Potencial cisão da Kraft Heinz ilustra desafio de fusões no setor de alimentos

Negócio em estudo pode representar um novo caminho para as futuras empresas, ao permitir que se concentrem em suas especialidades e melhorem suas chances de sucesso em um ambiente de mercado em constante mudança

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Bloomberg Opinion — Um dos negócios mais emblemáticos do setor de bens de consumo pode ser desfeito em breve: a combinação da HJ Heinz com a Kraft Foods Group. O ocorrido seria mais que uma transação que deu errado. A saga desafia as justificativas feitas para tantas fusões e aquisições. Acima de tudo, destaca que escalar o negócio normalmente é mais um risco que um benefício.

A Kraft Heinz (KHC), nome da empresa após a fusão, avalia se dividir em empresas com foco em condimentos e artigos de mercearia, respectivamente, segundo divulgado pelo Wall Street Journal no início do mês.

Há muitos anos, era claro que o negócio original não havia dado frutos. A cisão finalmente reconheceria que as empresas provavelmente prosperariam separadas.

Assim como em muitos negócios, a Kraft Heinz prometeu muito mais que a economia proveniente do fechamento de sedes duplicadas e mais poder de compra para coisas como artigos de papelaria para escritório.

A 3G Capital, empresa de private equity que anteriormente havia assumido a Heinz juntamente com o lendário investidor Warren Buffet, estaria no comando.

Ela supostamente poderia administrar melhor a Kraft. Afinal, a 3G melhorou substancialmente as margens da Heinz em menos de dois anos. E também prometeu tornar o trabalho de pesquisa e o desenvolvimento mais produtivo, focando a inovação em “apostas grandes e ousadas”.

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Então, havia a oportunidade de receita com a comercialização de produtos da Kraft, como os da linha Lunchables e Velveeta fora dos Estados Unidos por meio da rede de distribuição internacional da Heinz. Enquanto isso, o aumento da escala na América do Norte ajudaria a empresa a negociar mais espaço nas prateleiras das varejistas de alimentos dos EUA.

O que chama a atenção em tudo isso é que havia dúvidas desde o início.

O argumento do foco em vez da escala foi demonstrado pela própria história da Kraft Foods Group: em 2012, o grupo foi desmembrado da Kraft Foods, a controladora que então focou nos mercados globais de confeitaria e passou a se chamar Mondelez International.

Como disse um analista cético na teleconferência da transação da Kraft Heinz há uma década: “francamente, o argumento da escala nunca pareceu funcionar muito bem”.

Outros observaram que a iniciativa de eficiência da 3G na Heinz ocorreu às custas do faturamento; um deles perguntou especificamente qual seria o crescimento da receita se “digamos, estivéssemos aqui em 2017”, depois que os custos tivessem diminuído.

Não havia orientação da gerência além da indicação da oportunidade de vendas internacionais para os produtos da Kraft.

De fato, no início de 2017, a Kraft Heinz fez uma oferta fracassada pela Unilever, após a qual as ações da primeira começaram a ter um desempenho inferior.

Os investidores pareciam temer que a empresa precisasse de outro acordo de corte de custos para manter o crescimento dos lucros. No início de 2019, houve uma colossal redução de ativos e Buffett admitiu que a Heinz estava superfaturada.

Desde então, as ações da Kraft Heinz continuaram a cair. A aceleração da receita não se concretizou e o negócio continuou predominantemente norte-americano.

Passados mais seis anos, em meio a novas ameaças de medicamentos para perda de peso que inibem o apetite, é possível entender por que o CEO Carlos Abrams-Rivera pode ter se convencido de que a lógica da divisão original da Kraft no início da década passada estava correta.

O principal problema para os gigantes do setor de alimentos não é a lucratividade, mas o desafio de responder às mudanças no gosto dos consumidores. Isso exige mais do que reembalar produtos existentes ou substituir ingredientes por substâncias que possam ser rotuladas como “naturais”. E quando se trata de inovação, a escala pode ser um obstáculo.

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Empresas maiores podem ter mais dificuldade para serem criativas – veja como o setor farmacêutico, apesar dos orçamentos gigantescos de P&D, depende muito da aquisição de biotecnologias para expandir seu pipeline de medicamentos promissores.

Os jovens talentos criativos geralmente são atraídos por startups. As negociações em nome da escala podem piorar a situação, mesmo antes de acrescentar pessoas preocupadas com seus empregos em vez de lutar contra a concorrência.

Além disso, há as supostas sinergias de receita. A eficácia da transferência de um produto adquirido por meio de uma rede de distribuição maior do comprador depende do mercado.

No setor de alimentos, por exemplo, os gostos são basicamente locais. Há algumas exceções, como o ketchup. Mas os benefícios de escala se acumulam mais dentro dos países do que entre eles.

É claro que sabemos de tudo isso. Mas o acordo entre o ketchup e o macarrão com queijo ainda aconteceu e, por 10 longos anos, a empresa se agarrou à esperança de que a combinação estrutural do que vai no seu prato com o que vai na lateral dele pudesse funcionar.

A dissolução da Kraft Heinz envolveria, é claro, custos únicos e acrescentaria despesas contínuas ao duplicar funções compartilhadas mais uma vez. Que assim seja.

A oportunidade é criar uma empresa internacional com potencial de crescimento, composta principalmente pelos condimentos da Heinz, enquanto grande parte dos negócios de alimentos embalados da Kraft poderia formar um jogo de dividendos maduro e gerador de caixa.

Os analistas do Barclays chamam isso de “essencialmente um movimento de crescimento e aumento na receita, como já vimos várias vezes no setor no passado”.

A maioria dos negócios fracassa, diz o clichê. Não é que os investidores não estejam cientes dos riscos. Eles ignoram rotineiramente as alegações de sinergias de receita, avaliando apenas as reduções de custos anunciadas.

Eles aceitam que o aumento de tamanho traz seus próprios problemas e que as equipes de gestão de aquisições podem não ser tudo o que se espera delas. Mas aprender novas lições nunca é demais.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Chris Hughes é um colunista da Bloomberg Opinion que cobre negócios. Ele trabalhou anteriormente para a Reuters Breakingviews, bem como para o Financial Times e o jornal Independent.

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