Na Charles Schwab, que inspirou a XP, ser um banco se tornou um problema

Negócio bancário, que já foi parte de seu sucesso, agora pode ser considerado um fardo com impacto de juros mais altos e da crise que derrubou o SVB e outros players

En Nueva York
Por Annie Massa
28 de Abril, 2023 | 04:43 PM

Bloomberg — Bob Thompson descreve sua aposentadoria como tranquila e feliz. Ele mora em Indianápolis, nos Estados Unidos, com seu cachorro e cobre as despesas do dia-a-dia com economias que acumulou ao longo de quatro décadas como contador.

Ele confia esse patrimônio a uma empresa de consultoria e planejamento financeiro, que por sua vez administra a maior parte de seus negócios por meio de uma gigante das finanças americanas: a corretora Charles Schwab. “Tive uma impressão muito boa de Schwab”, lembra Thompson.

Hoje em dia, contudo, ele se questiona. A Schwab (SCHW) foi atingida pela crise que envolveu os bancos dos Estados Unidos desde a quebra do Silicon Valley Bank em março. Suas ações perderam um terço do valor em março, na pior queda mensal desde 1987.

Diante de todas as manchetes sobre os problemas do banco, Thompson se perguntou se era hora de ficar preocupado. “Foi simplesmente assustador ouvir esse nome com mais frequência”, disse.

PUBLICIDADE

O fato de a Schwab fazer parte do drama do setor bancário surpreendeu muita gente.

Pergunte qual o tipo de negócio da Schwab e você provavelmente vai ouvir que é uma corretora de valores, uma gestora de patrimônio ou uma gestora de fundos de investimento. Mas no centro do negócio também existe um banco – na verdade, é um dos maiores do país – com depósitos de mais de US$ 300 bilhões.

O banco é a operação que recebe aquele dinheiro que não está investido no mercado e que fornece cartões, ajudando a tornar a empresa uma prateleira financeira completa para seus 34 milhões de clientes – em grande parte, ricos.

PUBLICIDADE

Thompson decidiu então que não havia motivo para surtar. Os ativos mantidos na Schwab – ações e títulos, fundos mútuos e similares – são legalmente separados da empresa e isolados de tudo o que acontece no banco.

E as contas bancárias são protegidas pelo Federal Deposit Insurance Corp (o Fundo Garantidor de Créditos dos EUA) até US$ 250.000 por depositante, por banco e tipo de conta. A Schwab diz que 86% de suas contas estão dentro dos limites do seguro.

Os executivos da Schwab gostam de chamar a empresa de “um porto seguro na tempestade” para seus clientes. Mas sua unidade bancária fez com que a empresa como um todo navegasse em águas agitadas nos últimos meses.

Como outros bancos, o valor de seus ativos caiu com o aumento das taxas de juros – com cerca de US$ 28 bilhões em perdas não realizadas em seu balanço no final do ano passado.

Ao mesmo tempo, os clientes movimentaram seu dinheiro em busca de maiores rendimentos.

A Schwab não é o SVB: seus clientes não estão concentrados no universo das startups de tecnologia, e uma porcentagem muito maior de seus depósitos são segurados, então não é tão vulnerável a uma corrida rápida para resgates.

O que a Schwab enfrenta, em vez disso, é um problema mais lento sem solução fácil. Seu banco agora pode ser considerado um fardo, quando antes era uma parte fundamental de seu sucesso.

PUBLICIDADE

Se a Schwab fosse uma loja, seria o Walmart (WMT): está em toda parte e oferece um leque de opções. Quer investir em ações da Apple (AAPL)? Use uma conta de corretagem da Schwab. Precisa de ajuda para economizar para a faculdade? Fale com um consultor da Schwab em uma das mais de 400 filiais. Procurando um investimento barato? Você pode comprar um fundo negociado em bolsa (ETF) da Schwab, mesmo que seu corretor seja da Fidelity ou ligado a outra empresa.

E você também pode comprar facilmente fundos de outras empresas na plataforma da Schwab.

Assim como uma rede de fast food, a corretora deve seu sucesso a um princípio fundamental: os custos baixos.

A história da Schwab

Charles Schwab fundou sua empresa de mesmo nome na década de 1970 e a transformou em um contraponto aos corretores de Wall Street.

PUBLICIDADE

Aproveitando a desregulamentação das comissões de corretagem, ele ofereceu um grande desconto nos custos de negociação em comparação com o que os rivais cobravam e atraiu investidores que queriam escolher ações por conta própria em vez de seguir conselhos de gerentes de banco.

À medida que mais americanos foram atraídos a investir por contas individuais de aposentadoria e um longo boom do mercado de ações, a Schwab floresceu, porque reconheceu que mesmo as pessoas com dinheiro de sobra não gostam de sentir que estão pagando demais.

Quando a Schwab se desviou um pouco desse espírito na crise das “pontocom”, no início dos anos 2000, e passou a cobrar preços mais altos do que concorrentes como a ETrade e a Ameritrade, o próprio fundador voltou à raiz do negócio, substituindo o então CEO David Pottruck.

Ele começou a cortar custos e a empresa lançou seus famosos anúncios “Fale com Chuck”. A Schwab introduziu seu banco em 2003.

PUBLICIDADE

À medida que o modelo de corretagem de desconto se tornou a forma como a maioria das pessoas comprava ações, as comissões em todo o setor ampliaram as quedas. A corretora inspirou novos negócios em outros países, como a brasileira XP Inc. (XP), de Guilherme Benchimol, a maior do seu mercado.

A fonte do problema

Em 2019, a Schwab seguiu o exemplo de aplicativos de negociação para investidores iniciantes como o da Robinhood e baixou as comissões para zero. Esse impulso implacável para reduzir os preços é, de certa forma, a raiz do problema atual de Schwab.

PUBLICIDADE

Se você já se perguntou como a empresa ganha dinheiro oferecendo negociações gratuitas, o banco é uma grande parte da resposta.

A maior parte da receita da Schwab vem das chamadas “raspa-contas”, que guardam dinheiro não investido que é transferido da corretora para contas bancárias. A Schwab reinveste esse dinheiro, lucrando com a diferença entre a taxa de juros que paga ao cliente e a taxa que recebe.

Depois que começou a oferecer negociações gratuitas, a Schwab adquiriu a TD Ameritrade. Foi quando explodiu a pandemia de covid-19 e o segmento de investimento de varejo foi à loucura, levando os volumes da Schwab a baterem recordes.

PUBLICIDADE

Os depósitos aumentaram e a empresa precisou investi-los. O montante foi então alocado em títulos do governo e títulos hipotecários lastreados por agências dos EUA.

Mas, quando o Federal Reserve iniciou em 2022 sua agressiva campanha para conter a inflação, as taxas de juros subiram fortemente. Isso fez com que os títulos nas mãos da corretora perdessem valor, de modo que o portfólio da Schwab foi atingido – embora sua qualidade de crédito fosse alta.

Enquanto isso, seus clientes começaram a ir às compras. A empresa agora paga aos clientes uma taxa de 0,45% em seus produtos de depósito.

PUBLICIDADE

Mas é fácil ganhar 10 vezes mais em um fundo do mercado ou em um certificado de depósito – similares aos Certificados de Depósito Bancário (CDBs) existentes no mercado brasileiro.

E como a Schwab é um supermercado financeiro, você pode fazer essa troca direto na plataforma.

No jargão de Wall Street, quando os clientes procuram um melhor rendimento para seu dinheiro não investido, isso é chamado de “cash sorting”, em inglês, mas também é muito bom senso. É um comportamento típico dos clientes da Schwab – na verdade, a empresa diz que incentiva essas realocações de patrimônio.

PUBLICIDADE
Prédio da Charles Schwabdfd

Os depósitos bancários na Schwab caíram US$ 41 bilhões, para US$ 325,7 bilhões, nos primeiros três meses de 2023 – uma queda de 11%. No ano passado, os depósitos afundaram 30%.

A empresa está se fortalecendo ao tomar dinheiro emprestado a taxas de juros mais altas, tornando-se a maior tomadora do Federal Home Loan Bank de Dallas (FHLB).

A corretora havia tomado emprestado um total de US$ 45,6 bilhões do FHLB até o final de março, contra US$ 12,4 bilhões no final do ano. Antes disso, no final de 2021, a Schwab não havia tomado emprestado nada do sistema FHLB.

Wall Street teme que isso não seja sustentável, enquanto executivos da Schwab dizem que esses empréstimos são temporários.

A Schwab ainda é lucrativa

Recentemente, a companhia relatou um salto de 12% no lucro líquido ajustado em relação ao ano anterior. Executivos disseram que os movimentos de caixa dos clientes já dão sinais de redução.

O CEO Walt Bettinger e um grupo de executivos da Schwab disseram aos investidores em uma teleconferência após o último balanço trimestral que os clientes tendem a retirar dinheiro de forma “raspa-conta” em grandes quantidades de uma única vez.

Eles acrescentaram que os ativos geralmente permanecem no ecossistema da Schwab, mesmo quando os clientes sacam os depósitos. Ainda assim, a empresa ganha mais com essas contas do que com taxas de fundos de investimento.

Esta não é a primeira vez que movimentos da Schwab com dinheiro de clientes ganham os holofotes. No ano passado, a empresa pagou US$ 187 milhões aos reguladores para resolver as alegações de que seu serviço online gratuito “robô financeiro” prejudicou o retorno dos clientes ao alocar muito em ativos de alta liquidez. A Schwab não admitiu nem negou as acusações.

A liderança da Schwab disse que há uma chance “quase zero” de que eles precisem vender qualquer uma de suas centenas de bilhões de dólares em títulos de dívida antes de vencerem.

Eles disseram que a Schwab tem muito dinheiro fluindo para reforçar a liquidez e aponta para US$ 300 bilhões em outras fontes de financiamento, incluindo sua linha de crédito do FHLB e o apoio de emergência que o Fed ofereceu a todos os bancos desde o colapso do SVB.

Outras fontes de financiamento incluem certificados de depósitos (CDs). Cerca de US$ 19 bilhões em CDs da Schwab foram vendidos por meio de corretoras rivais — entradas que fortaleceram seus ativos de serviços ao investidor no primeiro trimestre.

O futuro da Schwab

E daqui para frente? Para onde a companhia vai a partir daqui? Um analista, brincando com essa questão, sugeriu que a companhia poderia se desfazer inteiramente de seu banco como último recurso. Bettinger descartou essa ideia em uma entrevista à CNBC.

“Não é algo que vemos a curto prazo”, disse ele à rede de TV americana.

O banco de Schwab provavelmente enfrentará um novo cenário regulatório. As implosões do SVB e, posteriormente, do Signature Bank aumentaram o escrutínio sobre bancos que anteriormente não eram considerados grandes demais para falir - o famoso Too Big to Fail.

“Esperamos uma grande probabilidade de mudança regulatória”, disse Kyle Voigt, analista da Keefe Bruyette & Woods.

Angel, professor de Georgetown, disse que os investidores que possuem ações da Schwab provavelmente reavaliarão as perspectivas da empresa. Mas e seus clientes? Angel está entre eles e não está tirando seu dinheiro da Schwab.

Ele disse que está confiante em saber que seus depósitos são garantidos pelo FDIC. “Deixe-me colocar meu chapéu de cliente da Schwab desde 1983″, afirmou Angel. Quando se trata dos problemas enfrentados pela Schwab, “eu realmente não me importo”.

Veja mais em bloomberg.com

Leia também

O começo mais desafiador do Nubank no México, segundo o Bradesco BBI

Vale eleva aposta em metais básicos após informar queda do lucro no 1º trimestre