Eurasia: Lula dá ‘sinais mistos’, mas economia deve ser melhor do que se espera

Para Christopher Garman, diretor para Américas da consultoria, Haddad deve encaminhar agenda de arrecadação e controle de gastos além do que o mercado precifica

Para Christopher Garman, da Eurasia, Lula deu prioridade a pessoas de sua confiança nos ministérios e enfrenta dificuldades para atrair nomes de credibilidade do mercado
26 de Dezembro, 2022 | 04:11 AM

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Bloomberg Línea — A gestão da economia do próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não deve ser tão negativa como alguns profissionais do mercado financeiro preveem. Na avaliação do cientista político Christopher Garman, diretor para Américas da consultoria de risco político Eurasia, o próximo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “vai encaminhar uma agenda melhor do que se espera no lado da receita e também na parte de controle de gastos”.

Segundo ele, a previsão da Eurasia é que “a política econômica acabe sendo melhor do que se espera”.

“Claro que a equipe econômica tem um perfil mais petista e o mercado faz uma leitura de risco de uma política fiscal mais expansionista, de descontrole das contas públicas. Mas é preciso cautela para não chegar a conclusões exageradas”, disse Garman em entrevista à Bloomberg Línea.

Para Garman, o ministério que Lula apresentou até agora se explica por dois eixos:

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  • O presidente eleito vem enfrentando dificuldades de encontrar nomes de credibilidade do mercado, com alguns convites recusados e;
  • Lula quer pessoas de “alta confiança” no seu entorno.

Segundo o analista político, como o novo governo não conseguiu atrair nomes que trouxessem credibilidade para a equipe, “as expectativas de que fosse montada uma coalizão ampla foram frustradas”.

Um dos nomes cotados é o do economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, que teria inicialmente recusado assumir o Ministério do Planejamento.

Foi o caso também do empresário Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), principal executivo da Coteminas e filho de José Alencar, que foi vice-presidente de Lula em seus dois primeiros mandatos. Ele teria recusado assumir o recriado Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que acabou com o vice Geraldo Alckmin (leia mais abaixo).

Esperava-se que o Ministério da Educação e o do Desenvolvimento Social, por exemplo, fossem ficar com aliados, especialmente a senadora Simone Tebet (MDB), que, depois de ter sido a terceira candidata mais votada no primeiro turno da eleição presidencial, passou a apoiar Lula na reta final.

Mas até agora isso não aconteceu - embora ainda faltem 17 ministros para ser anunciados. A Educação ficou com o senador eleito Camilo Santana (PT-CE), e o Desenvolvimento Social, com o senador eleito Wellington Dias (PT-PI).

‘Sinais mistos de Lula’

“São sinais mistos”, disse Garman. “Ao colocar pessoas de sua confiança no ministério, Lula deve enxergar um cenário difícil pela frente. Mas isso evidentemente gera inquietação nos aliados. É um equilíbrio tênue entre dar espaço para pessoas de confiança e não abrir pra aliados”, afirmou.

“Do lado da política econômica, é um sinal preocupante. O novo ministro da Fazenda montou uma equipe de pessoas experientes, mas sem nenhum grande nome do mercado com credibilidade - embora seja cedo para concluir que a PEC do Waiver [mais conhecida como PEC da Transição] seja um sinal de que a política econômica vá ficar com uma trajetória preocupante da dívida”, afirmou Garman.

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Já do lado estritamente político, segundo o diretor da Eurasia, “tudo fica mais difícil”. “O governo vai pagar um preço pela montagem de um ministério que não inspira confiança na condução da economia. Isso se traduz em uma curva de juros mais elevada, e o setor privado fica mais inquieto.”

Arrecadação é prioridade

Como citado pelo analista polític, Haddad dá sinais de que pretende dar prioridade à arrecadação à frente da economia. Na segunda-feira (19), ele anunciou que a procuradora da Fazenda Anelize Lenzi Ruas de Almeida será a procuradora-geral da Fazenda Nacional (PFGN). A PGFN é responsável pela representação jurídica da União. É o órgão que faz a cobrança de dívidas fiscais na Justiça e em órgãos administrativos.

Almeida está na PGFN desde 2006 e trabalhou na gestão da Dívida Ativa da União, o departamento que monitora todos os devedores de tributos federais. A Dívida Ativa está em R$ 2,7 trilhões, segundo relatório de risco fiscal divulgado em novembro pela Secretaria do Tesouro.

Durante a passagem de Anelize Almeida pela gestão da Dívida Ativa, foram criados mecanismos de negociação e de incentivo ao pagamento de tributos, como o Regimento Diferenciado de Cobrança de Crédito (RDCC), um conjunto de regras para racionalizar a operação da Procuradoria da Fazenda; o programa de conformidade de contribuintes, que premia pagadores em dia de impostos; e o rating de dívida, que classifica os créditos tributários conforme a possibilidade de pagamento pelo devedor.

O relatório de risco fiscal do Tesouro apontou que o estoque de ações judiciais contra a União cresceu 39% do ano passado para cá, com discussão de R$ 2,9 trilhões. Desse total, R$ 528 bilhões são considerados de “risco provável” de derrota para a União, e o resto, de derrota “possível”.

Haddad diz que dará prioridade a atuação jurídica da Fazenda para reduzir risco fiscal de decisões judiciais, de olho na arrecadação

Na entrevista coletiva em que anunciou a nova PGFN, Haddad disse que quer “estruturar um grupo de acompanhamento do risco fiscal no Brasil” para “compor um time que terá atuação mais firme junto aos tribunais para diminuir o risco fiscal das decisões judiciais”.

“Pouca gente dá a importância devida para a necessidade de uma atuação muito fina da PGFN na defesa do Tesouro Nacional”, disse Haddad. “A PGFN e Receita Federal serão dois órgãos muito importantes para reestruturação da nossa agenda fiscal. Ter leis mais claras, combate à sonegação, recuperação de créditos tributários, atuação exemplar nos tribunais”, completou.

Haddad anunciou nomes de sua confiança para as áreas ligadas à cobrança de impostos. O secretário da Receita será o advogado Robinson Barreirinhas, que trabalhou com Haddad quando ele foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo, na gestão de Marta Suplicy (na época no PT, hoje no Solidariedade).

Alckmin: diálogo com a indústria

Outro nome que despertou atenção na gestão econômica do novo governo Lula foi o do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). Na quinta-feira (22), o presidente eleito anunciou que seu vice acumulará o cargo de ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior (MDIC, que será recriado).

No MDIC, Alckmin será a ponte entre Lula e industriais paulistas

Houve certa surpresa, uma vez que tanto Lula quanto Alckmin haviam declarado que o vice não deveria ocupar ministérios, mas ser um aliado do presidente na gestão do país. Mas o anúncio veio depois que empresários da indústria recusaram o convite para chefiar a pasta, como Josué Gomes da Silva.

Fonte ligada a Lula e próxima de lideranças do PT disse à Bloomberg Línea que Alckmin foi uma saída para dar tranquilidade a Lula na relação com a indústria. É um setor que apoiou Bolsonaro durante todo o seu governo e que está concentrado em São Paulo, estado que Alckmin governou por 13 anos.

Segundo Christopher Garman, a Eurasia “vê com bons olhos” a nomeação. “Alckmin e Haddad têm uma boa relação e devem fazer uma boa dobradinha no governo”, analisou o cientista político.

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*Atualizado às 11h46 para correção de informação: Wellington Dias (PT-PI) foi eleito senador em outubro e seu mandato começa em janeiro de 2023

Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.