds ícones de Wall St. Agora avança com a sucessão

Há mais de três décadas no comando da Millennium, Israel ‘Izzy’ Englander, aos 77 anos, vendeu pela primeira vez cerca de 15% de participação a clientes, executivos seniores e investidores, segundo fontes que falaram com a Bloomberg News

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Bloomberg — Por mais de três décadas, Israel “Izzy” Englander manteve firme o controle sobre seu império de hedge funds, a Millennium Management. Agora, aos 77 anos, ele está pronto para reduzir um pouco — ainda que só um pouco — o domínio sobre a gestora, que administra mais de US$ 79 bilhões.

Pela primeira vez, o bilionário vendeu uma pequena fatia da Millennium — cerca de 15% — a clientes de longa data, executivos seniores e investidores de alto patrimônio, segundo pessoas com conhecimento do assunto que falaram com a Bloomberg News.

A venda avalia a empresa em cerca de US$ 14 bilhões, disseram as fontes, que pediram anonimato por se tratar de informações privadas.

O movimento representa um reconhecimento tácito de que a firma um dia seguirá sem Englander, cuja abordagem implacável de gestão de risco — em que até uma pequena perda pode custar o emprego de um gestor de portfólio — ajudou a levar a Millennium ao topo de Wall Street.

“Ao atribuir um preço de mercado à empresa, Izzy Englander está, de certa forma, ‘precificando sua obra de vida’”, disse Bruno Schneller, managing director do multifamily office Erlen Capital Management.

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Segundo pessoas próximas à Millennium, Englander não tem planos de se afastar tão cedo. Ainda assim, o movimento marca um ponto de virada para um gigante entre os fundos hedge — uma figura que está entre os nomes mais influentes do setor e que, junto com Ken Griffin, da Citadel, ajudou a transformar a forma como esses fundos administram dinheiro atualmente.

Ao vender participações para a nova geração de executivos, Englander “garante que a cultura e a governança da Millennium sobrevivam ao fundador — o que é o problema mais difícil de resolver nesse setor”, afirmou Schneller.

A inclusão de várias grandes instituições no negócio deve ajudar a assegurar a longevidade da Millennium, reforçando laços com alguns dos investidores que acompanham Englander há anos.

A Millennium contratou a Petershill, que pertence ao Goldman Sachs, para avaliar a empresa e ajudar a encontrar compradores, incluindo entre seus clientes de alto patrimônio e family offices.

Os fundos da Petershill levantaram cerca de metade do valor necessário. O restante veio diretamente de clientes atuais da Millennium.

Plataformas de investimento de UBS, Morgan Stanley, Merrill Lynch (do Bank of America), Rockefeller Capital Management e JPMorgan Chase também participaram da operação, segundo algumas fontes.

Não está claro quais outros grandes investidores compraram fatias da Millennium. A Autoridade de Investimentos de Abu Dhabi (ADIA), presidida pelo xeque Tahnoon bin Zayed Al Nahyan, membro da família real de Abu Dhabi, decidiu não adquirir participação na gestora, segundo outras pessoas com conhecimento do assunto.

Representantes da ADIA e da Millennium não quiseram comentar.

Low profile e self made man

Mesmo no reservado mundo dos fundos hedge, Englander sempre manteve perfil discreto. Mas, dentro do setor, sua trajetória é lendária. Filho de imigrantes poloneses, ele cresceu em um bairro modesto do Brooklyn e começou a negociar ações ainda no ensino médio.

Entrou em Wall Street com recursos limitados e se apaixonou tanto pelo mercado que abandonou o MBA noturno. Comprou uma cadeira na American Stock Exchange (AMEX) e, em 1989, fundou a Millennium com um conhecido da bolsa.

Hoje, a Millennium administra recursos de algumas das maiores instituições do mundo — fundos soberanos e fundos de pensão entre eles.

O fundador, porém, valoriza sua privacidade e evita entrevistas e conferências, nas quais outros grandes nomes do setor costumam discursar sobre temas que vão de política monetária a universidades da Ivy League e às divisões políticas dos Estados Unidos.

Englander prefere viajar em seu jato particular entre os Estados Unidos e a Europa, especialmente a França, onde possui duas casas — e onde, segundo contam, compra seus óculos artesanais em uma loja perto do Palais Royal, em Paris.

Mesmo dentro da Millennium, Englander é menos visível do que outros fundadores de fundos bilionários.

Ainda assim, é o arquiteto da rigorosa abordagem da empresa para gerir recursos e participa ativamente das principais decisões — da venda de participações e outras estratégias de negócio à contratação e demissão de executivos-chave.

Independentemente do que o futuro reserve à Millennium, Englander já deixou uma marca duradoura em todo o setor.

Ele foi o pioneiro do modelo de multiestratégia e multigestores, no qual o dinheiro é distribuído entre dezenas de equipes e aplicado em inúmeros mercados — evitando grandes apostas direcionais — para que nenhum investimento isolado determine o sucesso ou o fracasso do fundo.

Ele também transferiu todos os custos para os investidores, outra inovação que permitiu à Millennium e a seus concorrentes continuar a crescer.

‘Pods’ de investimento

Hoje, a Millennium tem mais de 330 “pods” (células) de investimento — pequenos times que fazem apostas calibradas em tudo, de preços do petróleo a índices de ações. A empresa emprega cerca de 6.400 pessoas em mais de 140 localidades — o dobro da equipe da Citadel, de Ken Griffin.

Com recursos alavancados, o total de ativos da Millennium chegou a US$ 571 bilhões no fim do ano passado.

A gestora também tem ampliado o escopo para além das operações tradicionais de hedge fund.

Está em fase de captação de US$ 5 bilhões para um novo fundo voltado a investimentos em mercados privados e criou uma joint venture com a WorldQuant, de Igor Tulchinsky, que antes administrava recursos exclusivamente para a Millennium.

As ideias de Englander revolucionaram o setor.

Hoje, fundos multigestores empregam cerca de um terço de todos os profissionais da indústria de hedge funds, segundo um estudo recente do Goldman Sachs. E, pelo nível de alavancagem que utilizam, respondem por cerca de um terço do volume médio diário de negociações de ações nos Estados Unidos, segundo o banco.

A estratégia de Englander tem trazido resultados consistentes para a Millennium e seus clientes.

O fundo gera retornos anualizados de cerca de 14%, independentemente das condições do mercado. Só teve prejuízo em um único ano — 2008, durante a crise financeira global, quando caiu modestos 3,5%. Em mais de dois terços de sua história, rendeu pelo menos 10% a cada ano.

Englander já havia cogitado vender parte da Millennium antes.

Em 2011, quando estava na casa dos 60 anos e a firma administrava cerca de US$ 11 bilhões, ele chegou a negociar a venda de 20% para a Foundation Capital Partners, de Connecticut, por até US$ 500 milhões. O negócio acabou não acontecendo.

Cerca de uma década depois, a empresa conversou com a Blackstone, segundo fontes, mas as tratativas também não avançaram.

Por volta dessa época, quando a Millennium já administrava US$ 30 bilhões, Englander começou a planejar o futuro de forma mais estruturada.

Em 2015, criou um conselho fiduciário que indicaria um sucessor caso ele ficasse incapacitado. No ano seguinte, contratou Bobby Jain, do Credit Suisse, como seu primeiro co-diretor de investimentos (co-CIO).

Mas Englander ainda não estava pronto para abrir mão de uma fatia da empresa. Essa decisão custou-lhe um potencial sucessor: em 2017, Michael Gelband, amplamente visto como o herdeiro natural, deixou a Millennium para fundar a ExodusPoint Capital — nome que refletia o desejo de se libertar da sombra de Englander.

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No fim de 2022, foi a vez de Jain sair para criar sua própria gestora, a Jain Global. Englander então promoveu uma nova reestruturação na liderança.

Criou um “escritório do diretor de investimentos”, composto por quatro ex-executivos do Goldman Sachs. Justin Gmelich e Paul Russo tornaram-se co-CIOs (Russo também chefia o risco de ações global).

Scott Rofey passou a supervisionar juros, macro e commodities; e Jeff Verschleiser ficou responsável por crédito e hipotecas. Englander também promoveu Ajay Nagpal, que acumulou o cargo de presidente com o de diretor de operações (COO).

“Dado o tamanho e a escala do nosso negócio, bem como nossa diversificação e as perspectivas de crescimento futuro, embarcamos em uma jornada planejada”, escreveu Englander em um comunicado ao anunciar a saída de Jain e a nova estrutura.

No mesmo ano, a Millennium concluiu um plano para reter o capital de seus clientes por mais tempo, ampliando o prazo de resgate de um para cinco anos. Depois, criou um fluxo mais permanente de capital, por meio de aportes que podem ser convocados quando necessário.

A empresa também eliminou a chamada “cláusula de homem-chave”, que permitia a alguns investidores sacar recursos se Englander deixasse a gestora ou ficasse impossibilitado de comandá-la.

Além disso, informou aos clientes que cobraria taxas equivalentes a 1% dos ativos ou 20% dos ganhos — o que fosse maior —, garantindo que, mesmo em anos de perdas ou retornos modestos, a Millennium ainda arrecadasse centenas de milhões de dólares para custear suas operações.

A longa trajetória de Englander à frente da Millennium tem sido bastante lucrativa. Com a nova avaliação de US$ 14 bilhões, sua fortuna pessoal chega a cerca de US$ 26,1 bilhões, segundo o Bloomberg Billionaires Index.

Os investidores também tendem a ver a venda de participações com bons olhos.

“Ao ampliar a base acionária e institucionalizar a tomada de decisões, a Millennium pode afirmar de forma convincente: ‘Não somos um homem só, somos um sistema’”, disse Schneller, da Erlen Capital.

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