Bloomberg — Um aumento de 300% nos preços da alface australiana. Um reajuste de 50% no azeite de oliva europeu e de 80% nos vegetais dos Estados Unidos. Encarecimento de 80% no valor do café moído ao consumidor no Brasil.
Pesquisadores do Barcelona Supercomputing Center e do Banco Central Europeu, rastrearam esses saltos de preços e chegaram à conclusão de condições climáticas extremas que, segundo eles, estão ligadas à mudança de forma mais ampla.
O grupo analisou 16 eventos climáticos em todo o mundo entre 2022 e 2024. Muitos foram tão incomuns que uma determinada região não havia experimentado nada parecido antes de 2020, de acordo com a análise, que foi publicada em revista revisada por pares na segunda-feira (21) na Europa.
“Condições sem precedentes devem se tornar cada vez mais comuns em todo o mundo”, afirmam os autores do estudo.
“Ao mesmo tempo, novos recordes de condições extremas continuarão a ser estabelecidos, além daqueles aos quais a produção agrícola e os sistemas econômicos estão atualmente adaptados.”
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A mudança climática traz consigo temperaturas mais altas e chuvas extremas, que podem reduzir a produtividade e encarecer as colheitas.
A conta de alimentos das famílias britânicas, por exemplo, ficou 361 libras esterlinas (cerca de US$ 484) mais cara em 2022 e 2023 devido às mudanças climáticas, de acordo com estimativas da Energy and Climate Intelligence Unit (ECIU), uma organização sem fins lucrativos (Tom Lancaster, funcionário da ECIU, foi coautor do novo estudo).
Consumidores de todo o mundo dizem que estão sentindo os efeitos da mudança climática em suas contas de supermercado, tornando os alimentos inacessíveis para alguns e representando um desafio para os banqueiros centrais que tentam controlar a inflação.
Esse é um fenômeno sentido também no Brasil, um dos “celeiros” do mundo, há alguns anos.
Segundo dados do IPCA, calculado pelo IBGE, os preços de café moído subiram quase 80% em 12 meses; os de carnes, perto de 25%.
No caso do café, o país - maior produtor mundial - vem de sucessivas safras abaixo do esperado, o que pressiona as cotações. No ano passado, o vilão foi o calor excessivo acompanhado de chuvas abaixo do esperado.
Vegetais nos EUA
Em 2022, a Califórnia registrou o período de três anos mais seco já registrado, o que deixou quase 405 mil hectares de campos agrícolas sem plantio, com perdas iniciais de receita de safra de quase US$ 2 bilhões somente naquele ano.
O estado do Arizona, que cultiva a maior parte do suprimento de alface no inverno dos EUA, também sofreu reduções na quantidade de água que o estado recebeu do rio Colorado, devido à escassez de água relacionada à seca na bacia do rio.
Essas condições em dois dos principais estados agrícolas dos EUA, juntamente com a passagem do furacão Ian pela Flórida, contribuíram para um aumento de mais de 80% nos preços das verduras no país em comparação com o ano anterior.
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Onda de calor na Ásia
Uma onda de calor que atingiu a Ásia no ano passado, com temperaturas de até 46°C, foi um dos eventos climáticos perturbadores que fizeram com que os preços dos vegetais na China subissem mais de 40% entre junho e setembro.
As condições quentes e secas também deixaram os repolhos sul-coreanos quase 70% mais caros do que no ano anterior, de acordo com relatos da mídia local.
O repolho Napa é comumente transformado em kimchi, um prato básico local, e o governo utilizou os estoques nacionais para reforçar os suprimentos.
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Alface australiana
O leste da Austrália enfrentou uma inundação extrema recorde no início de 2022, que logo foi estimada como a inundação mais cara da história do país e o quinto desastre mais caro.
A escassez de alface levou os consumidores a reclamar dos preços de cerca de 12 dólares australianos (US$ 7,81) por uma cabeça de alface americana.
Anteriormente, a alface custava cerca de 2,80 dólares australianos (US$ 1,82) a unidade, de acordo com o jornal The Guardian, um aumento de preço de mais de 300%. A rede KFC até começou a substituir o repolho em seus lanches.
Inflação climática
Os preços tendem a reagir um ou dois meses após um caso de calor ou seca extremos, disse Max Kotz, principal autor do estudo e pós-doutorando no Barcelona Supercomputing Center.
Ele e os outros autores também analisaram como os eventos climáticos eram incomuns para cada região, com base na distribuição de medidas como a temperatura ao longo do tempo.
Eles descobriram que o calor, a seca e as inundações estavam ocorrendo com maior intensidade e frequência.
O El Niño, um padrão climático que ocorreu de 2023 a 2024, provavelmente também influenciou o clima extremo observado, dizem os autores.
Esses tipos de choques nos preços dos alimentos geralmente são de curto prazo, porque os preços altos incentivam o aumento da produção, o que faz com que os preços voltem a cair, disse Andrew Stevenson, analista climático sênior da Bloomberg Intelligence.
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Produtos como o café e o gado são a exceção, pois exigem determinadas condições, como clima tropical ou grandes extensões de terra para pastagem, o que limita o local onde podem ser cultivados e criados.
Os futuros do café e do gado, contratos que representam os preços de curto prazo nesses mercados, subiram de valor desde 2020, em contraste com os futuros de uma cultura como o milho, que é mais fácil de cultivar.
As novas tarifas dos EUA podem pressionar ainda mais os agricultores no exterior, disse Stevenson.
“Isso coloca os produtores em uma posição desconfortável, em que o preço da carne bovina é muito caro para ser vendido no país, mas não o suficiente para ser vendido com uma tarifa de 50%”, acrescentou.
Espera-se que o clima extremo continue, e o estudo recomenda que os países considerem políticas que ajudem os consumidores a administrar o aumento dos preços dos alimentos.
No entanto, em última análise, a redução das emissões de gases de efeito estufa e a contenção do aquecimento global serão fundamentais para reduzir os riscos de inflação dos preços dos alimentos, afirmaram os autores.
As previsões climáticas também podem fornecer alertas antecipados, e as fazendas podem implementar adaptações como a irrigação, embora ambas as abordagens tenham sérias limitações.
-- Com informações da Bloomberg Línea.
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