Banco Mundial e o FMI estão focando em outros objetivos como clima e igualdade de gênero
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — O clima nas reuniões do FMI/Banco Mundial este mês não era dos melhores. O Banco Mundial disse à comunidade internacional para se preparar para o baixo crescimento e a possibilidade de uma década perdida. O Fundo Monetário Internacional alertou sobre o baixo crescimento e os consideráveis riscos financeiros decorrentes.

LEIA +
FMI alerta que perspectiva de crescimento em 5 anos é a mais fraca desde 1990

Mesmo assim, parte da razão pela qual devemos ser pessimistas em relação ao crescimento futuro decorre do fato de ambas as instituições não cumprirem suas missões de promover políticas de cooperação econômica, comércio e crescimento, como o investimento baseado no mercado.

A desaceleração econômica mostra por que a missão original é exatamente o que o mundo precisa no momento, mas em vez disso, as organizações estão mudando o foco e correm o risco de se tornarem ainda menos relevantes no futuro.

O FMI e o Banco Mundial foram criados em 1944 na Conferência de Bretton Woods, com o objetivo de refazer a ordem econômica mundial e evitar erros do passado. Na esteira da Grande Depressão, e com a Segunda Guerra Mundial em curso, houve um reconhecimento de que uma política econômica nacionalista que restringisse o comércio e outras políticas que não levassem em consideração os países parceiros prejudicaria o crescimento e minaria a estabilidade financeira de todos.

PUBLICIDADE

Os países sobrecarregados pela dívida também precisavam de assistência, ou seus problemas poderiam tornar-se o problema do mundo. A economia global teria melhores resultados com melhor coordenação e cooperação entre os países.

O FMI e o Banco Mundial têm funções complementares. O FMI monitora as condições financeiras, oferecendo consultoria sobre políticas econômicas e, notadamente, fazendo empréstimos condicionais quando os países passam por problemas financeiros. Por sua vez, o Banco Mundial faz projetos de desenvolvimento e oferece ajuda e empréstimos para fomentar o crescimento em países em sua maioria mais pobres.

Durante as últimas décadas, as duas instituições foram, em sua maioria, bem sucedidas, mesmo cometendo alguns erros. O comércio tinha se expandido, assim como os fluxos internacionais de capital, e houve um declínio histórico na pobreza global.

PUBLICIDADE

Hoje, as instituições navegam pelo crescente ceticismo a respeito dos benefícios de um mundo economicamente integrado. Muitos países mais ricos, notadamente os Estados Unidos, estão voltando ao nacionalismo econômico. O país está mais cauteloso a respeito da imigração, do capital estrangeiro e do comércio, ao mesmo tempo em que seguem uma política industrial para construir fábricas nacionais.

Enquanto isso, nos anos anteriores à pandemia, os países mais pobres voltaram-se para instituições da China, não as de Washington, para projetos de desenvolvimento e até mesmo empréstimos quando enfrentaram uma crise de balanço de pagamentos.

LEIA +
A América Latina sabe como navegar por uma crise financeira como ninguém

Por isso o momento é tão crítico. O futuro de baixo crescimento que o Banco Mundial e o FMI preveem será em certa medida o resultado de menos comércio, mais restrições ao capital global e políticas industriais que desviam o capital para usos menos produtivos.

A estabilidade financeira também está ameaçada por bancos centrais que seguem políticas de combate à inflação nacional e que podem prejudicar outros países.

PUBLICIDADE

Mais coordenação econômica e um compromisso renovado com o comércio e os mercados é exatamente o que precisamos agora. E precisamos ainda mais do que antes.

A tecnologia aumenta a margem para mais crescimento por meio do comércio, porque bens e capital podem atravessar fronteiras mais facilmente. Novas tecnologias como a inteligência artificial podem trazer mudanças profundas que podem trazer mais prosperidade, mas também correm o risco de causar perturbação econômica e desinformação. Uma melhor coordenação entre fronteiras é fundamental para gerenciar estes desafios, desbloqueando o crescimento e suavizando a volatilidade resultante.

Entretanto, a desigualdade global ainda é muito grande. Fizemos progressos, mas os países mais pobres ainda têm o potencial para crescer e oferecer melhores vidas a seus cidadãos. Mais tecnologia e integração econômica também podem ajudá-los. Se ficarem de fora, eles só ficarão mais defasados.

PUBLICIDADE

Mas em vez de encontrar voz e propósito em seus valores fundadores, o Banco Mundial e o FMI estão focando em outros objetivos como clima e igualdade de gênero. O FMI se comprometeu a acrescentar avaliações de risco climático às suas avaliações de risco financeiro e econômico – e a colocar o clima no “coração” de seu trabalho.

O Banco Mundial está comprometendo 35% de seu orçamento para o clima e Janet Yellen quer que a resiliência econômica (clima) seja adicionada à declaração de missão do banco.

Pode parecer inteligente, mas ainda há muita pobreza e instabilidade financeira a serem combatidas. Colocar mais recursos no clima significa menos dinheiro e pessoal disponível para o desenvolvimento e monitoramento de outros riscos econômicos.

LEIA +
Alerta à inflação: déficit global de petróleo terá pico no fim do ano, prevê Opep

Yellen afirma que o novo foco no clima não vai ocorrer em detrimento desse outro foco, mas os recursos são finitos. O risco não é apenas de menos recursos para combater a pobreza, mas deixar um vácuo a ser preenchido pela China – e o compromisso e a capacidade da China de financiar o desenvolvimento não apenas é mais incerto certo, como também cria novas camadas de riscos políticos.

É verdade que o clima precisa ser priorizado e que, a longo prazo, o clima e o crescimento econômico estão ligados. Nossos objetivos climáticos certamente exigem mais cooperação internacional, da mesma forma que a política comercial e monetária. Contudo, instituições encarregadas do clima como sua missão explícita, com seus próprios orçamentos e pessoal, enfrentariam melhor esse desafio. O FMI e o Banco Mundial precisam cuidar de seus próprios negócios.

Mudar o foco apenas envolve as instituições em questões politicamente mais polêmicas. Até mesmo governos populistas podem apoiar instituições que são pró-crescimento. Abordar questões de clima, o gênero e igualdade significa lutar contra caprichos políticos e retaliação, e estas são questões menos urgentes para os países em desenvolvimento.

Desde a fundação do FMI e do Banco Mundial, nunca foi tão difícil promover a cooperação econômica para equilibrar crescimento e estabilidade. O baixo crescimento previsto representa um fracasso dos países membros em honrar a missão original. Se estas instituições querem permanecer relevantes, precisam lembrar o mundo por que existem e por que essas prioridades originais são mais críticas para o futuro do que nunca, em vez de preferir objetivos mais em voga.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Allison Schrager é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de economia. É pesquisadora sênior do Manhattan Institute e autora de “An Economist Walks Into a Brothel: And Other Unexpected Places to Understand Risk”.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Um dos estrategistas mais pessimistas de Wall St alerta sobre ações de tech