Bloomberg Opinion — O Prêmio Nobel de Química, anunciado na quarta-feira (9), é um incrível voto de confiança no potencial da Inteligência Artificial (IA) para transformar a maneira como os medicamentos são inventados, usando a IA para iluminar e manipular proteínas, os blocos de construção mais básicos da vida.
A Real Academia Sueca de Ciências homenageou o professor da Universidade de Washington David Baker e dois cientistas da Google DeepMind, o CEO, Demis Hassabis, e o cientista sênior de pesquisa John Jumper.
Hassabis e Jumper foram reconhecidos por vencerem uma corrida de décadas para usar computadores para prever a estrutura de uma proteína com base apenas em seu código genético. O prêmio de Baker é uma homenagem ao seu uso de computadores para inventar proteínas nunca antes vistas.
Em 2020, a DeepMind ofereceu seu primeiro grande avanço e mostrou que seu algoritmo de IA AlphaFold poderia “resolver” corretamente as estruturas de proteínas que os cientistas já haviam desenvolvido em laboratório.
Apenas alguns anos mais tarde, ela ofereceu um feito ainda mais impressionante com a divulgação de reproduções de quase todas as proteínas existentes – todos os 200 milhões de blocos de construção de seres humanos, animais, plantas, fungos, bactérias e muito mais.
Considere que, até pouco tempo atrás, a captura de uma imagem de uma única proteína era um processo meticuloso, geralmente de meses, que às vezes nem funcionava. Portanto, o AlphaFold pode ser novo, mas já transforma essa área.
Nos últimos anos, sempre que visito empresas farmacêuticas para saber mais sobre suas últimas descobertas científicas, tenho o hábito de perguntar: e o que vocês acham do AlphaFold? Vocês o usam? A resposta, sempre, é sim.
Em 2022, Jay Bradner, então chefe de pesquisa da Novartis (agora diretor científico da Amgen), me disse: “Tenho usado mais que o Spotify”.
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Por que a estrutura das proteínas é tão importante? As proteínas são os alvos da maioria dos medicamentos. Às vezes, as próprias proteínas podem ser um medicamento.
Os químicos querem ser capazes de “vê-las” em detalhes intrincados para projetar medicamentos que possam se encaixar no ponto certo – um bolso escondido ou uma parte pegajosa – para desligá-las, ativá-las ou até mesmo ajustar sua atividade para tratar de uma doença.
No entanto, se você folhear um livro didático de bioquímica, verá o desafio: eles têm uma estrutura incrivelmente variada, de bolhas a rabiscos e rodas dentadas.
Não, não estamos em um mundo em que alguém pressiona um botão em um computador e ele lança a planta de um novo medicamento – e duvido que algum dia cheguemos lá.
No entanto as empresas de biotecnologia e as farmacêuticas integraram discretamente a tecnologia de previsão de proteínas ao seu trabalho diário de forma a reduzir o tempo do difícil e lento processo de invenção de novos medicamentos.
E os cientistas da DeepMind continuam a tornar a tecnologia ainda mais útil. Na primavera deste ano no hemisfério norte, a empresa revelou uma versão da tecnologia que pode prever as interações entre proteínas e outros participantes importantes na célula, sejam eles DNA, RNA, moléculas pequenas ou outras proteínas.
E, no ano passado, os cientistas analisaram as estruturas do AlphaFold para descobrir quais alterações em uma proteína são prejudiciais e quais são benignas, uma ferramenta que pode ajudar os pesquisadores a identificar com muito mais facilidade a causa de doenças genéticas raras.
Muitos outros avanços são necessários. Nem todas as estruturas do AlphaFold são perfeitas – algumas estão longe disso – e, portanto, é necessário um refinamento adicional.
E os profissionais da área de design de medicamentos com IA gostariam de poder criar um medicamento que não apenas se fixe em seu alvo mas que também seja seguro e tenha o tipo de propriedades que o tornem um produto comercial viável (por exemplo, um medicamento que permaneça no corpo por tempo suficiente para fazer seu trabalho e que possa ser embalado em uma pílula para facilitar o consumo). Tudo isso ainda é um trabalho em andamento.
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O outro vencedor do prêmio foi David Baker, da Universidade de Washington, que passou sua carreira tentando fazer algo extraordinário: projetar proteínas não encontradas na natureza.
Para isso, primeiro foi necessário entender como as proteínas se dobram (como o trabalho da DeepMind ressalta, não é uma tarefa fácil) e, em seguida, mexer nas sequências genéticas para criar novas estruturas.
Embora as aplicações dessa abordagem abranjam muitas disciplinas, na medicina, isso pode significar qualquer coisa, desde pequenos ajustes no ponto certo para solucionar as deficiências de um medicamento existente ou a criação de algo nunca antes visto.
Quão promissora é essa abordagem? Na primavera passada, os investidores prometeram investir mais de US$ 1 bilhão na Xaira Therapeutics, uma empresa de biotecnologia cuja tecnologia fundamental veio do laboratório de Baker. Isso coloca a empresa nos escalões superiores não apenas das empresas com foco em IA mas de todas as startups de biotecnologia.
O que é incrível no trabalho realizado tanto no laboratório de Baker quanto na DeepMind é o ritmo do progresso. Estamos nos aproximando de um momento no qual o processo de descoberta de medicamentos é mais eficiente e bem-sucedido. Isso é algo para se comemorar.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lisa Jarvis é colunista da Bloomberg Opinion e cobre biotecnologia, saúde e o setor farmacêutico. Anteriormente, foi editora executiva da Chemical & Engineering News.
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