Opinión - Bloomberg

Paciência da China superará as ameaças de Trump nas relações com América Latina

Potência asiática liderada por Xi Jinping tem ampliado a influência na região, superando os americanos, com promessas de investimento, linhas de crédito e cooperação

President Lula Hosts Chinese Counterpart Xi Jinping
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Se a luta pela influência na América Latina fosse uma partida de futebol, a China estaria vencendo os Estados Unidos por 2 a 1 no intervalo.

Enquanto Donald Trump voltava sua atenção para os negócios no Oriente Médio, seu colega chinês cumprimentava os líderes latino-americanos com promessas de investimento, linhas de crédito, isenção de vistos e mensagens de cooperação.

A cúpula da semana passada entre a China e o fórum da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) – que reúne 33 países da América Latina e do Caribe – mostrou Pequim em modo sedutor, assegurando que suas relações com a região permanecerão fortes, mesmo que os EUA tentem combater sua influência.

O contraste com a retórica beligerante da Casa Branca de Trump – tarifas, sanções e deportações – é bastante gritante.

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É certo que essas reuniões grandiloquentes merecem ceticismo: os benefícios concretos muitas vezes não correspondem às promessas.

Além disso, a representação na cúpula foi limitada a presidentes de esquerda, como os do Brasil, Colômbia e Chile, deixando de fora uma visão mais diversificada da região.

Leia mais: Brasil não teme retaliação dos EUA ao reforçar laços com a China, diz Lula

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No entanto, o simbolismo é inegável. Xi Jinping reservou um tempo para se reunir com líderes latino-americanos em um momento em que a guerra comercial com os EUA está esquentando.

Enquanto Trump revive uma versão linha dura da Doutrina Monroe, a China aposta em uma estratégia de longo prazo baseada em parceria e solidariedade.

Xi se comprometeu a aumentar as importações de produtos latino-americanos de “qualidade” e incentivou suas empresas a expandir os investimentos, em uma tentativa de responder às críticas ao mercantilismo chinês.

Washington deve tomar nota: ameaças não geram lealdade.

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Veja o caso do Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou de Pequim com mais de 30 acordos de investimento em mineração, infraestrutura e portos, pedidos de aeronaves fabricadas pela Embraer e um acordo de troca de moeda de R$ 157 bilhões entre os bancos centrais para garantir a liquidez mútua por cinco anos.

A viagem de Lula não foi isenta de erros, como as reclamações incômodas de sua esposa sobre o TikTok. E nem todos os acordos podem se concretizar.

Ainda assim, o Brasil continua a aprofundar sua integração com a cadeia de suprimentos chinesa, que já é seu maior parceiro comercial e uma fonte importante de insumos estratégicos, desde veículos elétricos até energia renovável.

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A maior economia da América Latina vê essa nova ordem fragmentada como uma oportunidade.

Gráfico

“Nessa geopolítica cada vez mais transacional, o dinheiro fala mais alto do que o protocolo”, diz Bruna Santos, analista brasileira em Washington.

“O Brasil está tentando navegar de forma independente nessa competição entre os EUA e a China, maximizando seus próprios interesses.”

Trump e seu secretário de Estado, Marco Rubio, fizeram alguns progressos, principalmente na Argentina, onde apoiaram o presidente Javier Milei com fundos.

Mas, mesmo sob pressão de Washington, Milei não rompeu com a China e conseguiu que Pequim renovasse um swap de moeda que é fundamental para sustentar as reservas internacionais.

A pressão dos EUA também conseguiu fazer com que o Panamá decidisse não renovar sua participação na Iniciativa Cinturão e Rota e anunciou a saída de uma empresa de Hong Kong de duas instalações portuárias.

Embora isso seja uma conquista para os EUA, também alimentou o nacionalismo panamenho.

Leia mais: Dólar sob pressão: como a guerra comercial desafia a hegemonia da moeda

Para Washington, controlar a China é uma prioridade. Mas para a América Latina, não é. A região não vê uma disputa de soma zero, mas uma oportunidade de tirar proveito de ambas as potências.

O abandono de qualquer pretensão moral por parte de Trump apenas reforça essa abordagem. Se os EUA podem enviar seus próprios cidadãos para prisões em El Salvador sem o devido processo legal, por que os latino-americanos deveriam temer por sua democracia se cooperarem com a China?

A Casa Branca parece confiante de que os partidos aliados vencerão as próximas eleições no Chile este ano, e na Colômbia e no Brasil no ano que vem. Mas essa estratégia ignora o fato de que a América Latina prioriza seus interesses econômicos em detrimento da ideologia.

Até mesmo países próximos à China, como o Brasil e o México, impuseram tarifas sobre produtos chineses para proteger sua indústria doméstica.

Portanto, Washington deveria repensar sua estratégia.

Ameaçar bloquear o financiamento de projetos chineses na Colômbia, como fez o Departamento de Estado após a visita de Gustavo Petro a Pequim, é contraproducente: isso leva os países a buscarem alternativas.

Táticas como a imposição de um imposto de 5% sobre as remessas só enfraquecem a influência dos EUA.

A China, com menos poder financeiro, tem uma grande vantagem: paciência.

Xi Jinping não vai a lugar algum e pode manter uma estratégia coerente. Por outro lado, a volatilidade nas decisões de Trump – como a recente saída de Mauricio Claver-Carone após apenas cinco meses como enviado para a América Latina – é uma fraqueza.

Os fãs de futebol sabem que o time com o plano mais claro e o elenco mais estável vence. E se o time de Trump não melhorar em ambas as frentes, é improvável que a competição pela América Latina seja decidida a seu favor.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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