A história do ‘visionário’ de caminhões elétricos condenado por fraude

Trevor Milton, fundador da Nikola, chegou a ter fortuna de US$ 4,6 bilhões e a ser apontado como o novo Elon Musk, mas produtos estavam muito aquém do declarado

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Bloomberg — O fundador da Nikola, Trevor Milton, foi condenado nesta semana por fraude por ter enganado investidores de sua empresa de caminhões e picapes elétricos. A sentença representou uma queda espetacular na trajetória do executivo, que começou a carreira como vendedor de porta em porta e se tornou bilionário com um negócio que prometia revolucionar a indústria automobilística. Não à toa, ele era visto como um visionário empreendedor como Elon Musk com a Tesla (TSLA).

Milton, de 40 anos, foi considerado culpado na sexta-feira (14) pela acusação de fraude de valores mobiliários e por duas acusações de fraude eletrônica por um júri federal em Manhattan, como parte dos esforços do Departamento de Justiça dos Estados Unidos para reprimir crimes corporativos. Ele foi absolvido de uma acusação mais grave de fraude de valores mobiliários.

O empreendedor balançou a cabeça brevemente enquanto o veredicto era lido, levou a mão esquerda ao rosto e olhou para as quase duas dúzias de familiares e amigos reunidos nos bancos atrás dele.

“Acho que a evidência foi clara”, disse a jurada número 5, uma mulher de cabelos grisalhos e óculos. Ela se recusou a dar seu nome.

Ascensão Meteórica

Milton deve receber a sentença em 27 de janeiro de 2023 e pode pegar até 20 anos de prisão.

“Eu não fiz nada de errado”, disse Milton do lado de fora do tribunal. “Eu estava falando sobre o plano de negócios [da empresa].”

Questionado sobre seus planos, ele disse: “Tenho que continuar lutando. Isso é tudo que você pode fazer, especialmente quando você não fez nada.”

Tem sido uma jornada de altos e baixos para o empresário carismático, cuja fortuna caiu para centenas de milhões de dólares depois de ter atingido US$ 4,6 bilhões logo após a empresa listar suas ações em junho de 2020 em um concorrido IPO (oferta pública inicial) na Nasdaq.

Milton, que continua sendo o maior acionista individual da empresa, fundou a Nikola em 2014 e a transformou em uma empresa que chegou a ser avaliada em US$ 34 bilhões quando abriu seu capital, mais do que a montadora Ford (F) em dado momento.

A ascensão meteórica da startup, que não tinha receita na época, ocorreu em meio a uma onda de empresas de veículos elétricos abrindo capital por meio de empresas de aquisição de propósito específico, ou SPACs, há dois anos, quando investidores estavam em busca da próxima Tesla (TSLA).

Seguir a rota da abertura de capital por meio de uma SPAC permitiu que a Nikola fosse negociada com base em projeções futuras de desempenho, em vez de resultados financeiros reais. Alguns dos maiores nomes de Wall Street despejaram dinheiro no setor.

Apoio de celebridades

Após a listagem de Nikola, investidores comuns começaram a se dar conta e conhecer a visão de Milton também, dada a exposição que a empresa passou a ter, assim como acontece com a Tesla de Elon Musk.

Enquanto o foco inicial da Nikola estava em caminhões comerciais pesados, ele elaborou planos para novos negócios para carros elétricos esportivos e voltados para os consumidores comuns, pessoas físicas. Tudo ganhou força com o endosso de celebridades como Heavy D, dos Diesel Brothers, que promoveu a picape Badger, um produto que nunca passou do estágio de renderização.

Os promotores argumentaram que Milton atraiu investidores de varejo para comprar ações da Nikola fazendo declarações falsas sobre os produtos e as capacidades da empresa em vários tuítes, entrevistas na mídia e podcasts. Exagerou acentuadamente a capacidade da Nikola de fabricar caminhões movidos a células de combustível de hidrogênio, bem como sua capacidade de produzir o combustível em si.

Foi “mentira após mentira após mentira”, disse a promotora assistente dos Estados Unidos, Jordan Estes, ao júri em seu argumento final na quinta-feira (13). “Suas mentiras podem estar nas redes sociais, mas não se engane: isso foi uma fraude antiquada.”

Defesa: fundador não influenciou investidores

Os advogados de Milton chamaram o caso de “processo por distorção”, alegando que seu cliente nunca teve a intenção de enganar potenciais investidores e que, de qualquer forma, suas declarações não eram relevantes ou importantes o suficiente para influenciar as decisões desses investidores.

Milton estava geralmente otimista quando chegou ao tribunal de terno e gravata para se sentar com seus advogados. Em seu momento de encerramento, que levou a esposa de Milton às lágrimas, o advogado de defesa Marc Mukasey pediu aos jurados que “imaginem o pesadelo que é para Trevor, aos 40 anos, ter sua vida em risco” por causa de uma acusação excessivamente zelosa.

Houve momentos mais leves também. Na vigília tensa durante as deliberações do júri na sexta-feira, Mukasey praticou algumas tacadas de golfe com um taco fantasma.

A Nikola disse que está “satisfeita em fechar este capítulo” sobre as declarações que Milton fez anos atrás e acrescentou que “nem os promotores nem o sr. Milton questionaram o futuro promissor da empresa e a capacidade única de transformar positivamente o setor de transporte comercial”.

Damian Williams, advogado dos Estados Unidos em Manhattan, disse que o caso é um “aviso para quem joga rapidamente com a verdade para fazer com que investidores desembolsem seu dinheiro”.

Durante o julgamento, que começou com declarações de abertura em 13 de setembro, o governo chamou uma dúzia de testemunhas. Tudo começou com Paul Lackey, um ex-prestador de serviços da Nikola cujas alegações de fraude ajudaram a estimular a investigação criminal.

Lackey, engenheiro da empresa de sistemas de acionamento elétrico EVDrive, disse que deu informações à Hindenburg Research de Nate Anderson em troca de uma parte de seus lucros com a venda a descoberto de ações da empresa.

O relatório de setembro de 2020 do investidor chamou a Nikola de “fraude intrincada” que, entre outras alegações, exagerava as capacidades de seus primeiros caminhões de teste. As ações de Nikola caíram.

O governo chamou outros membros de Nikola para o banco das testemunhas. Entre eles:

Brendan Babiarz, ex-designer da Nikola, que disse que um protótipo da picape Badger planejada pela startup de veículos elétricos foi feito parcialmente a partir de componentes de um Ford F-150 Raptor.

O CEO Mark Russell, que disse que soube apenas depois de ingressar na empresa que o caminhão elétrico de estreia não tinha uma turbina movida a gás natural nem uma célula de combustível, em ocasião em que Milton apresentou o modelo.

O diretor financeiro Kim Brady, que disse que Milton estava tão “hiperfocado” no preço das ações da empresa que, quando as cotações caíram US$ 5 em seu primeiro dia de negociação, ele pensou que algo estava errado com a Nasdaq.

A defesa ligou para o professor Allen Ferrell, da Harvard Law School, especialista em economia e mercado de ações, que disse ao júri que os traders, em sua maioria, ignoraram as declarações de Milton feitas entre o momento em que sua empresa abriu o capital e o momento em que ele renunciou.

- Com colaboração de Bob Van Voris.

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