BCs da América Latina reforçam alerta sobre inflação ante pressão por juro menor

Resistência maior à queda dos núcleos da inflação, que excluem os itens mais voláteis de energia e alimentos, são usados como argumento para cautela sobre cortes

Roberto Campos Neto e Fernando Haddad em sessão no Congresso no fim de abril para discussão da política monetária
Por Maria Eloisa Capurro e Mateus Malinowski
22 de Maio, 2023 | 07:24 AM

Bloomberg — Os principais banqueiros centrais da América Latina reforçaram seus alertas de inflação em um evento em São Paulo na última sexta-feira (19), mantendo-se firmes contra a crescente pressão por cortes nas taxas de juros.

Líderes políticos, investidores e empresas em toda a região estão pedindo — e, em alguns casos, exigindo — reduções iminentes das taxas à medida que a inflação desacelera das máximas de vários anos.

O presidente do banco central da Colômbia, Leonardo Villar, disse no entanto que ainda não se pode descartar uma extensão do ciclo de aperto mais agressivo do país, enquanto a presidente chilena, Rosanna Costa, concordou que as taxas básicas de inflação estão altas.

Julio Velarde, do Peru, alertou que a pressão política por cortes de juros “permanecerá”, mas que os formuladores de políticas não devem ceder.

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“Os banqueiros centrais estão mais cautelosos após um período tão longo de inflação acima da meta”, disse Cassiana Fernandez, economista da América Latina do JPMorgan & Chase (JPM), antes da reunião.

Justificativas

Para formuladores de políticas monetárias, como o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, a reunião em São Paulo foi uma chance de se reunir para defender aos políticos impacientes que sua cautela é justificada.

Campos Neto tem enfrentado críticas implacáveis do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a decisão de manter a taxa básica de juros do Brasil em 13,75% ao ano, a mais elevada em seis anos, mesmo com a inflação anual caindo mais de 8 pontos percentuais em relação ao ano anterior.

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“Precisamos entender que discutir política monetária não é uma afronta ao banco central”, disse Haddad na abertura do evento. Mais tarde, ele disse aos jornalistas: “Entendemos que uma janela está se abrindo para um ciclo ou cortes nas taxas”.

Outros podem em breve se encontrar em cenários semelhantes. A taxa de inflação anual do Chile está em um dígito pela primeira vez em 13 meses. Mesmo a Colômbia, um “retardatário” regional que viu os preços acelerarem em seu ritmo mais rápido desde 1999, finalmente atingiu seu “ponto de virada”, disse Villar à Bloomberg News antes do evento.

Investidores no Chile, no Brasil e na Colômbia agora precificam as chances de cortes de juros a partir do segundo semestre de 2023. Investidores no México, onde os formuladores de políticas interromperam os aumentos nesta semana, esperam que a flexibilização comece antes do final do ano.

Mas, perseguidos por novas lembranças de falhas nas previsões durante a pandemia, os banqueiros centrais das Américas apontaram sinais preocupantes nos indicadores de preços subjacentes.

A inflação global pode estar caindo em resposta aos preços mais baixos das commodities, à queda nos custos dos alimentos e à valorização da moeda regional. Mas a imagem não é tão otimista quanto parece quando itens voláteis como alimentos e energia são excluídos, e a inflação provavelmente não atingirá as metas dos bancos centrais em toda a região até o final de 2024.

Os mercados de trabalho, por sua vez, resistem a condições monetárias restritivas e crescimento morno, com taxas de desemprego em níveis pré-pandêmicos. Serviços mais fortes e medidas da atividade geral também intrigaram os analistas que apostam em resultados econômicos mais lentos.

Pior resultado

Esses fatores deixaram os bancos centrais latino-americanos em alerta máximo. No Brasil, Campos Neto disse que a economia de seu país pode estar entrando em uma nova fase marcada por quedas dolorosamente lentas no núcleo da inflação e previsões de preços ao consumidor desequilibradas.

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A inflação do Brasil está se aproximando de 4% ao ano, mas três meses de quedas de preços impulsionadas por cortes de impostos no final de 2022 os fazem parecer mais baixos do que deveriam, dizem analistas como Gustavo Arruda, economista da América Latina do BNP Paribas.

Costa, do Chile, alertou que o dinheiro restante ainda pode estar circulando em sua economia, depois que os cidadãos fizeram US$ 50 bilhões em retiradas antecipadas de aposentadorias, enquanto as transferências do governo atingiram 90% das famílias durante a pandemia.

Mas o maior medo que atormenta os banqueiros centrais da América Latina é ainda mais simples: que seus cortes de juros sejam prematuros, forçando-os a reverter o curso e começar a apertar novamente.

Primeiros cortes

Os investidores ainda dizem que a flexibilização monetária não é uma questão de “se”, mas de “quando”, já que os efeitos tardios dos aumentos agressivos das taxas em 2021 e 2022 atingem as economias locais e o crescimento enfraquece.

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Duas das economias frequentemente negligenciadas da América Latina — Uruguai e Costa Rica — já embarcaram em cortes de juros. Uma combinação de expectativas de inflação em queda e políticas fiscais restritivas provavelmente fará do Peru ou do Chile os próximos da fila em meados deste ano.

No Brasil, os integrantes do Banco Central estão monitorando o avanço do arcabouço fiscal, a legislação que visa controlar a dívida e sustentar os gastos públicos, o que pode levar a cortes de juros em setembro. O México e a Colômbia provavelmente seguirão apenas mais tarde.

“Dada a rapidez com que aumentaram as taxas de juros, eles provavelmente estarão entre os primeiros a cortá-las também”, disse Kimberley Sperrfechter, economista da América Latina da Capital Economics, sobre os bancos centrais da região.

- Com a colaboração de Davison Santana.

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