O dinheiro para startups secou? Investidores apontam como ficará o mercado

Fundos de venture capital e private equity se tornam mais seletivos, valuations sobem menos (ou até caem), mas perspectivas ainda apontam para expansão do setor

Prédios em Wall Street perto da Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) em Nova York, EUA, na segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016.
18 de Outubro, 2022 | 10:08 AM

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Bloomberg Línea — O aumento das taxas de juros e a desaceleração da economia mundial têm obrigado fundos que investem em empresas de capital fechado na América Latina a rever suas estratégias.

Gestores de venture capital e private equity ouvidos pela Bloomberg Línea dizem que agora olham mais atentamente para os retornos de suas apostas enquanto o mercado busca fugir dos ativos de mais risco. Com a seleção mais rigorosa e os aportes já não são tão generosos, os valuations de empresas investidas têm ficado abaixo dos níveis de 2021 e 2020, quando diversas startups latino-americanas ganharam status de unicórnio - ou seja, foram avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais.

Para Humberto Zesati, sócio-gerente da empresa mexicana de private equity LIV (Latin Idea Ventures) Capital, os valuations “voltaram à Terra” e o mercado latino-americano entrará em uma fase diferente daqui para frente.

“Acho que não veremos nada perto dos números de investimento que vimos em 2020 e 2021″, disse Zesati à Bloomberg Línea. “Não vejo que muitas empresas vão continuar a investir no mesmo ritmo que estavam na região nos últimos dois anos.” O fundo com sede no México visa investimentos de capital de crescimento (growth capital) em empresas que tenham pelo menos US$ 30 milhões em receita.

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A dificuldade de levantar capital afeta principalmente as empresas em estágio mais avançado na América Latina, as chamadas late stage. São startups com negócio mais estabelecido e que estão na fase de rodadas de Série C, levantando entre US$ 30 milhões e US$ 100 milhões em investimentos, para crescer. O financiamento para empresas de tecnologia em estágio avançado é mais difícil e a pressionará os valuations para baixo, disseram gestores de capital de risco.

“Existe atividade para os estágios iniciais. Neste ano tivemos cerca de 20 rodadas de investimentos em nosso portfólio. Esses números são mais ou menos 30% maiores do que o volume do ano passado. O que não está acontecendo é a Série C em diante”, disse Marcos Leite, co-fundador e sócio-gerente do fundo brasileiro de capital de risco Canary, em entrevista recente à Bloomberg Línea.

A dor do ‘down round’

Em alguns casos, empresas estão sendo obrigadas a aceitar uma rodada a um valuation abaixo da captação anterior (down round, no jargão do mercado). Um exemplo é o da brasileira Zak, startup que desenvolve uma plataforma de gestão e de pagamentos para restaurantes que havia recebido um investimento de R$ 80 milhões em 2021 em uma rodada liderada pelo fundo americano Tiger Global. Em agosto, a empresa recebeu outra rodada liderada pelo mesmo fundo, mas a um valuation menor.

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Para alguns gestores, lidar com um down round não é fácil e pode até levar uma empresa à morte em casos mais críticos, de acordo com Sebastian Miralles, sócio-gerente da Tempest, empresa mexicana de private equity. “Muitas vezes os fundos de capital de risco preferem ver uma empresa morrer do que deixá-la captar a um down round”, disse Miralles.

“Não sei investir em uma empresa que está negociando com um valuation de 24x [o múltiplo], para mim é algo que não faz sentido. Simplesmente não é razoável. Eu rodo meus modelos na maioria das startups e vejo que elas estão supervalorizadas em 3x, às vezes até mais. Como você investe? É um dilema difícil. Ou você participa e tenta ser o mais conservador possível ou opta por não jogar”, disse Miralles.

Segundo o gestor, essa situação está levando a uma mudança no mercado. Alguns fundos de private equity (PE), que costumavam investir em companhias bem estabelecidas, agora estão investindo em empresas em estágio inicial, que costumavam ser o foco dos fundos de venture capital (VC).

“A distinção de PE e VC veio originalmente na década de 1980 por causa de banqueiros de Nova York que queriam fazer aquisições de alavancagem, com recursos muito altos que geralmente vêm de investidores conservadores, como fundos de pensão. Mas agora VC e PE estão convergindo, e você pode ver essa conversão de PE investindo em estágio de crescimento e de VCs investindo em estágio avançado”, disse Miralles à Bloomberg Línea.

Além de fazer a gestão de seus veículos de investimento, a Tempest assessora fundos soberanos e family offices. A empresa também participou da rodada Série C do unicórnio mexicano Clip e atualmente tem um investimento de US$ 1,1 bilhão comprometido.

Para Miralles, por definição, a maioria das startups nunca será bem-sucedida e é assim que a indústria funciona: colhendo os frutos das poucas empresas que conseguem despontar. “Alguns fundadores não são tão bons e, mesmo para os que são ótimos, os valuations estavam muito elevados”, disse.

Contudo Miralles acredita que as melhores startups sobreviverão aos down rounds. “Hoje existe uma geração inteira que acredita que VC é apenas investir em negócio de software em estágio inicial que deve perder dinheiro. Mas isso é errado e destrutivo para a sociedade”, disse.

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Marcos Leite, da Canary, afirmou que os últimos 10 meses foram “fora da curva” para investimentos de venture capital e private equity no mundo. Devido à aversão ao risco, os investimentos desaceleraram, mas, em comparação com 2019, o capital de risco na América Latina ainda está crescendo.

Mesmo diante das dificuldades, ele se mantém otimista e acredita em uma recuperação. “Existem dezenas de fundos globais muito interessados na América Latina, estudando os mercados. Quando o mercado de capitais melhorar, haverá mais fundos investindo na região”, disse.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups