Fórum Econômico Mundial: saída conturbada de fundador põe plano de sucessão em risco

Aposentadoria antecipada de Klaus Schwab ante investigações de alegada má conduta complicou os planos para que Christine Lagarde, que cumpre mandato no Banco Central Europeu até 2027, assumisse o comando

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Bloomberg — A saída abrupta de Klaus Schwab do Fórum Econômico Mundial, a influente organização que ele fundou e dirigiu por mais de meio século, complicou os planos cuidadosamente elaborados para persuadir Christine Lagarde a assumir o comando em uma transição que seria perfeita, de acordo com pessoas familiarizadas com as discussões que falaram à Bloomberg News.

Schwab, de 87 anos, pretendia inicialmente permanecer no cargo até o início de 2027, mesmo ano em que o mandato de Lagarde como presidente do Banco Central Europeu (BCE) chegará ao fim, mas ele saiu no mês passado em meio a acusações de má conduta financeira e a um confronto com os diretores do Fórum.

Ele nega qualquer irregularidade.

Enquanto o conselho lida com as consequências, Lagarde ainda é vista como a principal candidata e tem mantido discussões internas sobre o assunto desde a renúncia de Schwab no mês passado, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto, que pediu para não ser identificada.

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O problema é que Lagarde ainda tem mais de dois anos no BCE e já disse anteriormente que cumprirá seu mandato integralmente.

Isso efetivamente deixa o Fórum Econômico Mundial sem um candidato claro para liderar a organização em um momento crucial.

A organização precisará encontrar uma figura que possa fazer tudo: reformar a instituição para lidar com as alegações de sexismo e bullying durante a gestão de Schwab e, ao mesmo tempo, manter os CEOs que pagam as taxas de associação que geram centenas de milhões de dólares em receita todos os anos.

Quem quer que seja escolhido também terá que garantir que o principal encontro anual do Fórum na cidade de Davos, nos Alpes suíços, continue sendo o evento preferido da elite financeira e política do mundo.

Lagarde, que começou sua carreira como advogada, foi anteriormente Managing Director do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ministra das Finanças da França, a primeira mulher a ocupar ambos os cargos. Ela foi nomeada chefe do BCE para um mandato não renovável de oito anos em 2019.

O ex-CEO da Nestlé Peter Brabeck-Letmathe, de 80 anos, lidera atualmente o conselho do Fórum Econômico Mundial em caráter interino.

Entre seus membros estão agentes de poder global, como o CEO da BlackRock, Larry Fink, a atual Managing Director do FMI, Kristalina Georgieva, o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore e a própria Lagarde. De acordo com a fonte, o conselho gostaria de avançar rapidamente em uma nomeação.

Os porta-vozes do Fórum Econômico Mundial e do Banco Central Europeu não quiseram comentar para a Bloomberg News.

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O Fórum Econômico Mundial - World Economic Forum (WEF) - também discutiu a nomeação de Philipp Hildebrand, da BlackRock, ex-diretor do Banco Nacional Suíço, para o conselho, a fim de manter uma forte influência do país sede no grupo.

Isso seria bem recebido pelo governo da Suíça, no qual há preocupações de que a saída de Schwab possa levar a mudanças maiores e afrouxar os laços do Fórum com o país. Hildebrand, BlackRock e o governo suíço não quiseram comentar.

Longa despedida

Por mais de meio século, Schwab foi a força definidora por trás da organização, que ele criou em 1971 e agora está sediada em um elegante edifício de pedra e vidro na exclusiva cidade de Cologny, no topo da colina, com vista para o Lago Genebra.

Ele conciliava a responsabilidade de dirigir o Fórum Econômico Mundial com o cargo de professor e, posteriormente, professor honorário da Universidade de Genebra.

Foi somente quando já estava perto dos 85 anos que Schwab começou a falar publicamente sobre se afastar da administração diária, apesar de a frustração ter aumentado durante anos entre os funcionários sobre quando o fundador finalmente deixaria o comando.

Finalmente, em maio de 2024, Schwab anunciou que se afastaria da liderança ativa, retirando o termo “executivo” de seu título de chairman e acrescentando a função de CEO ao presidente do Fórum Econômico Mundial, Borge Brende, ex-ministro das Relações Exteriores da Noruega.

Em seguida, em abril, ele disse que se aposentaria, mas seu plano era permanecer na organização até o início de 2027, o que coincidiria com o fim do mandato de Lagarde no BCE.

No mesmo mês, uma amarga batalha interna eclodiu quando Schwab foi informado pelo conselho que havia recebido uma carta que o acusava de má conduta financeira e que haveria uma investigação.

A existência dessa carta foi noticiada pela primeira vez pelo Wall Street Journal.

Os detalhes desse confronto foram obtidos em conversas com pessoas familiarizadas com a liderança de Schwab no Fórum Econômico Mundial, que pediram anonimato para discutir assuntos internos.

Schwab tinha acabado de ser inocentado em uma investigação anterior sobre assédio no meio de 2024, motivada por uma carta semelhante, e disse que se demitiria se a investigação fosse adiante.

Em seguida, enviou um e-mail ao membro do conselho Thomas Buberl, CEO da seguradora AXA, ameaçando-o com uma ação legal. Buberl e o conselho não se deixaram influenciar. Eles desafiaram seu blefe. E Schwab saiu.

Investigação

A queda de braço nos mais altos escalões do Fórum Econômico Mundial marcou uma saída ignominiosa para o fundador octogenário.

O Fórum Econômico Mundial se recusou a comentar sobre os detalhes da investigação, mas disse que ela será “completa e objetiva”.

O órgão regulador de fundações e instituições de caridade da Suíça também analisou as questões, mas até agora não viu motivos para tomar providências.

A agência disse que o conselho está “tomando as medidas necessárias para investigar as alegações”. O órgão de controle pode intervir a qualquer momento se considerar que a investigação não está sendo suficientemente minuciosa.

Schwab negou qualquer impropriedade e disse que ele e sua esposa Hilde sempre tiveram os “mais altos padrões profissionais, financeiros e éticos”.

Em resposta a perguntas, ele disse que “rejeita as alegações apresentadas no e-mail de 16 de abril de 2025 de uma fonte anônima. Somos da opinião de que o Comitê de Auditoria e Risco e o Conselho de Administração do Fórum Econômico Mundial exageraram no tempo, também em relação ao mandato da nova investigação sem uma discussão prévia e aprofundada”.

Toda essa agitação ocorre em um momento crítico para o Fórum Econômico Mundial.

Nos últimos anos, a entidade defendeu causas como diversidade e inclusão como parte de seu compromisso autoproclamado de “melhorar o estado do mundo”.

Mas como o governo de Donald Trump busca ativamente desmantelar os projetos de diversidade e inclusão, muitas empresas cortaram essas iniciativas.

Alguns executivos, participantes de longa data de Davos, também expressaram de forma reservada sua frustração com o que consideram um excesso de temas ligados à agenda ESG no evento.

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Em vez de workshops sobre diversidade no local de trabalho, gênero e meio ambiente, eles querem que o evento seja mais voltado para o networking - sua força histórica - e para a realização de negócios.

Ainda assim, apesar da turbulência, nenhum dos cerca de 900 sócios do Fórum Econômico Mundial cortou verbas até o momento. Esse dinheiro é vital para a organização.

Os pagamentos de associação e parceria renderam 271 milhões de francos suíços (US$ 324 milhões) no último ano fiscal e representaram mais de 60% da receita total.

“A questão é sempre o quanto a marca pessoal está ligada à marca corporativa”, disse Johanna Gollnhofer, professora de marketing da Universidade St. Gallen, da Suíça.

“A organização está claramente em modo de crise e tenta proteger sua marca. A investigação é um exemplo disso. Ela envia uma mensagem: ainda que nosso fundador tenha sido desonesto, você pode confiar em nós como organização.”

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