As lições de investidores e fundadores depois do aperto em startups em 2022

Ano foi marcado pela redução dos investimentos de venture capital, layoffs em unicórnios e a queda de valuations de algumas das maiores empresas do mercado privado

Investimento em venture capital acumulado até novembro de 2022 no Brasil foi de US$ 4,48 bilhões, a metade de 2021
29 de Dezembro, 2022 | 08:08 AM

Bloomberg Línea — O ano de 2022 foi desafiador para startups e investidores. Quando as taxas de juros subiram e deixaram os investidores mais avessos ao risco, startups e big techs tiveram de rever seus planos, demitindo pessoas e congelando contratações. Foi um ano de correções e do “fim do almoço grátis”.

Com maior custo de capital, os investidores começaram a demandar o fim da estratégia de crescimento a qualquer custo. Coube aos empreendedores pensar nos custos da operação e se preparar para um momento de capital mais escasso.

Alguns down rounds (rodadas de investimento com valuations abaixo das captações anteriores) relevantes refletiram a retração do setor de venture capital. Foi o caso da empresa americana de processamento de pagamentos Stripe, que viu seu valuation ser cortado em 28%.

Já a sueca Klarna, que opera no modelo Buy Now, Pay Later, viu seu valuation despencar 86%; e o aplicativo de entregas Instacart, dos Estados Unidos, teve seu valor cortado em quase 75% em relação ao preço que os investidores pagaram no começo de 2021, passando de US$ 39 bilhões para US$ 10 bilhões, segundo o The Information.

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No Brasil, apesar de não terem sido públicos down rounds relevantes até o momento, houve movimentações de unicórnios com grandes demissões como o Ebanx, Loft, QuintoAndar, Dock, além de uma rodada da Creditas que foi “flat”, ou seja, no mesmo valuation da rodada anterior.

Segundo a plataforma StartSe, o investimento global em venture capital caiu de US$ 172 bilhões no terceiro trimestre de 2021 para US$ 81 bilhões no terceiro trimestre deste ano. Ainda assim, o panorama do terceiro trimestre de 2022 ainda é maior do que o mesmo período em 2019, quando US$ 68 bilhões foram investidos.

Segundo a plataforma de dados Pitchbook, olhando a parcela de ativos de capital privado sob gestão em 2022 (até 30 de setembro) em todo o mundo, 36,5% está alocado em private equity e 25,1% em capital de risco.

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O PitchBook espera mais uma desaceleração do capital de risco mundial em 2023. Mas nem tudo é uma perspectiva sombria, já que a captação de fundos de venture capital americanos com fundos de pensão, endowments, ou family offices atingiu uma nova máxima em 2022, superando 2021 em apenas três trimestres.

Assim, o Pitchbook considera que os fundos ainda tem muito “dry powder”, ou seja, dinheiro para investir. Em 2022, a Kaszek foi a empresa que mais participou de rodadas no Brasil, com 24 transações. 90% dos Limited Partners (investidores que têm seus ativos geridos pela empresa de Hernán Kazah) da Kaszek são dos Estados Unidos, Europa ou Ásia.

Veja o que dizem investidores e founders sobre 2022:

Renato Valente, sócio da Iporanga Ventures, disse que 2022 começou com um primeiro trimestre forte, mas os investidores já sabiam que a correção viria. “Havia uma euforia maior, devido ao excesso de liquidez que os governos colocaram nas economias. Esse dinheiro busca retorno e, com juros baixos no mundo inteiro [durante a pandemia], você acaba tomando mais risco. E os ativos de mais risco acabam atraindo mais capital. Venture Capital recebeu muito mais dinheiro do que era necessário.”

Para a Iporanga, 2022 foi um ano de rever planos e olhar o portfólio, embora a empresa tenha feito alguns investimentos em startups de estágio inicial. Segundo Valente, o mercado esfriou porque ninguém quer tomar risco. “Se um fundo não quer investir, o outro também não investe, falta um pouco de competição entre os fundos, o que faz com o que os negócios levem mais tempo para serem concretizados.”

Jonathan Kim, sócio da RGS Partners, disse acreditar que uma lição importante de 2022 foi estar preparado para vários cenários (tanto macroeconômico quanto da companhia) e poder mudar a rota quando necessário. “Em um ano de menos recursos disponíveis e menor apetite a risco, as startups precisaram considerar outras alternativas para se manter, como fusões e aquisições”, disse.

Para Junior Borneli, CEO da StartSe, a grande lição das empresas em 2022 foi a de buscar a autossustentabilidade. “Foi preciso crescer, mas também sobreviver com recursos próprios. Ou seja, dar lucro voltou à moda, por mais óbvio que pareça. Nos últimos anos, muitas empresas deixaram essa preocupação de lado porque havia muito dinheiro disponível no mercado de venture capital. Agora, esse recurso secou e as startups tiveram que se adaptar para se manterem sozinhas.”

Segundo Borneli, as empresas que prosperaram em 2022 foram aquelas que fizeram leituras corretas dos sinais de mercado e entenderam o movimento tomando decisões assertivas, mas muitas empresas apostaram em “miragens da pandemia”, quando as distorções eram enormes.

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Mariano García-Valiño, CEO da healthtech Axenya, disse que a mudança do mercado forçou as startups a terem um DNA tecnológico.

“Hoje não há espaço para empresas semi-tecnológicas inexperientes. Dentro disso, a distinção entre inovação incremental e disruptiva é fundamental. Não há nada de errado com a inovação incremental, mas ela requer uma estratégia diferente da disrupção. Vale diferenciar também se a inovação está focada na estratégia, no produto ou em ambos”, afirmou.

Para Bernardo Ribeiro, cofundador da insurtech Azos, “se antes a pressão por gerar um caixa positivo era compensada por promessas futuras de geração de caixa ainda maior, hoje vemos que se fortalecem os projetos que possuem um plano sólido para entregar fluxo de caixa positivo em um curto espaço de tempo”.

Márcio Tabatchnik Trigueiro, sócio da Igah Ventures, considera que o ano de 2022 deixou a lição de ter um ritmo de investimentos menos volátil. “Quem investiu muito rápido na bonança pode se ver sem capital na época de vacas magras quando algumas das melhores oportunidades aparecem.”

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“Além disso, ficou claro que nada substitui conhecer bem os fundadores e que não há atalhos – o trabalho demanda tempo e conversas abertas. Bem treinado, um fundador pode causar uma ótima impressão em uma hora de Zoom, mas isso não basta”, disse.

Para os empreendedores, Trigueiro disse considerar que eles aprenderam que saber com quem se faz negócio é tão importante quanto conhecer qual é o negócio. “É na hora difícil que você conhece quem está com você. Valuation alto no papel afaga o ego, porém pode semear uma gestão não compatível com a alta volatilidade - não apenas de venture capital mas da economia brasileira como um todo.”

“Para ganhar o jogo, é necessário primeiro estar vivo, e alguns empreendedores confundiram um mercado aquecido – em que havia facilidade ao levantar recursos – com a real solidez e potencial do negócio que montaram.”

Bernardo Brites, CEO da Trace Finance, disse considerar que uma das lições de 2022 foi a de evitar contratações em massa pensando apenas em crescimento e aumento da base de usuários, sem uma lógica de buscar lucratividade e receita.

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Os investimentos em 2022 para startups brasileiras

A maior parte dos investimentos no Brasil em 2022 foi direcionada para fintechs de serviços bancários e de empréstimo.

E 13 empresas listadas na bolsa brasileira lançaram veículos de corporate venture capital (CVC) no primeiro semestre do ano.

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Leo Monte, head do Torq e diretor de inovação da Sinqia, disse que no ano de 2022 as corporações se aproximaram ainda mais de startups por meio de programas de corporate venture capital, aprendendo a unir forças com empresas de DNA tecnológico para alavancar a inovação.

“Terminamos o ano com um mercado mais maduro. Nosso ecossistema de startups é um dos mais avançados do mundo e evoluímos muito rápido em muitas questões nos últimos anos. Porém, ainda há muito espaço para crescimento. Negócios consistentes com bons empreendedores sempre terão espaço”, disse o executivo.

Miguel Armaza, cofundador e General Partner da Gilgamesh Ventures, disse à Bloomberg Línea que, nos níveis pré-seed e seed, os múltiplos de receita não são primordiais, já que muitas vezes essas empresas são pré-receita - em vez disso, os investidores se concentram no potencial da equipe e da empresa.

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“Os investidores de crescimento e estágio avançado analisaram os múltiplos de receita em 2021, mas, em nossa experiência, hoje os investidores estão menos focados nos múltiplos de receita e, em vez disso, agora há um foco no unit economics e nas margens operacionais”, disse.

Um recente relatório do Morgan Stanley mostrou um grande contraste entre as 10 principais fintechs de capital aberto em 2021 e em 2022. Em novembro de 2021, 6 das 10 tinham margem operacional negativa. Em dezembro de 2022, todas as 10 têm margem operacional positiva.

Segundo a plataforma de inovação Distrito, o investimento em venture capital acumulado até novembro de 2022 no Brasil foi de US$ 4,48 bilhões, enquanto no mesmo período de 2021 havia chegado a US$ 8,9 bilhões. No ano fechado de 2021, foram US$ 9,8 bilhões investidos.

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Até novembro de 2022, o Brasil teve 617 transações de venture capital com um tíquete médio acumulado no ano de US$ 9,4 milhões. Segundo o Distrito, para o cálculo do tíquete médio não são consideradas as rodadas sem valor divulgado.

O dinheiro ainda correu para as empresas brasileiras. A maior parte dos negócios foi para empresas em estágios iniciais (early stage), em que investidores conseguiam pagar menos por uma parte maior da empresa. Para o estágio semente (que representa anjo, pré-Seed, equity crowdfunding e Seed), foram 466 transações no ano de 2022 até novembro, com um valor médio de US$ 1,4 milhão.

Para o early-stage (que representa Séries A e B) foram 117 rodadas, com valor médio de US$ 18,9 milhões. Já no Late-Stage (que considera rodadas de Série C até Private Equity) foram 34 transações, com valor médio de US$ 68,4 milhões.

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O setor com maior volume de investimento acumulado no ano até novembro de 2022 foi o de fintech (42,2%) Segundo dados do Distrito para venture capital e fusões e aquisições (M&A) em novembro de 2022, foram investidos US$279,7 milhões em 31 rodadas e 13 M&As.

Dados do mês de novembro

Para o estágio semente foram 22 transações em novembro, com um tíquete médio de US$ 1,2 milhões. Para o early stage foram cinco rodadas, com valor médio de US$ 33,9 milhões. E, para o late stage, foram quatro aportes com tíquete médio de US$ 61,8 milhões.

Segundo o Distrito, para o cálculo do número de acordos foram levadas em consideração todas as transações realizadas no mês, mas, para o cálculo da média, só foram considerados os investimentos. Os dados são até o dia 30 de novembro de 2022.

Foi uma queda de 66,5% em relação a novembro do ano passado, quando US$ 835,9 milhões foram investidos em 62 transações.

Em novembro de 2022, os maiores setores por investimento no Brasil foram retailtech (varejo) captando US$ 115,8 milhões em dois aportes, regtech (startups jurídicas) captando US$ 100 milhões em um aporte, fintech (financeiras), com US$ 28 milhões em seis rodadas, e healthtech (saúde) com US$ 16,1 milhões em sete transações.

Houve uma transação de US$ 5,7 milhões para uma startup de mobilidade e duas transações que somaram US$ 4,8 milhões para o setor imobiliário. Foodtechs receberam US$ 3,3 milhões em quatro investimentos em novembro e uma empresa de mídia e entretenimento recebeu US$ 2 milhões em uma transação.

Uma agtech (startup para o agro) recebeu US$ 1,9 milhões, e uma edtech (startup para educação), US$ 1,3 milhões. Captações destaque no mês foram para a Agrolend e a Alias Tecnologia. Já o M&A destaque no mês, segundo o Distrito, foi a Neurotech, comprada pela B3.

Os maiores investimentos em novembro:

  1. CantuStore (RetailTech), em private equity com L Catterton: US$ 112 milhões
  2. Alias (Regtech), em Série B com investidor não divulgado: US$ 100 milhões
  3. Agrolend (Fintech), em Série B com Lightrock, Mago Capital, Valor Capital Group, SP Ventures e Yara Growth Ventures: US$ 27 milhões
  4. Hi Technologies (Healthtech), em Série C com investidores não divugados: US$ 11,5 milhões
  5. Flapper (Mobilidade), em Série A com DXA e Arien Invest: US$ 5,7 milhões
  6. Liti Saúde (Healthtech), em Seed com Monashees, Canary, GrãoVC, Eclipseon Ventures, Newtopia VC, The fund e Latitud Capital: US$ 4,1 milhões
  7. Approva Fácil (Real Estate), em Seed com Terracotta Ventures: US$ 4 milhões
  8. Zerezes (Varejo), em Seed com Shift Capital e Order: US$ 3,8 milhões
  9. Pink Farms (Foodtech), em Série A com SLC Vrentures: US$ 2,8 milhões
  10. Aoca Game Lab (Mídia e entrenimento), em rodada Seed com Google: US$ 2 milhões

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups