Bloomberg Opinion — Donald Trump é o 14º presidente dos Estados Unidos que vi exercer a função em minha vida, e ele tem uma distinção única. Durante todos os mandatos anteriores na Casa Branca, passavam-se meses em que até mesmo britânicos, alemães, indianos, brasileiros, franceses ou australianos instruídos e bem informados não pensavam nem um pouco no líder dos Estados Unidos.
Claro que notávamos quando um presidente visitava nosso país, iniciava uma guerra, sofria um impeachment ou tinha uma linda esposa que se vestia maravilhosamente bem. Sabíamos que os Estados Unidos eram a nação mais rica e influente do mundo e que, nas coisas importantes, precisávamos seguir o líder.
Mas mesmo alguém como eu, que morou nos Estados Unidos por alguns anos e visitou o país regularmente até janeiro de 2025, não perdia o sono imaginando o que a superpotência poderia fazer em seguida.
Hoje, isso mudou. Costumávamos zombar de pessoas nervosas que passavam a vida aterrorizadas com a possibilidade de um avião cair em sua casa. Agora, no entanto, sabemos exatamente como se sentem os neuróticos do acidente aéreo.
Estamos hipnotizados, assombrados por tudo o que Trump diz e faz, porque ninguém pode prever sua próxima mudança de humor.
Isso é encantador para ele. Tudo o que ele quer da vida é uma riqueza inimaginável e que todos nós nos curvemos a todos os seus caprichos. Ele é o Rei Sol, o epicentro da atenção global, porque demonstrou a disposição e o poder de fazer chuva ou sol de acordo com o impulso.
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Ninguém deveria ter permissão para fingir que isso é normal. É absolutamente anormal e representa uma mudança no clima político que, de certa forma, é mais desconcertante do que viver em um planeta que está ficando mais quente, porque em alguns dias nosso país – seja ele qual for – é aquecido no micro-ondas pela Casa Branca ou subitamente exposto ao permafrost.
O exemplo mais recente é o anúncio de Trump de que os Estados Unidos enviarão novos sistemas de defesa aérea para a Ucrânia, comprados por membros da Otan, juntamente com mísseis de longo alcance.
Isso é inequivocamente uma coisa boa. Os moradores das cidades ucranianas têm sofrido ataques noturnos de mísseis e drones russos, contra os quais se tornaram quase indefesos, já que o fluxo de armas dos Estados Unidos diminuiu.
A grande questão é saber qual é a gravidade da mudança de opinião do presidente depois de meses desdenhando da Ucrânia e de seu líder – e quanto tempo ela durará.
Ele mesmo diz que está “decepcionado” com Vladimir Putin, mas “não acabou com ele”. Desde a posse, os oligarcas russos têm tido mais liberdade para fazer negócios nos Estados Unidos, e as agências de Washington encarregadas de monitorar suas atividades foram fechadas.
Trump renovou seu apoio à Ucrânia principalmente porque se sente pessoalmente desprezado por Putin. Se isso mudar, a política americana também poderá mudar mais uma vez.
Além disso, há a economia global. Alguns dos economistas mais inteligentes dizem não ter certeza se as empresas dos Estados Unidos conseguirão sobreviver à montanha-russa lançada por Trump, principalmente com as tarifas, ou se a economia irá afundar.
A incerteza intencional sobre o futuro de Jerome Powell e do Federal Reserve, com ataques renovados esta semana por Trump, abala ainda mais a confiança.
O respeitado Martin Wolf, do Financial Times, está entre aqueles que caracterizam as tarifas de Trump como “loucas”, um adjetivo que ele repetiu esta semana.
Mohamed El-Erian, que já foi um gênio dos investimentos de Wall Street e agora é um acadêmico renomado, está entre aqueles que admitem que não têm ideia de como a história de Trump se desenrolará.
Nunca devemos subestimar a resiliência e a capacidade de inovação dos Estados Unidos. Mas ele escreve na Foreign Affairs que o único caminho racional para outras nações é construir defesas financeiras robustas e reduzir sua dependência dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que forjam novos relacionamentos, porque não há perspectiva inicial, e talvez nenhuma perspectiva mesmo depois de Trump, de que os Estados Unidos retomem seu papel histórico de parceiro confiável.
El-Erian adverte tanto as nações quanto as empresas contra o que os cientistas comportamentais chamam de “inércia ativa” – “quando os atores reconhecem que precisam se comportar de forma diferente, mas acabam aderindo a padrões e abordagens familiares de qualquer maneira”.
A pergunta que quase todos os governos do mundo estão se fazendo é se devem desafiar Trump. Há duas semanas, ele advertiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que imporia tarifas de 50% sobre as exportações do país para os Estados Unidos, a menos que os processos criminais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado em 2022 fossem suspensos.
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Não há nenhuma pretensão de que essa ameaça esteja ligada a balanças comerciais. Ela é apenas um componente do que podemos chamar de programa de proteção a ditadores de Trump. Ele apoiava calorosamente Bolsonaro, amplamente considerado um líder nacional terrível e corrupto. O filho de Bolsonaro, Eduardo, tem relações pessoais próximas com o clã Trump.
Lula reagiu com indignação à ameaça de Trump, dizendo que “ninguém está acima da lei”. As exportações de seu país para os Estados Unidos correspondem a apenas 2% do Produto Interno Bruto, mas uma tarifa de 50%, sem dúvida, causará transtornos.
A União Europeia enfrenta dilemas ainda mais sérios ao determinar sua resposta ao lobby de Trump, apoiado por ameaças de tarifas, em nome das grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos.
Há uma questão aqui que vai além do mero comércio. Os gigantes da tecnologia lucram muito com políticas de conteúdo quase abertas, que alguns de nós consideram profundamente prejudiciais, especialmente para os jovens.
Bruxelas tem se esforçado para regulamentar as mídias sociais e punir as empresas que divulgam material abusivo. Mas Trump está lutando para que os gigantes da tecnologia tenham rédea solta - “liberdade de expressão”, como ele e seus acólitos chamam - e sejam poupados da retaliação da UE.
O medo da Europa de uma guerra comercial mais ampla é tão grande que seus órgãos reguladores ainda podem se curvar a Washington.
É altamente discutível se a UE se arriscará a utilizar seu Instrumento Anti-Coerção contra os Estados Unidos, embora a chantagem tarifária ofereça uma justificativa óbvia para isso.
Há ainda o Irã. Os Estados Unidos tentarão negociar com os mulás sobre seu programa nuclear ou voltarão a bombardear?
Meus amigos, incluindo um israelense muito bem informado, dizem que Benjamin Netanyahu convenceu Trump a se juntar à sua guerra; que os iranianos, embora sejam inquestionavelmente uma força maligna, não estavam prestes a produzir uma arma nuclear; e que a força, por si só, não pode resolver os problemas e as ameaças representados pela agressão regional iraniana.
Mas não podemos dizer se Trump vai se desapaixonar por Netanyahu como ele agora diz ter se desapaixonado por Putin.
O próprio presidente não sabe o que poderá fazer, ou não fazer, na próxima terça-feira (22). É o fato de não saber que assusta tanto o mundo – e que nos faz falar sobre Donald Trump quase todos os dias.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Max Hastings é colunista da Bloomberg Opinion. Suas obras incluem “Inferno: The World At War, 1939–1945,” “Vietnam: An Epic Tragedy 1945–1975” e “Abyss: The Cuban Missile Crisis 1962.”
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