Opinión - Bloomberg

Quem é a executiva que vai comandar a Levi’s e por que sua trajetória importa

Michelle Gass foi colocada na liderança de uma empresa em dificuldades – processo conhecido como “glass cliff” –, mas recebeu uma segunda chance no topo

Empresa contratou ex-CEO da Kohl's
Tempo de leitura: 4 minutos

Bloomberg Opinion — Apenas 46 empresas da Fortune 500 são lideradas por mulheres – meros 9% das maiores empresas corporativas dos Estados Unidos por receita. Isso também é um recorde, mesmo que seja deprimente.

Quando se fala em números tão pequenos, cada contratação e demissão é importante. Assim, na semana passada, com rumores de que Michelle Gass deixaria o cargo de CEO da Kohl’s no início do próximo ano para se tornar CEO da Levi Strauss, observadores lamentaram o encolhimento deste grupo exclusivo de mulheres. Com receita anual de US$ 5,8 bilhões em 2021, a Levi’s tem cerca de um terço do tamanho da Kohl’s. E embora seja uma marca influente e culturalmente importante, ela não entra para a Fortune 500.

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O número de mulheres CEOs normalmente é utilizado como indicador para aferir o estado das mulheres no local de trabalho Se os números subirem, estamos falando de progresso. Se caírem, estamos regredindo. Mas em alguns casos – como este – o parâmetro simplifica demais uma narrativa mais complexa. A saída de Gass da Kohl’s até que não é má notícia.

Sim, a Fortune 500 vai perder uma de suas já escassas mulheres CEOs. Mas o próximo trabalho de Gass reflete uma mudança real em como as mulheres que alcançaram o topo não são interpretadas e avaliadas.

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Por um lado, há o fato de que Gass tem um novo cargo de CEO a assumir. É muito incomum para as mulheres conseguirem um cargo executivo em uma empresa de alto perfil.

Desde 2004, 22 homens conseguiram essa distinção entre as empresas do S&P 500, segundo a empresa de busca de executivos Spencer Stuart. O número de mulheres? Zero. E durante o mesmo período, apenas três mulheres foram CEOs repetidas de uma empresa da Fortune 500: Meg Whitman, no eBay (EBAY) e na Hewlett Packard (HP); Susan Cameron, que tinha dois cargos separados como chefe da Reynolds American; e Mary Dillon na Ulta Beauty (ULTA) e na Foot Locker.

É um feito quase inédito para uma mulher CEO que estava com dificuldades (como Gass na Kohl’s) ter outra chance de ficar no topo. A varejista cortou a orientação à medida que sua base principal de clientes diminuiu seus gastos, e as grandes apostas de Gass – como a parceria com a Sephora e a Amazon.com (AMZN) – não ajudaram a empresa. Ativistas acabaram exigindo sua demissão.

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Podemos supor o que teria acontecido com base na história: Gass teria se aposentado – provavelmente não por escolha – e, a partir de então, se tornado membro de algumas diretorias de outras empresas, talvez de uma empresa de capital de risco ou de private equity. Essencialmente, ela teria “desaparecido”, como Jennifer Reingold escreveu na Fortune em 2016 quando falou sobre o motivo pelo qual tantas mulheres executivas realizadas simplesmente desapareceram do mundo corporativo.

O problema é sistêmico. As mulheres são frequentemente nomeadas para liderar empresas em dificuldades ou em crise – basicamente coisas que homens não querem fazer. O processo é chamado de “glass cliff” – “penhasco de vidro”, em tradução livre. O artigo de Reingold citou dados da Universidade Estadual de Utah, que constataram que 42% das mulheres CEOs das empresas da Fortune 500 até 2014 foram nomeadas em tempos de crise, contra 22% dos CEOs homens.

Quando as mulheres acabam tendo dificuldades no cargo, são vistas como candidatas inviáveis para outras oportunidades. “Não há muita margem para o fracasso das mulheres CEOs”, disse Marianne Cooper, socióloga do Laboratório de Inovação de Liderança de Mulheres VMware da Universidade de Stanford.

Gass estava nessa posição na Kohl’s. O que fez a diferença para ela é que o atual CEO da Levi’s, Chip Bergh, reconheceu a dificuldade de seu trabalho. Ele disse ao The Wall Street Journal que a carreira de Gass na Kohl’s deveria ser considerada dentro do contexto mais amplo das dificuldades enfrentadas pelas lojas de departamento.

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Cheguei à conclusão de que a Kohl’s está em um lugar melhor hoje do que se ela não tivesse passado pelo cargo”, disse ele ao jornal. O que é raro é que Bergh reconheceu publicamente o “glass cliff” e pareceu implicar que talvez o fato de ter conduzido a empresa por tempos tumultuados faça de Gass uma líder mais forte, não mais fraca.

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Outra coisa incomum é como Gass vai trabalhar. Ela está ingressando no Levi’s como presidente e estará nessa função por até 18 meses antes de assumir o cargo de Bergh. É uma situação incomum para um CEO que já atua no cargo.

Em declaração à Bloomberg Opinion, um porta-voz da Levi’s disse que o período daria aos dois “muito tempo para trabalharem juntos e mapear uma transição suave, ao mesmo tempo em que daria a Michelle a oportunidade de aprender nossos negócios e conhecer nossa equipe”.

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É possível interpretar isto de duas formas. A primeira é que a diretoria da Levi’s ou até Bergh acredita que Gass precisa de um pouco mais de orientação – o que eu poderia dizer que provavelmente não aconteceria com um homem no mesmo cargo.

O cenário alternativo é que o processo de até 18 meses é uma tentativa de Bergh e da empresa de garantir que Gass não passe por mais uma situação de “glass cliff”. Espero que seja a última opção – mas de qualquer forma é um progresso.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre o mundo corporativo dos Estados Unidos. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.

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