Com Lula ou Bolsonaro, qual Câmara deve sair da eleição? E por que isso importa

Especialistas apontam perfil esperado de parlamentares na Casa que costuma ser o fiel da balança para a aprovação de reformas e para a governabilidade do presidente

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Bloomberg Línea — Uma questão tem ganhado espaço crescente nas avaliações feitas por bancos e gestoras a clientes nas últimas semanas. E não é sobre quem será o vencedor da disputa de outubro para presidente. Trata-se da análise para projetar qual será a composição do Congresso que emergirá das urnas.

O principal alvo de atenção nos debates é a Câmara dos Deputados. A Bloomberg Línea ouviu analistas nos últimos dias para colher a visão de mercado. O consenso aponta para uma composição que, mesmo em caso de vitória do ex-presidente Lula e do esperado crescimento do PT, deve se manter com domínio de partidos de direita, assim como ocorre hoje no governo de Jair Bolsonaro. E será igualmente fragmentado.

“A composição do Congresso é chave para a governabilidade e as perspectivas de reformas”, apontou o Goldman Sachs em relatório distribuído a clientes nesta semana que passou.

“As pesquisas sugerem que é improvável que a composição do Congresso mude de forma muito significativa: espera-se que os partidos de centro-esquerda aumentem sua representação, mas também que o Congresso permaneça fragmentado, ideologicamente nebuloso e provavelmente ainda com uma maioria de parlamentares de centro e de centro-direita”, avaliou o relatório assinado pelo economista Alberto Ramos, Head de Research para América Latina do Goldman Sachs, um dos bancos de investimento de Wall Street.

“Espera-se que uma legislatura altamente independente e autônoma atue como peso e contra-peso eficazes ao Poder Executivo e a iniciativas políticas radicais”, completou o relatório.

O principal argumento a favor da previsão de manutenção do perfil da Câmara é a configuração das regras.

A doutora em financiamento eleitoral e professora de Direito Ana Cláudia Santano, coordenadora da ONG Transparência Eleitoral, explicou que “a legislação incentiva os partidos a focar suas estratégias nas eleições para deputado, porque o principal acesso ao dinheiro para campanha é a construção de bancadas na Câmara”.

A professora se refere ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), mais conhecido como fundão eleitoral. Foi criado em 2017 para substituir as doações por empresas, proibidas pelo Supremo Tribunal Federal em 2015 na esteira das descobertas de corrupção da Operação Lava Jato. Tornou-se a principal fonte de recursos das campanhas e dos partidos.

O “fundão” para as eleições deste ano tem R$ 4,9 bilhões. O dinheiro é distribuído da seguinte forma: 35% do total vai para os partidos que tiverem elegido pelo menos um deputado e 48% são distribuídos conforme o tamanho da bancada eleita nas últimas eleições. Outros 15% seguem a bancada no Senado e 2% são distribuídos igualmente entre todos os partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral.

Portanto, o montante a que cada partido tem direito neste ano foi calculado com base nas bancadas eleitas em 2018. É por essa razão fundamental que os partidos precisam trabalhar para eleger bancadas grandes o suficiente em outubro para garantir acesso ao “fundão” nas próximas eleições.

Além disso, existe a chamada cláusula de desempenho ou de barreira. Também criada em 2017, ela estabelece que apenas os partidos que atingirem um percentual mínimo de votos e de deputados eleitos podem receber o dinheiro dos fundos eleitorais (o fundão e o fundo partidário, distribuído todo ano às legendas) e dispor de estrutura dentro do Congresso. Para as eleições deste ano, os partidos precisam atingir um mínimo de 2% dos votos válidos em pelo menos nove estados e eleger no mínimo 11 deputados.

Ou seja: quanto maior a bancada partidária, maior a fatia do fundão a que o partido tem direito. E, quanto mais dinheiro o partido tem, mais condições ele tem de fazer uma campanha estruturada e atingir a cláusula de barreira. “É um claro incentivo à formação de bancadas”, disse a coordenadora da ONG Transparência Eleitoral. “Só que são regras que beneficiam quem já está lá.”

Para o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria, essa é a mesma razão pela qual a orientação ideológica geral da Câmara não deve mudar com as eleições do próximo domingo (2 de outubro). Dos quatro maiores partidos hoje (PL, PP, PT e União Brasil, nessa ordem), três são de direita.

Portanto, diz Cortez, “não é tanto uma questão de ideologia dos candidatos ou dos eleitores, é porque são os partidos que têm acesso a mais recursos”. “Esse conjunto de regras ajuda o status quo, ajuda os competidores que já têm mandato. E, dentro desse grupo, os maiores partidos têm força maior.”

Projeções

As eleições deste ano são as que registraram o maior índice de deputados candidatos à reeleição, como mostrou reportagem da Bloomberg Línea. A tendência, portanto, é que 2022 apresente uma taxa alta de reeleições - até hoje, a maior ocorreu em 2010, quando 74% dos deputados federais conseguiram se reeleger, segundo o Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp) da FGV.

“A tendência é que os grandes partidos formem grandes bancadas, até por terem acesso privilegiado a recursos financeiros”, disse Rafael Cortez.

O Departamento Intersindical de Acompanhamento Parlamentar (Diap) realizou projeções que apontam para as mesmas avaliações de Cortez e de Santano. Segundo a entidade, os quatro maiores partidos continuarão com esse status, mas haverá mudanças internas no ranking das maiores bancadas.

A maior bancada hoje é a do PL - legenda do presidente Jair Bolsonaro -, que tem 76 deputados, número que deve se manter para o ano que vem, segundo o Diap.

O PT, que hoje tem 56 deputados, deve chegar a 64 e se tornar a segunda maior bancada. O PP deve cair de 58 para 52 deputados, na estimativa do Diap, enquanto o União Brasil deve sair de 51 para 50 deputados.

A visão da Eurasia e a presidência da Câmara

Mas, se a Câmara deve continuar com predomínio de parlamentares de direita, a esquerda deve crescer de tamanho, segundo o cientista político Christopher Garman, diretor para Américas da casa de análise de risco político Eurasia, uma das mais principais do mundo.

De acordo com as projeções da consultoria, a soma de todos os partidos de esquerda deve chegar a algo entre 150 ou 160 deputados. O ideal para as legendas, especialmente o PT, diz Garman, seriam 171 deputados, número mínimo para barrar uma eventual tentativa de impeachment.

“Isso é importante porque o tamanho da bancada da esquerda vai ditar os rumos da eleição para a Presidência da Câmara”, afirmou Garman. “Não acho que Lula vá entrar em bola dividida: se o PT sentir algum risco de emplacar seu candidato, vai negociar com o Arthur Lira [atual presidente da Câmara]. Mas, se a esquerda estiver um pouco maior, vai poder negociar com o PSD e com outros partidos de centro”, disse.

A disputa será acirrada, na avaliação do cientista político. Caso Lira consiga se reeleger como deputado, vai tentar um novo mandato no comando da Câmara. E a plataforma dele deverá ser em defesa do chamado orçamento secreto, um mecanismo de destinação de verbas das emendas parlamentares que não identifica o autor do pedido de envio do dinheiro.

A legalidade do orçamento secreto deve ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal, que pode derrubá-lo - a ministra Rosa Weber chegou a conceder liminar para suspendê-lo, mas depois desistiu.

Hoje, o orçamento secreto é a principal forma de envio de dinheiro de parlamentares a suas bases. Para o ano que vem, o Orçamento da União previu R$ 19 bilhões para esse canal de distribuição.

Desafios para a coalizão

Garman afirmou que o principal ponto a ser observado é o que vai acontecer dentro dos partidos. Por mais que os partidos de direita hoje sejam maiores, há uma divisão clara entre os que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (PL) e os que se consideram independentes.

Isso significa, segundo o analista, que por mais que as lideranças partidárias estejam dispostas a negociar com Lula caso ele seja eleito, o tamanho das bancadas bolsonaristas de cada legenda pode prejudicar as conversas.

“Aquele modelo do Centrão que vai com quem ganha e entrega os votos de forma disciplinada em troca de cargos e dinheiro pode ruir. Não podemos descartar surpresas na configuração da próxima legislatura”, disse.

Garman se refere ao chamado “presidencialismo de coalizão”. O termo criado pelo sociólogo Sérgio Abranches descreve o modelo em que o Executivo, para obter apoio no Congresso, distribui cargos e verbas entre os partidos que o apoiem. Está vigente desde a Constituição de 1988, segundo Abranches.

O diretor da Eurasia não acredita que o modelo tenha chegado ao fim. “Mas as ferramentas de coalizão estão, sem dúvida, menos poderosas. Antes, você montava uma coalizão supermajoritária distribuindo ministérios e verbas, mas hoje o parlamento está mais independente com o orçamento impositivo.”

“Os deputados estão sendo eleitos conforme uma base forte de eleitores petistas ou bolsonaristas. Fica mais difícil virar totalmente as costas para o eleitorado em nome de um acordo com o governo.”

Representação feminina e de negros

A bancada feminina e o número de deputados negros e indígenas, por outro lado, podem diminuir, segundo especialistas em direito eleitoral, como a advogada Gabriela Rollemberg. Ela avalia que parte do dinheiro que, por lei, deve ser destinado a candidaturas femininas, pode ter recebido outro fim.

Isso porque as regras permitem que as verbas sejam direcionadas a candidatas a outros cargos, incluindo do Executivo. E 50% das mulheres que integram chapas entram na eleição da próxima semana como candidatas a vice ou como suplente de senadora, conforme levantamento da Folha de S.Paulo, o que pode favorecer indiretamente homens na disputa.

Pelas regras do “fundão”, 30% do dinheiro deve ser destinado a mulheres, negros e indígenas. E, na contagem para a distribuição do dinheiro, cada voto em mulheres, negros ou indígenas tem o dobro do peso.

Isso pode explicar o aumento das candidaturas de negros nas eleições deste ano, que chegaram a 49,5% do total, segundo o TSE. Também pode se relacionar com o aumento de candidatos que se declaravam brancos nas últimas eleições e agora se dizem negros - foram 938, segundo dados do TSE compilados pelo site G1: é o caso de ACM Neto (União Brasil-BA), candidato ao governo da Bahia.

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