Opinión - Bloomberg

Por que as previsões de lucros discrepantes em Wall St podem ser um sinal de alerta

Embora a previsão média de lucros do S&P 500 tenha aumentado, a variabilidade entre as estimativas cresceu, indicando maior dificuldade em prever os lucros futuros e até a possibilidade de recessões iminentes

Wall street
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Com toda a incerteza em torno de grandes questões políticas que afetam diretamente as empresas, principalmente tarifas e imigração, as previsões se tornaram complicadas para os analistas de Wall Street.

“Em toda a minha carreira, não me lembro de tanta incerteza em tão pouco tempo”, disse recentemente o analista veterano Ed Yardeni à Bloomberg News. David Kostin, estrategista-chefe de ações dos EUA do Goldman Sachs, alertou os clientes que “as mudanças no cenário tarifário criam grande incerteza em torno de nossas previsões de lucros”.

De fato, os analistas discordam cada vez mais sobre o que essa incerteza significa para os lucros das empresas, como apontei em uma coluna recente.

Embora a previsão média de lucros para o índice S&P 500 no ano que vem tenha aumentado desde a implementação das tarifas pelo governo Trump em 2 de abril, a variabilidade em torno dessa média aumentou, mostrando a dificuldade de determinar os lucros.

PUBLICIDADE

Leia mais: De Apple a Microsoft: balanços das big techs alimentam otimismo em Wall St

Afinal, os analistas não têm nenhum poder especial de previsão. Historicamente, suas previsões têm sido muito confiáveis quando os lucros estão crescendo, mas menos confiáveis em momentos de mudança, o que faz sentido.

Os lucros tendem a crescer de forma constante ano após ano, então prever um aumento de 5% a 10% nos lucros, que é o que eles costumam fazer em média, é normalmente uma aposta segura.

PUBLICIDADE

Ocasionalmente, porém, os lucros são desviados do curso por algum evento incomum, como uma crise financeira, uma pandemia ou o estouro de uma bolha especulativa. Essas reversões são difíceis de prever.

Mas e se a crescente discordância entre os analistas for um sinal de alerta precoce de uma perturbação iminente — ou, pelo menos, de uma probabilidade crescente de perturbação?

Para responder a essa pergunta, compilei a variabilidade das estimativas dos analistas no final do ano para cada empresa do S&P 500 desde 1990, o período mais longo para o qual há dados disponíveis na Bloomberg.

Em seguida, calculei a variabilidade média em todas as empresas para ver até que ponto o consenso entre os analistas está crescendo ou diminuindo ano a ano. (Foquei intencionalmente nas médias em vez das medianas porque queria levar em conta as outliers, embora os resultados não sejam materialmente diferentes usando as medianas).

PUBLICIDADE

Encontrei dois resultados surpreendentes. Um é que as divergências entre os analistas se intensificaram ao longo do tempo. A variabilidade média das estimativas entre as empresas do S&P 500 é quase duas vezes maior hoje do que era em 1990.

Eu esperava mais consenso, não menos, dado que há muito mais informações disponíveis agora do que há três décadas. Mas talvez seja o efeito Dunning-Kruger em grande escala, em que quanto mais os analistas sabem, menos convicção eles têm.

Leia mais: Dilema em Wall Street: resultados sólidos, mas ações ‘indiferentes’ aos ganhos

PUBLICIDADE

Mais relevante para o momento atual, também descobri um aumento acentuado na variabilidade média antes e durante os estágios iniciais das recessões de lucros e de ondas vendedoras no mercado de ações que as acompanharam.

A variabilidade aumentou 45%, por exemplo, de 2000 a 2001, com o desenrolar do crash das empresas ponto com. Ela aumentou 80% no período que antecedeu a crise financeira de 2008. E mais que dobrou de 2020 a 2022, à medida que uma onda de vendas durante a pandemia, que começou com ações especulativas como Roku (ROKU) e Peloton Interactive (PTON), acabou se espalhando para gigantes da tecnologia como Amazon (AMZN) e Alphabet (GOOG).

Gráfico

O oposto também era verdadeiro: a variabilidade média geralmente diminuía ou permanecia estável durante os mercados em alta. Ela diminuiu quase dois terços durante o longo mercado em alta da década de 1990 e permaneceu estável durante a recuperação do mercado após a crise financeira.

O único alarme falso foi um pico na variabilidade de 2003 a 2005, quando o mercado começou a se recuperar do colapso das ponto-com.

Então, onde estamos agora? A variabilidade caiu drasticamente após o colapso da tecnologia em 2022, mas está subindo novamente, cerca de 13% desde o início do ano.

Leia mais: Bancos de Wall St perdem espaço na Europa diante de incertezas com tarifas de Trump

Embora não seja uma grande mudança histórica, está indo na direção errada. Se a discordância sobre o caminho dos lucros continuar a crescer, pode ser um sinal precoce de que o ambiente de negócios está se deteriorando.

E, se isso acontecer, a primeira coisa que o mercado provavelmente reconsiderará é sua alta valorização. O S&P 500 é negociado a 22 vezes a previsão média de lucros dos analistas para os próximos 12 meses.

Desde 1990, o mercado só ficou mais caro nessa base no auge da bolha das ponto-com em 1999 e 2000 e na febre da tecnologia no início desta década.

Naquela época, assim como agora, os analistas divergiam cada vez mais sobre as perspectivas de lucros que sustentavam a alta valorização do mercado. Em ambos os casos, o mercado acabou atingindo o fundo do poço perto de 14 vezes os lucros futuros.

Gráfico

Não estou sugerindo que um declínio semelhante seja iminente ou mesmo inevitável. Por um lado, a série de dados disponível tem apenas três décadas e inclui apenas três grandes ondas vendedoras, portanto, não há histórico suficiente para tirar conclusões definitivas.

O conjunto de dados é ainda mais limitado pelo fato de que, em 1990, a cobertura dos analistas se estendia a cerca de dois terços do S&P 500 — ela não abrangia todo o índice até meados dos anos 2000.

Ainda assim, a experiência das últimas três décadas sugere que, quando há divergências crescentes sobre a trajetória dos lucros, as perspectivas tornam-se mais obscuras — e provavelmente por um motivo que vale a pena observar.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Nir Kaissar é colunista da Bloomberg Opinion que cobre os mercados. Ele é o fundador da Unison Advisors, uma empresa de gestão de ativos.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Chocolate do futuro? Como a Mars busca acelerar o cultivo de cacau com edição genética

Movido a café: volta ao escritório alavanca negócios da Nespresso no Brasil

Cury ultrapassa projeção de lucro no 2º tri e quer manter crescimento gradual, diz VP