Opinión - Bloomberg

McDonald’s precisa se explicar à SEC em meio a mentiras do ex-CEO

Órgão que regula o mercado americano ainda não multou a empresa, mas a investigação sobre a demissão do ex-CEO tem sérias implicações regulatórias

Eis o histórico: quando o McDonald’s demitiu Easterbrook em 2019 por trocar mensagens de teor sexual com um(a) colega, a empresa disse que ele havia violado a política da empresa e demonstrado mau julgamento
Tempo de leitura: 4 minutos

Bloomberg Opinion — E a saga do McDonald’s (MCD) tem um novo capítulo.

A Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos, acusou Stephen Easterbrook, ex-CEO da empresa, de fazer declarações falsas e enganosas sobre as relações com as funcionárias que o levaram a se demitir em novembro de 2019. Easterbrook concordou em se abster de ocupar um cargo de diretor em qualquer empresa de capital aberto nos EUA e com uma multa de US$ 400 mil.

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O McDonald’s, por sua vez, foi acusado de “divergências em suas divulgações públicas”. Traduzindo: a empresa omitiu alguma coisa da procuração.

Apesar da acusação, a empresa não foi multada. A SEC justificou a decisão, na terça-feira (10), apontando a “cooperação substancial” e as “medidas corretivas” que a empresa já havia tomado – em dezembro de 2021, Easterbrook concordou em pagar ao McDonald’s US$ 105 milhões depois que a empresa o processou para recuperar a compensação.

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Talvez seja a falta de uma multa, sua natureza técnica, ou simplesmente não ser tão boa como a fofoca de Easterbrook na narrativa, mas de alguma forma a acusação contra o McDonald’s acabou como uma nota de rodapé em todo ocorrido, quando, na verdade, deveria ter sido a manchete. A acusação transforma o caso sórdido de uma história do McDonald’s com lições de liderança e administração em uma outra situação com sérias implicações regulatórias para a América corporativa sobre o que ela deve revelar aos investidores.

Eis o histórico: quando o McDonald’s demitiu Easterbrook em 2019 por trocar mensagens de teor sexual com um(a) colega, a empresa disse que ele havia violado a política da empresa e demonstrado mau julgamento. Entretanto, a diretoria decidiu não demiti-lo por justa causa, permitindo que Easterbrook deixasse a empresa com mais de US$ 40 milhões em indenização.

Menos de um ano depois, um denunciante gerou uma nova investigação que constatou que Easterbrook de fato teve múltiplas relações sexuais com funcionários no ano anterior à sua partida e supostamente tentou encobrir seus atos durante a investigação inicial. O McDonald’s processou Easterbrook e posteriormente disse que se essa informação fosse de seu conhecimento quando o demitiu, não o teria feito sem justa causa.

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É exatamente a justa causa que é fundamental na investigação da empresa pela SEC. A agência está dizendo que as “divergências” na divulgação pública do McDonald’s não decorrem da decisão de demitir Easterbrook sem justa causa, mas da não divulgação de que a decisão de fazê-lo ficou a critério da diretoria.

Pode parecer um detalhe técnico, mas não é exagero dizer que a informação é relevante para os investidores. Demitir Easterbrook sem justa causa lança uma luz sobre o conselho e revela informações substanciais sobre seu pensamento e processo. Essa decisão tornou a empresa um alvo de um grupo de acionistas, que pediu que o conselho fosse reciclado – incluindo com a destituição do presidente Rick Hernandez, conselheiro de longa data.

O McDonald’s fez algumas concessões aparentes, acrescentando quatro novos membros ao conselho desde a saída de Easterbrook. Contudo, todos os diretores que supervisionaram a investigação de Easterbrook, exceto um, permanecem no conselho.

A decisão da SEC vem com seus detratores. Dois dos próprios comissários da SEC discordaram – algo que historicamente era raro mas que se tornou muito mais comum na última década – chamando a ordem de uma “nova interpretação” das regras de divulgação da agência. O argumento é que exigir que uma empresa divulgue o motivo de sua decisão de demitir com ou sem justa causa está além do escopo das regras e pode gerar confusão.

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Nem o McDonald’s nem Easterbrook negaram ou confirmaram as constatações da SEC.

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O tipo de acordo que o McDonald’s fez com Easterbrook está longe de ser incomum. Quando passam por uma crise de liderança, as empresas querem avançar rápida e silenciosamente, e ambos os lados têm poderosos incentivos para chegar a um acordo. O McDonald’s fez exatamente essa afirmação em seu processo contra Easterbrook, dizendo que sua decisão de demiti-lo sem justa causa foi uma tentativa de proteger os interesses da empresa e criar a menor perturbação possível. Provavelmente, isso fez parte da negociação da demissão de Easterbrook.

A ordem da SEC agora torna esse ponto de negociação menos disponível para as empresas que estão demitindo um executivo. O que as organizações dizem sobre a saída de um CEO não é apenas uma decisão de negócios, mas uma clara questão regulatória. Os conselhos terão que ser mais francos e transparentes em suas divulgações, mostrando com ainda mais clareza suas deliberações. A mensagem da SEC é muito clara: seja franco ou arrisque passar por uma investigação profunda.

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Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a América corporativa. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.

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