Trump quer reduzir o juro custe o que custar. Pode colher o oposto do que deseja

Decisão do presidente de demitir a diretora Lisa Cook vem bem no momento em que declarações de Jerome Powell indicaram a possibilidade de uma redução da taxa em setembro

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Bloomberg Opinion — A Casa Branca pode finalmente conseguir o que vem exigindo do Federal Reserve: Jerome Powell, presidente da instituição, sinalizou que o banco central americano poderia reduzir as taxas de juros em sua próxima reunião em setembro. É melhor o presidente Donald Trump ter cuidado para que ninguém pense que isso é realmente obra sua.

Em circunstâncias normais, o Poder Executivo deveria gostar de um Fed independente – ou seja, com o poder de definir as taxas conforme achar necessário para cumprir o mandato de controlar a inflação e promover o emprego.

Do ponto de vista econômico, conceder essa autonomia a bancos centrais provou ser muito eficiente, motivo pelo qual quase todos os países o fazem.

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Do ponto de vista político, o presidente pode criticar a política monetária o quanto quiser sem assumir a responsabilidade pelo resultado. Ele ganha se as coisas derem certo e pode culpar alguém se derem errado.

Entretanto o governo atual parece decidido a obrigar o Fed a reduzir as taxas. Em uma escalada acentuada nesta semana, o presidente Donald Trump decidiu demitir uma diretora do Fed, Lisa Cook, por supostamente fornecer informações falsas em um ou mais pedidos de hipoteca.

Isso ocorreu após meses de ataque a Powell, incluindo sob o pretexto infundado de má gestão da reforma da sede do banco central. Embora muitos presidentes tenham tentado intimidar os funcionários do Fed, este governo levou isso a um novo nível.

A pressão provavelmente não fará muita diferença nas decisões do Fed sobre as taxas em um futuro próximo.

Tanto Powell quanto Cook – cujos mandatos como presidente e diretora (governor) vão até maio de 2026 e janeiro de 2038, respectivamente – gozam de proteções sólidas a seus empregos. Eles já disseram que não têm intenção alguma de deixar seus cargos.

O Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC), responsável pela formulação de política monetária, tem 19 membros, a maioria dos quais coloca a gestão econômica responsável acima de considerações políticas de curto prazo – e apenas alguns deles provavelmente terão a chance de ser substituídos pelo presidente durante seu mandato atual.

Eles concordam amplamente que as taxas devem cair assim que as condições permitirem.

No entanto as percepções são importantes. Se o Fed for considerado condescendente com as ordens do presidente do país, as repercussões serão quase certamente o oposto do que ele deseja.

Os rendimentos dos títulos do Tesouro de longo prazo, referência para as taxas de juros em toda a economia, aumentarão à medida que os investidores se preocuparem com a possibilidade de um banco central enfraquecido não conseguir conter a inflação – o rendimento dos títulos de 30 anos subiu vários pontos-base depois que Trump decidiu demitir Cook.

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Restaurar a confiança pode, em última análise, exigir que o Fed eleve as taxas de juros de curto prazo mais do que faria normalmente, potencialmente ao custo de uma recessão.

Na semana passada, os mercados ainda pareciam acreditar na independência do Fed.

Quando Powell sugeriu no Simpósio de Política Econômica de Jackson Hole que uma redução das taxas poderia ocorrer em setembro, os rendimentos do Tesouro caíram significativamente em todos os vencimentos, indicando confiança de que o banco central permanecia no controle.

Portanto, ainda há uma chance de que — apesar das complicações introduzidas por políticas comerciais e fiscais equivocadas – o banco central consiga um “soft landing” que reduza a inflação para sua meta de 2% sem causar uma recessão.

Agora, mais do que nunca, é do interesse do presidente não perturbar esse delicado processo. Quanto mais ele interferir, maior será a chance de que as coisas deem errado justamente quando ele estiver prestes a conseguir o que deseja.

O Conselho Editorial publica as opiniões dos editores sobre uma série de assuntos de interesse global.

-- Editores: Mark Whitehouse, Timothy Lavin.

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