Opinión - Bloomberg

Carros elétricos usados ficam mais acessíveis na Europa - mas não é por um bom motivo

Rápida depreciação dos veículos elétricos pode se tornar um obstáculo para a venda de modelos zero quilômetro, prejudicando a indústria automotiva

Foto de um carro azul petróleo
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — É preciso ter pelo menos 79.000 libras esterlinas (R$ 495.556) para comprar um Porsche Taycan elétrico zero quilômetro no Reino Unido; as versões mais completas desses sedãs esportivos custam dezenas de milhares de libras a mais. Entretanto, Taycans com três anos de uso já estão disponíveis no mercado por menos de 50.000 libras esterlinas (R$ 313.480).

Um SUV Jaguar iPace elétrico usado – eleito o carro do ano em 2019 – pode ser seu por menos de 20.000 libras esterlinas (R$ 125.441), e o hatch elétrico i3 da BMW costuma ter preços abaixo de 10.000 libras esterlinas (R$ 62.720) no mercado de usados britânico.

O revendedor de carros usados de Cambridgeshire, Laurie Kempster, da Auto Union Trading, vendeu 15 Porsche Taycans nas últimas seis semanas – em alguns casos para compradores estrangeiros, por menos da metade do preço do veículo quando novo.

“Percebemos que o preço desses carros estava caindo significativamente, então compramos alguns e eles foram vendidos imediatamente. Então, continuamos comprando”, ele me disse por telefone. “Há demanda por veículos elétricos usados quando os preços se tornam mais razoáveis”.

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Os valores em queda dos usados são ótimos para os clientes em potencial, mas são dolorosos para os primeiros usuários e para o setor automotivo: a rápida depreciação prejudica os proprietários de frotas e encarece os novos aluguéis.

A transição energética fracassará a menos que os governos e o setor automotivo consigam fazer com que os consumidores se sintam à vontade para comprar um veículo elétrico (VE) usado.

Mais de três quartos dos carros comprados anualmente na Europa são usados, mas os elétricos ainda representam menos de 2% das vendas de carros usados em grandes mercados como o Reino Unido e a Alemanha.

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Os preços médios anunciados para elétricos usados caíram cerca de 23% no Reino Unido nos últimos 12 meses, em uma base de comparação, de acordo com os dados compilados pelo site de classificados Auto Trader, enquanto os preços pedidos de veículos usados em geral caíram menos de 6%.

O site agora tem centenas de Porsche Taycans usados à venda; outros modelos de elétricos sofreram quedas de valor ainda piores.

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O setor automotivo conhece bem a depreciação – veículos de todos os tipos perdem valor assim que saem da concessionária e, normalmente, perdem cerca de metade do valor após três anos de uso.

Esse cálculo foi alterado brevemente durante a pandemia, pois um hiato na produção de veículos fez com que os valores dos carros usados disparassem. À medida que os preços começaram a se normalizar, os veículos elétricos perderam valor mais rapidamente do que os modelos com motor a combustão.

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Os veículos movidos a bateria retêm apenas 38,4% de seu valor inicial na troca após 36 meses e 60.000 quilômetros rodados, em comparação com 53,3% do valor original para todos os tipos de combustível, de acordo com dados do Reino Unido compilados em janeiro pela Autovista24, uma afiliada do grupo de preços automotivos. Os preços dos carros usados ainda estão sentindo os efeitos persistentes da pandemia.

Espera-se que a divergência continue, como mostra a projeção de valores residuais futuros da Auto Trader.

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Em alguns casos, os elétricos usados agora são mais baratos do que seus equivalentes com motor a combustão, embora possam ter custado muito mais quando novos. Isso é um problema para as empresas que têm muitos elétricos: em setembro, o serviço de assinatura de carros elétricos do Reino Unido, Onto Holdings, entrou em processo de recuperação judicial, atribuindo suas dificuldades financeiras à queda dos valores residuais.

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As empresas do grupo setorial British Vehicle Rental and Leasing Association estão “quase que universalmente relatando seu alarme com os níveis de risco de valor residual que estão carregando, especialmente com relação aos VEs a bateria”, alertou o órgão do setor em dezembro.

A guerra de preços dos novos carros elétricos desencadeada pelos cortes de preços da Tesla (TSLA) não ajuda, mas há outros fatores em jogo: os consumidores sabem que a próxima geração de veículos movidos a bateria será melhor do que os esforços iniciais dos fabricantes e não estão dispostos a pagar mais por uma tecnologia que, em breve, poderá se tornar obsoleta.

E os clientes continuam preocupados com a longevidade da bateria, apesar do fato de que os elétricos geralmente vêm com uma garantia de oito anos para a bateria e estudos demonstraram que as células não se degradam tão rapidamente quanto se temia.

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As vendas crescentes de novos carros elétricos podem ter proporcionado uma falsa sensação de demanda subjacente dos consumidores. Frotas e empresas são responsáveis por mais de três quartos das vendas de elétricos no Reino Unido, graças aos generosos incentivos fiscais.

“O benefício fiscal torna até mesmo os veículos mais sofisticados financeiramente mais atraentes do que um novo carro mediano a gasolina”, diz Ben Nelmes, diretor executivo da New AutoMotive, um think tank sobre transporte limpo.

“A estratégia do governo do Reino Unido era fazer com que as frotas corporativas comprassem veículos elétricos e, em seguida, fornecer carros mais baratos para o mercado de usados. Isso funcionou muito bem, mas as atitudes do público em relação aos VEs usados foram influenciadas por desinformação e estão céticas.”

O perigo é que não há compradores suficientes quando os veículos corporativos alugados entram no mercado de segunda mão, e há uma incompatibilidade no tipo de veículos disponíveis: os elétricos premium usados em frotas de empresas podem não agradar aos compradores particulares que buscam um modelo barato de segunda mão.

O excesso de elétricos de segunda mão pode piorar à medida que as frotas e as empresas de aluguel, como a Hertz, se desfazem dos VEs devido aos altos custos de depreciação e manutenção e à medida que as regulamentações de emissões forçam os fabricantes a continuar vendendo novos VEs, independentemente da força da demanda.

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Os valores voláteis de usados desencadearam pedidos para que mais governos apoiem o mercado de segunda mão – os EUA e a Holanda estão entre os países que já subsidiam essas compras.

Uma solução mais sustentável é aliviar as preocupações persistentes dos consumidores. Juntamente com a melhoria da infraestrutura de recarga e o enfrentamento dos altos custos de seguro e reparo de colisões, outra prioridade deve ser a aceleração dos esforços para criar um teste padronizado que as concessionárias possam realizar para certificar a saúde da bateria.

Informações mais detalhadas sobre o histórico de carga também ajudariam, pois isso pode afetar a longevidade da bateria.

Os fabricantes também devem investir em suas operações de vendas de VEs de segunda mão, enquanto os locadores devem promover VEs usados para usuários de carros da empresa, em vez de apenas veículos novos.

Por fim, o mercado pode se ajustar e recompensar os VEs com valores residuais melhores do que os modelos com motor de combustão que eles substituem. Mas, enquanto isso, um mercado desordenado de VEs usados pode semear a desconfiança e aumentar o custo do aluguel de novos VEs (cujo preço é calculado com base na depreciação estimada).

Para quem estiver pronto para enfrentar o mercado – e para arriscar mais quedas potenciais no valor residual – este pode ser um ótimo momento para adquirir um veículo elétrico usado barato.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Chris Bryant é colunista da Bloomberg Opinion que cobre empresas industriai na Europas. Anteriormente, trabalhou para o Financial Times.

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