Grendene avança no exterior com receita que vai da 3G de Lemann a influencers

Operação internacional do grupo calçadista, uma JV com a 3G Radar, cresce 118% em 12 meses e surpreende analistas, descolando de pares como Alpargatas

Atriz e cantora Zhao Lusi, conhecida como Rosy, embaixadora global da Melissa, marca da Grendene que investe no poder de conversão de influenciadoras (Foto: Divulgação)
15 de Maio, 2023 | 04:47 AM

São Paulo — Conquistar o mercado internacional tem sido um objetivo estratégico das maiores empresas calçadistas do país, não importa o posicionamento. Resultados preliminares já influenciam os preços das ações, segundo analistas, diante da relevância da diversificação geográfica.

A ação da Grendene (GRND3) acumula valorização de 10% neste ano versus perda de 1% do Ibovespa no período. O papel da Alpargatas (ALPA4) cai mais de 40%, e o da Arezzo (ARZZ3), 13%.

Analistas listam motivos para o desempenho mais recente acima de seus pares do grupo calçadista do Rio Grande do Sul, dono de marcas tradicionais como Melissa, Ipanema e Rider: ausência de endividamento, aumento de margem bruta, redução de custos, incentivos fiscais e uma expansão até aqui avaliada como bem-sucedida no mercado internacional, hoje dominado pela China.

Para crescer no mercado externo, a Grendene aposta na GGB (Grendene Global Brands), uma JV (joint venture) formalizada em 2021 com a 3G Radar. A gestora é associada à 3G Capital, empresa de investimentos do trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles, Carlos Alberto Sicupira, principais acionistas da Americanas (AMER3), em recuperação judicial desde janeiro.

PUBLICIDADE

No resultado do primeiro trimestre, divulgado na última sexta-feira (12), a Grendene surpreendeu analistas com um crescimento anual de 118% na receita da GGB, que saltou para R$ 7 milhões, ante R$ 3,2 milhões entre janeiro e março do ano passado. São números ainda baixos quando comparados com as receitas com exportações, mas que sinalizam, segundo analistas, um começo na direção certa.

“Os números operacionais iniciais da GGB são promissores, embora ainda com uma visibilidade limitada sobre todo o potencial daqui para frente. No geral, acreditamos que isso foi um resultado positivo com indicações encorajadoras para os volumes e as margens”, avaliaram os analistas do setor do Bradesco BBI, em relatório da equipe liderada por Felipe Cassimiro.

Com sede no Reino Unido, a GGB é responsável pela distribuição e pela comercialização das marcas da Grendene nos mercados dos Estados Unidos, do Canadá, da China e de Hong Kong. A Grendene tem um programa de infuencers da marca Melissa, dentro de sua estratégia de foco em plataformas digitais e consequente aumento da receita com o e-commerce.

PUBLICIDADE

Analistas do setor estão de olho nos dados da nova empresa da Grendene a fim de estabelecer métricas mais precisas para o potencial de ganhos da GGB com o novo formato de atuação do grupo, um dos maiores produtores mundiais de calçados, no mercado internacional.

A companhia atribuiu o resultado em parte às liquidações para queima de estoque nos Estados Unidos mas também a um fator de certa forma inusitado: a força da embaixadora global da Melissa, a atriz e cantora chinesa Zhao Lusi, também conhecida como Rosy, de 24 anos.

Na apresentação do balanço aos analistas, a Grendene destacou que Rosy Zhao é uma “celebridade emergente com alta retenção e lealdade de fãs para conversão de vendas devido ao fato de ter quase 25 milhões de seguidores no Weibo”, uma rede social chinesa. Ela é conhecida mundialmente por estrelar a série de romance e fantasia histórica “Ó, Meu Imperador”, entre outras produções.

O mercado doméstico ainda é a principal alavanca de receita da Grendene. Do faturamento total de R$ 657,6 milhões de janeiro a março, cerca de 75% vieram de vendas no Brasil. A exportação contribuiu com a menor fatia (25%), equivalente a R$ 162,5 milhões.

Desafios da Grendene

“Após a política de Covid zero, quando ficou em lockdown por muito tempo, embarcando [para fora] muito pouco, a China volta a ser um protagonista das exportações de calçados”, disse o CFO da Grendene, Alceu Albuquerque, sobre a concorrência, em entrevista à Bloomberg Línea.

Segundo o executivo, durante os dois primeiros anos da pandemia, o reajuste do frete internacional tornou o produto chinês menos competitivo, dado que calçados são produtos de menor valor agregado e o custo do transporte pesa na composição do preço.

“O frete marítimo da China para o Brasil chegou a atingir US$ 14 mil durante a pandemia. Já voltou para US$ 2 mil no mercado spot, até menos”, contou Albuquerque.

PUBLICIDADE

Além da competição com os calçados chineses, o CFO da Grendene apontou como desafio o cenário de desaceleração da economia internacional com o aperto monetário global.

“Elevadas taxas de juros, especialmente nos países desenvolvidos, que não estão acostumados a trabalhar com inflação, acabam impactado de forma intensa o consumo dessa população”, observou.

Arezzo e Alpargatas

É um impacto que afeta outras empresas calçadistas do país, como a Arezzo, com marcas voltadas para o público de alta renda. A companhia comandada por Alexandre Birmann teve margem bruta de 53,4% no primeiro trimestre, queda de 100 pontos-base na base anual, com impacto do exterior.

A empresa dona das marcas de calçados Arezzo, Schutz, Anacapri, Alexandre Birman e Fiever, entre outras, teve queda de 6,1% no faturamento de suas operações internacionais, para R$ 117 milhões, o equivalente a 9,1% da receita total. Recentemente, a Arezzo inaugurou uma loja da Schutz no bairro do SoHo, em Nova York, o que permitirá a entrega de compras online em até duas horas.

PUBLICIDADE

Há dois meses, a Arezzo deu um passo importante em sua estratégia para se tornar uma plataforma global de calçados de luxo: comprou 65% da marca italiana Paris Texas por 25 milhões de euros, em sua primeira aquisição no mercado internacional - e justamente de uma marca de luxo.

No caso da Alpargatas, dificuldades na execução do seu plano de diversificação geográfica levaram à saída do então CEO Roberto Funari no mês passado. Os resultados do primeiro trimestre decepcionaram mais uma vez, segundo analistas: as vendas internacionais caíram 14,4% em volume e 6,8% em receita líquida na base anual, enquanto a margem Ebitda recuou 12 pontos percentuais, para 9,9%.

O CFO da Grendene, Alceu Albuquerque, disse que a desaceleração global com as taxas de juros mais altas preocupa o setor de calçados, pois impacta o poder aquisito do consumidordfd

Vendas na América Latina

O plano de internacionalização da Grendene mira também a América Latina. Seus três principais destinos na região (Argentina, Peru e Colômbia), no entanto, enfrentam problemas.

“Na Argentina, os bancos não estão emitindo cartas de crédito aos importadores, dentro das medidas do governo para evitar a fuga de dólares. A crise do país atrapalhou nossos embarques. No Peru, há uma crise política, enquanto na Colômbia tivemos problemas de logística com um importador”, disse o CFO.

PUBLICIDADE

O executivo acrescentou que o governo brasileiro busca alternativas para financiar as exportações de todos os setores para a Argentina, por meio do Banco do Brasil (BBAS3), mas as medidas ainda não foram implementadas. O executivo não trabalha com a expectativa de uma melhora no desempenho da exportação de calçados para o país vizinho no curto prazo.

Redução de custos

No mercado doméstico, a receita bruta subiu 15,2% em 12 meses, compensando um recuo de 19,1% no mercado externo. A Grendene encerrou o trimestre com uma margem bruta de 41,9%, uma alta de 402 pontos-base em relação ao mesmo período do ano passado.

PUBLICIDADE

O lucro líquido recorrente subiu 18,1% em 12 meses, para R$ 156 milhões, favorecido pela redução de 6% no CPV (custo do produto vendido), com destaque para a resina de PVC, principal matéria-prima, que ficou 10,6% mais barata em um ano.

“Há excesso de resina nos mercados de Ásia, EUA e Europa devido a elevado nível de estoque, demanda fraca e desaquecimento da economia global”, explicou.

A Grendene tem também otimizado a base de lojas. Fechou cinco unidades da Melissa no primeiro trimestre, ficando com 407 lojas. A situação de caixa é avaliada como confortável. “Temos R$ 2 bilhões em caixa livre e não temos alavancagem nem dívida”, disse Albuquerque.

PUBLICIDADE

Leia também

Crise do varejo: Riachuelo fecha megaloja conceito na rua Oscar Freire

Arezzo compra marca italiana e mira ser plataforma global de calçados de luxo

Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.