Bloomberg Opinion — Há 50 anos, a ideia parecia muito boa. Por iniciativa dos líderes da Alemanha Ocidental e da França, as seis principais democracias industrializadas convocaram sua primeira reunião regular para administrar um mundo conturbado — os problemas incluíam o colapso do sistema de Bretton Woods, os choques do petróleo e a estagflação.
Mais tarde, elas se tornaram o G7 - o Grupo dos Sete -, depois brevemente o G8 e, em seguida, novamente o G7. Mas, à medida que esse clube conclui sua última cúpula no Canadá definindo o sucesso simplesmente como evitar uma saída furiosa do convidado americano, nos perguntamos: qual é o sentido dos encontros agora?
O mundo está em chamas, da Europa Oriental ao Oriente Médio e além, e os líderes do G7 estão em desacordo sobre como analisar, muito menos resolver, qualquer um desses conflitos.
O presidente francês Emmanuel Macron e outros querem que Israel desista de uma nova escalada contra o Irã. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode não ter desejado que Israel atacasse o Irã enquanto seu próprio enviado tentava negociar um acordo com Teerã, mas agora que a guerra está em andamento, ele parece não se importar que Israel termine o trabalho.
Macron também pretende reconhecer a Palestina como um Estado soberano. Em contrapartida, o embaixador de Trump em Israel disse à Bloomberg News que os Estados Unidos não acreditam mais em uma solução de dois Estados, nem mesmo a longo prazo.
A discórdia sobre a guerra de agressão russa contra a Ucrânia tem raízes ainda mais profundas. Trump prometeu acabar com o conflito em um único dia, mas, cinco meses após o início de seu segundo mandato, praticamente desistiu de tentar.
A culpa é do presidente russo Vladimir Putin (que já foi o oitavo membro do grupo, até ser expulso por anexar partes da Ucrânia em 2014).
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Putin não demonstra interesse em negociações de boa-fé e habilmente manipula Trump — os dois acabaram de ter outra conversa, após a qual Trump chegou a sugerir (para horror de Macron) que Putin poderia mediar o confronto entre Israel e o Irã.
Enquanto Trump evita apoiar a Ucrânia, os europeus entendem que precisam agir e pedem sanções muito mais duras contra a Rússia. Nessa demanda, eles têm apoiadores no Congresso dos Estados Unidos, mesmo entre os republicanos. Mas Trump, até agora, tem outros instintos.
Isso não é segredo para o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy, que não representa um país do G7, mas está novamente na lista de convidados, junto com líderes do Sul Global, como Cyril Ramaphosa, da África do Sul.
Ambos foram recentemente humilhados por Trump em emboscadas inspiradas em reality shows na Casa Branca. Trump, inclusive, acusou seu convidado sul-africano de presidir um genocídio contra os afrikaners brancos.
O anfitrião, Mark Carney, do Canadá, sobreviveu relativamente ileso à sua visita à Casa Branca, mas deve sua eleição em grande parte à promessa feita aos canadenses de resistir a uma das provocações mais bizarras de Trump: sua repetida ameaça de anexar o Canadá como o 51º estado dos Estados Unidos.
A propósito de ameaças bizarras: Macron viajou de forma nada sutil ao Canadá via Groenlândia, para mostrar apoio ao território dinamarquês, que Trump também cobiça.
Tudo isso e muito mais acontece em meio às guerras comerciais que Trump lançou contra seus colegas participantes da cúpula e outros convidados (Claudia Sheinbaum, líder do México, também foi convidada).
Coordenar um regime monetário e comercial global harmonioso e aberto era o objetivo original dessas cúpulas anuais. Agora, o melhor que os demais seis participantes podem esperar é convencer Trump a abandonar seus piores impulsos protecionistas antes que barreiras comerciais ainda mais draconianas entrem em ação no mês que vem.
Você pode pensar que é um déjà vu. Afinal, Trump já atrapalhou uma reunião do G7 no Canadá uma vez. Isso foi em 2018, quando ele se recusou a assinar o comunicado conjunto — a declaração ritual comum produzida no final de uma cúpula — e, para garantir, chamou seu anfitrião, o antecessor de Carney, Justin Trudeau, de “desonesto e fraco”.
Na época, o G7 ainda podia descartar o drama como uma quebra de decoro, em vez do início de seu próprio fim. Isso está se tornando mais difícil. (A Otan, que realiza sua cúpula na próxima semana, está nervosa pelo mesmo motivo.)
A questão subjacente é que Trump não compartilha os valores das outras seis democracias e não tem mais nenhum controle sobre seus caprichos. Na medida em que o G7 costumava representar “o Ocidente”, essa base comum desapareceu.
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Organizar uma cúpula nessas circunstâncias é “como preparar o tapete vermelho para o Godzilla”, disse um funcionário canadense ao Financial Times.
Ninguém esperava um acordo sobre nada de substancial. Se você quiser sentir nostalgia, basta lembrar os Acordos Plaza e Louvre do G7 na década de 1980, que estabilizaram as taxas de câmbio, ou seus esforços para controlar as crises financeiras que vieram depois.
Carney chegou a descartar a formalidade de tentar emitir um comunicado conjunto no final da reunião. Por acaso, Trump nem ficou até o final.
Tudo isso é uma ótima notícia se você estiver assistindo de Moscou ou Pequim. O líder chinês Xi Jinping, em particular, provavelmente se deleita com o fato de o Ocidente, anteriormente liderado pelos EUA, estar se dissolvendo em câmera lenta, justamente quando ele tenta reunir outros blocos sob a hegemonia da China.
Enquanto a cúpula do G7 está em andamento, Xi visita o Cazaquistão para reuniões com países da Ásia Central.
Portanto, não se confunda com alguns comunicados de imprensa do pitoresco Vale Kananaskis, onde a cúpula é realizada, anunciando uma tarifa revertida aqui ou um novo investimento prometido ali.
Carney pode reivindicar um sucesso porque Trump saiu antes que pudesse constranger qualquer um de seus pares. Mas essas cúpulas já perderam seu contexto.
Elas foram criadas para um mundo em que os Estados Unidos lideravam e aliados com ideias semelhantes ajudavam na busca pela estabilidade global e prosperidade compartilhada. Essa era acabou. Assim como a razão para se ter o G7.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Andreas Kluth é colunista da Bloomberg Opinion e cobre diplomacia, segurança nacional e geopolítica dos Estados Unidos. Anteriormente, foi editor-chefe do Handelsblatt Global e redator da revista The Economist.
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