Mudanças climáticas e chuvas extremas impactam preços de ativos no país

Fenômenos intensos têm se tornado mais frequentes e passam a ser um risco maior a ser monitorado para os resultados de empresas listadas, de seguradoras a varejistas

Catástrofes naturais no Brasil geraram US$ 5,5 bilhões em perdas econômicas no ano passado, segundo estudo
25 de Março, 2023 | 07:49 AM

Bloomberg Línea — O verão de 2023, que chegou ao fim nesta semana, deixou um alerta para investidores em relação aos efeitos das mudanças climáticas para as empresas dos mais variados setores.

As chuvas extremas que causaram mortes, inundações, deslizamentos e danos em diversas partes do país, como o litoral norte de São Paulo, são um fenômeno cada vez mais frequente e se tornaram um risco para os ativos. Não por acaso, um dos setores que se preocupam é o mercado de seguros devido ao risco de afetar resultados de empresas como BB Seguridade (BBSE3) e IRB Brasil Resseguros (IRBR3).

Neste ano, até o dia 20 de março, as ações do IRB acumulavam baixa de 19%, acima da perda do Ibovespa (-7,6%) no período. Já os papéis do BB Seguridade se desvalorizaram 4% no ano.

“Seguimos monitorando os impactos do La Niña: um componente de risco climático que pode impactar as companhias mais expostas ao ramo rural, como a BB Seguridade e o IRB”, escreveu o analista Luan Calimério em relatório do BB Investimentos.

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O fenômeno climático La Niña se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais da faixa equatorial do Oceano Pacífico com a alteração do regime de vento na região. É o oposto de El Niño e provoca enxurradas em uma região, como o Nordeste, e estiagem em outra, como o Sul.

De acordo com Agência Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), o La Niña teve duração de 3 anos e se encerrou no último dia 9 de março. As previsões indicam que é possível que o fenômeno dê lugar ao El Niño (o aquecimento das águas no Pacífico) entre o final do inverno e o início da primavera de 2023, depois de um período provável de neutralidade.

As mudanças climáticas também afetam outros segmentos. Varejistas têm reportado o impacto negativo do tempo atípico em seu faturamento. Maior grupo de moda do Brasil, o Grupo Soma (SOMA3), dono de marcas como Animale e Farm, apontou, em balanço, o “clima mais frio” como um dos fatores que reduziu em 40% o fluxo de pessoas nas lojas nos últimos meses do resultado. A Ambev (ABEV3) também atribuiu ao “mau tempo” o desestímulo ao consumo de cerveja fora de casa.

As últimas estatísticas divulgadas pela Susep (Superintendência de Seguros Privados), referentes ao mês de fevereiro, mostram que os maiores crescimentos dos prêmios emitidos pelo setor de seguros (valor pago pelo seguro contratado) foram nos ramos rural e auto (+30,3% e +30,6%, respectivamente na comparação anual).

Isso se deve ao processo de reprecificação realizado ao longo dos últimos meses pelas seguradoras a fim de ajustar os prêmios emitidos à inflação e aos maiores custos com sinistros.

No mês passado, o total de prêmios emitidos atingiu R$ 161,1 bilhões no acumulado de 12 meses, um aumento de 18,9% - que havia sido de 21,7% em janeiro. Considerando só fevereiro, o volume foi de R$ 10,2 bilhões, com queda de 11,4% depois de uma alta de 20,2% em janeiro.

“O índice de sinistralidade, que mensura os sinistros pagos em relação aos prêmios ganhos, fechou em 50% na visão mensal e em 47% no acumulado de 12 meses. Aparentemente, os impactos causadas por fenômenos climáticos, como o La Niña, começam a ser sentidos em maior magnitude no ramo rural, dada a subida da sinistralidade no segmento de 37% em janeiro para 56% em fevereiro”, disse o analista.

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Há quem espere um menor impacto a partir de abril. “As temperaturas do Pacífico permanem abaixo da média, ainda em condições de La Niña. Porém, os modelos de previsão já começam a indicar o enfraquecimento do fenômeno e uma transição para a neutralidade climática”, observou relatório da consultoria agro do Itaú BBA.

Operários trabalham em trecho da Rio-Santos na altura da praia de Toque-Toque; temporal no mês passado deixou mortos e rastro de destruição no litoral norte de São Paulo

Seguro de veículos

Os recentes eventos ocasionados pelas fortes tempestades tropicais podem afetar as seguradoras do país que estão mais expostas a coberturas de propriedades e automóveis, analisou a Fitch, agência de classificação de risco, em relatório.

Segundo a FenSeg (Federação Nacional de Seguros Gerais), os eventos provocados pelos temporais no litoral norte de São Paulo durante o carnaval fizeram disparar o acionamento de seguros de automóvel, com cerca de 3 mil pedidos de atendimento em 15 seguradoras. Entretanto, o impacto total financeiro da tragédia deve ser limitado, devido à baixa penetração de seguros no país.

No Brasil, estima-se que apenas 30% da frota de automóveis possuam algum tipo de seguro, citou o relatório. Já para os ramos de vida e propriedade, este indicador fica em torno de 15%.

“Nos últimos meses, as seguradoras brasileiras com cobertura de automóveis vinham recuperando gradativamente sua rentabilidade e seus índices de sinistralidade, que haviam sido impactados pela inflação nos custos de reposição de peças, sobretudo no primeiro semestre de 2022. Os eventos recentes, portanto, representam um desafio a mais para esta recuperação”, apontou a Fitch.

Área afetada por chuva em Recife, capital pernambucana, vista em sobrevoo em março de 2022

Safras do agronegócio ameaçadas

A maior frequência de fenômenos climáticos atípicos, como temporais, alagamento, enchentes ou estiagens, trouxe um ponto de atenção para o setor de seguros, após o auge da pandemia da covid-19. A preocupação maior recai sobre os maiores riscos de quebra de safra.

“A queda expressiva na sinistralidade do seguro de vida e demais produtos com cobertura de morte praticamente neutralizaram financeiramente as perdas ocasionadas no segmento rural, com o fenômeno La Niña”, disse Rogério Idino, CEO da Brasilseg.

Já o IRB Brasil teve perdas de R$ 1,2 bilhão em 2022 com sinistros na linha agro (R$ 975,1 milhões) e da covid-19 na linha vida (R$ 228,2 milhões). “O índice de sinistralidade reflete os eventos climáticos atípicos que afetaram o segmento de agronegócio doméstico e os impactos da pandemia na linha de vida”, disse o VP de operações do IRB, Wilson Toneto.

Preço das catástrofes naturais

As catástrofes naturais no Brasil geraram US$ 5,5 bilhões em perdas econômicas no ano passado, segundo um estudo da Aon, gestora internacional de riscos e seguros. Desse valor, US$ 4 bilhões são relacionados à seca, e o restante, a temporais e inundações. As tempestades foram responsáveis por cerca de 460 fatalidades no país em 2022, informou o relatório da Aon.

“As mudanças resultantes do aquecimento global nos últimos anos têm tornado cada vez mais comuns eventos extremos no Brasil, como chuvas muito intensas e volumosas em curto espaço de tempo – o que, em conjunto com a urbanização desordenada, potencializa a ocorrência de desastres ambientais em diversas regiões do litoral brasileiro”, mencionou o relatório da Fitch.

O estudo da Aon estimou que os desastres naturais foram responsáveis, em 2022, por uma perda econômica de US$ 313 bilhões em todo o mundo. Este valor é 4% maior que a média do século 21.

A recuperação do armazenamento dos reservatórios do Sistema Cantareira, formado por cinco mananciais, se deve às vazões afluentes (que chegam ao manancial) dos últimos meses, que, embora tenham ficado abaixo da média durante todo o ano de 2022 e superado a média somente em fevereiro de 2023, contribuíram para o aumento do armazenamento no Sistema

Recuperação dos reservatórios

O excesso de chuva tem, no entanto, contribuído para a recuperação dos reservatórios hidrelétricos, com efeitos positivos para a economia. O Sistema Cantareira, o maior da Grande São Paulo, atingiu na última terça-feira (21) 80,3% de nível de armazenamento, o maior desde setembro de 2011, segundo a Sabesp.

Um dos impactos dos reservatórios mais cheios é sentido no setor de energia. Nos últimos seis meses, os preços de eletricidade caíram drasticamente no país, passando da faixa de R$ 170-R$ 180/MWh para menos de R$ 100 neste ano.

Os analistas Vicente Falanga (Bradesco BBI) e Ricardo França (Ágora Investimentos) explicam que a queda reflete a sobreoferta que vem da construção de projetos de fontes de energias renováveis (eólica e solar), alimentada por subsídios, além da recuperação dos reservatórios.

“Esse cenário seria muito negativo para geradoras como Eletrobras (ELET6), AES Brasil (AESB3), Auren (AURE3), Eneva (ENEV3), Engie (EGIE3) e Omega (MEGA3) - as concessionárias integradas com ativos de geração também seriam atingidas”, previram os analistas.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.